Fragmentos: Corpus Christi

O unigênito Filho de Deus, querendo fazer-nos participantes da sua divindade, assumiu nossa natureza, para que, feito homem, dos homens fizesse deuses. Assim, tudo quanto assumiu da nossa natureza humana, empregou-o para nossa salvação. Seu corpo, por exemplo, ele o ofereceu a Deus Pai como sacrifício no altar da cruz, para nossa reconciliação; seu sangue, ele o derramou ao mesmo tempo como preço do nosso resgate e purificação de todos os nossos pecados. Mas, a fim de que permanecesse para sempre entre nós o memorial de tão imenso benefício, ele deixou aos fiéis, sob as aparências do pão e do vinho, o seu corpo como alimento e o seu sangue como bebida. Ó precioso e admirável banquete, fonte de salvação e repleto de toda suavidade! Que há de mais precioso que este banquete? Nele, já não é mais a carne de novilhos e cabritos que nos é dada a comer, como na antiga Lei, mas é o próprio Cristo, verdadeiro Deus, que se nos dá em alimento. Poderia haver algo de mais admirável que este sacramento? De fato, nenhum outro sacramento é mais salutar do que este; nele os pecados são destruídos, crescem as virtudes e a alma é plenamente saciada de todos os dons espirituais. É oferecido na Igreja pelos vivos e pelos mortos, para que aproveite a todos o que foi instituído para a salvação de todos. Ninguém seria capaz de expressar a suavidade deste sacramento; nele se pode saborear a doçura espiritual em sua própria fonte; e torna-se presente a memória daquele imenso e inefável amor que Cristo demonstrou para conosco em sua Paixão. Enfim, para que a imensidade deste amor ficasse mais profundamente gravada nos corações dos fiéis, Cristo instituiu este sacramento durante a última Ceia, quando, ao celebrar a Páscoa com seus discípulos, estava prestes a passar deste mundo para o Pai. A Eucaristia é o memorial perene da sua Paixão, o cumprimento perfeito das figuras da Antiga Aliança e o maior de todos os milagres que Cristo realizou. É ainda singular conforto que ele deixou para os que se entristecem com sua ausência.

Opusculum 57, In festo Corporis Christi, lect. 1-4

Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, Igreja, Teologia

Fragmentos: Fé, Esperança e Caridade

O amor não poderia ser reto se não tivesse estabelecido de início o justo fim da esperança, e isso não é possível se falta o conhecimento da verdade. Deves ter de início a fé para conhecer a verdade, em seguida a esperança para colocar teu desejo no verdadeiro fim, enfim a caridade pela qual teu amor será totalmente retificado.

Compendium I 1

A fé mostra o fim, a esperança faz tender para ele, a caridade realiza a união com ele.

Super I Tim. 1,5, n. 13

 

A fé é certo aperitivo (praelibatio quaedam) desse conhecimento que será nossa felicidade na vida eterna. Por isso o Apóstolo (Hb 11, 1) diz que ela é “a substância das realidades que esperamos”, como se ela fizesse subsistir em nós de uma maneira começada as realidades que esperamos, isto é, a bem-aventurança futura. O Senhor ensinou que esse conhecimento beatificante consiste em duas coisas: a divindade da Trindade e a humanidade de Cristo, quando ele se dirigia ao Pai dizendo (Jo 17, 3): “A vida eterna é que eles te conheçam, tu, o único verdadeiro Deus, e aquele que enviaste, Jesus Cristo”. É a respeito dessas duas realidades, a divindade da Trindade e a humanidade de Cristo, que se refere todo conhecimento da fé. Isso nada tem de admirável, porque a humanidade de Cristo é o Leia mais deste post

Fragmentos: Cristo – sacerdote, profeta e rei

Na antiga aliança dava-se a unção aos sacerdotes e aos reis, como foi o caso de Davi (1 Sm 16) e de Salomão (1 Rs 1). E os profetas também recebiam a unção, como foi o caso de Eliseu, que foi ungido por Elias (1 Rs 19). Essas três [unções] convém a Cristo, que foi rei: “Reinará sobre a casa de Jacó para sempre” (Lc 1, 33). Foi também sacerdote e se ofereceu a Deus em sacrifício (Ef 5, 2). Foi igualmente profeta e proclamou a via da salvação: “O Senhor suscitará um profeta entre os filhos de Israel (Dt 18, 15). Como foi ungido? Não por um óleo visível, porque seu “reino não é deste mundo” (Jo 18, 36). E como não realizou um sacerdócio material não foi ungido com um óleo material mas com o óleo do Espírito Santo… .

In Sl. 44,5

Os outros homens possuem certas graças particulares, mas Cristo, como cabeça de todos os homens, possui em perfeição todas as graças. Por isso, no que diz respeito aos outros homens, um é legislador, o outro sacerdote, o outro rei; em Cristo, ao contrário, tudo isso se reúne como na fonte de todas as graças. Por isso é dito em Isaías (33, 32): “O Senhor é nosso juiz, o Senhor é nosso legislador, o Senhor é nosso rei. Ele virá e nos salvará”.

Suma Teológica III, q.22, a.1

[Depois de ter lembrado a significação da unção e o sentido da palavra Cristo, Tomás continua:] Cristo é rei… é também sacerdote… foi igualmente profeta… convinha-lhe, pois, ser ungido com o óleo de santificação e de alegria. É dele que vêm os sacramentos que são os instrumentos da graça … mas esta unção convém igualmente aos cristãos. Eles são, com efeito, reis e sacerdotes: “Vós sois uma raça eleita, um sacerdócio real” (1 Pd 2, 9), “Fizeste de nós para Deus um reino de sacerdotes” (Ap 5, 10). Eles têm igualmente o Espírito Santo, que é o Espírito de profecia: “Espalharei meu Espírito sobre toda carne” (Jl 2, 28; cf. At 2, 17). Por isso todos são ungidos com uma unção invisível: “Aquele que nos firmou convosco em Cristo e que nos deu a unção é Deus” (2 Cor 1, 21); “Recebestes a unção vinda do Santo e sabeis tudo” (1 Jo 2, 20). Mas que relação existe entre Cristo ungido e os cristãos ungidos como ele? Ei-la: ele tem a unção a título principal e primeiro, nós e os outros a recebemos dele … Por isso os outros são chamados santos, mas ele é o Santo dos santos. Ele é a fonte de toda santidade.

In ad Hebraeos 1,9, lect. 4, n. 64-66

Santo Tomás de Aquino, Igreja, Teologia

Fragmentos: Seguir a Cristo

Não é uma grande coisa finalmente renunciar a tudo [muitos filósofos não têm nenhum cuidado com as riquezas, sublinha Tomás em outras passagens]. A perfeição consiste antes em seguir Cristo, e isso se faz pela caridade: “Se dou todos os meus bens aos pobres… senão tenho a caridade, tudo isso não me serve de nada” (1 Cor 13, 3). A perfeição não consiste em si em coisas exteriores: pobreza, virgindade, etc.; elas não são senão meios para a caridade. Por isso o Evangelista acrescenta: “E eles o seguiram”.

In Matthaeum 4,22,lect.2, n. 373

A perfeição consiste no seguimento de Cristo, enquanto o abandono das riquezas é apenas o caminho. Não basta pois, diz São Jerônimo, renunciar a seus bens; é preciso ainda acrescentar o que fez São Pedro: E nós te seguimos. [Encontramos aqui o exemplo de Abraão, que possuía grandes bens, mas a quem o Senhor pede simplesmente:] “Caminha diante de mim e sede perfeito”, mostrando assim que sua perfeição consistia precisamente em caminhar na presença do Senhor e em amá-lo perfeitamente até a renúncia de si mesmo e de todos os seus bens; o que ele mostrou de maneira eminente pelo sacrifício de seu filho.

De perfectione spiritualis vitae 8, Léon. T. 41, p. B 73

Quatro coisas que se correspondem devem ser consideradas: duas dependem de nós, em nosso agir em relação a Cristo, e duas dependem de Cristo, que as realiza em nós.

A primeira, que depende de nós, é a obediência a Cristo. … A segunda, que depende de Cristo, é a escolha que ele faz de nós e o amor que tem por nós. … A terceira, que novamente depende de nós, é a imitação de Cristo. … A quarta depende ainda de Cristo, e é a recompensa que lhe corresponde: “Eu lhes dou a vida eterna”. Como se ele dissesse, eles me seguem na terra no caminho da humildade e da inocência; farei com que eles me sigam ainda no céu e que eles entrem na alegria da vida eterna.

In Ioannem, 10,27-28, lect. 5, n. 1444-1449

Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, Teologia, Igreja

Fragmentos: A lei do Espírito

“Toda coisa parece ser aquilo que nela é principal”, diz o Filósofo no livro IX da Ética. Aquilo que é principal na lei do Novo Testamento, e em que toda a virtude dela consiste, é a graça do Espírito Santo, que é dada pela fé em Cristo. E assim principalmente a lei nova é a própria graça do Espírito Santo, que é dada aos fiéis de Cristo. … O que faz dizer Santo Agostinho em sua obra Sobre o Espírito e a Letra … (XXI, 36): “O que são as leis de Deus escritas pelo mesmo Deus nos corações senão a própria presença do Espírito Santo?” … Deve-se, pois, dizer que principalmente a lei nova é lei infusa, mas que, secundariamente, ela é lei escrita.

Suma Teológica I-II, q.106, a.1

Deve-se saber que se apoiando nestas palavras: “Onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade”, assim como nas palavras seguintes: “Para o justo não há lei” (1Tm 1, 9), alguns ensinaram falsamente que os homens espirituais não estão submetidos aos preceitos da lei divina. O que é falso, porque os mandamentos de Deus são a regra do agir humano. …

O que foi dito do “justo para o qual não há lei”, deve-se compreender assim: não foi para os justos, que são movidos do interior às coisas que a lei de Deus prescreve, que a lei foi promulgada, mas para os injustos, sem que por essa razão os justos não sejam obrigados à lei.

Igualmente, “Onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade” deve-se compreender assim: é livre aquele que dispõe de si mesmo (líber est qui est causa sui), enquanto o servo (servus) depende de seu senhor. Aquele, pois, que age por si mesmo age livremente, mas aquele que age sob o impulso de outro não age livremente. Assim, aquele que evita o mal não porque é mal, mas por causa do mandamento de Deus, este não é Leia mais deste post

Fragmentos: A lei da caridade

Manifestamente, todos não podem passar o seu tempo em trabalhosos estudos. Cristo nos deu uma lei cuja brevidade a torna acessível a todos, e assim ninguém tem o direito de ignorá-la: esta é a lei do amor divino, esta “palavra breve” que o Senhor declara ao universo.

Esta lei, reconheçamos, deve ser a regra de todos os atos humanos. A obra de arte obedece a cânones. Igualmente o ato humano, justo e virtuoso quando segue as normas da caridade, perde sua retidão e sua perfeição se ele vem a se afastar delas. Eis, pois, o princípio de todo bem: a lei do amor. Mas ela traz consigo muitas outras vantagens.

Em primeiro lugar ela é fonte de vida espiritual. É um fato natural e manifesto que o coração amante é habitado pelo que ele ama. Quem ama Deus o possui em si. “Quem permanece na caridade permanece em Deus e Deus nele” (Jo 4, 16). E tal é a natureza do amor que ele transforma no ser amado. Se amarmos coisas vis e passageiras nos tornaremos vis e instáveis, se amarmos Deus seremos totalmente divinos: “Quem se une ao Senhor é o mesmo espírito com ele” (1Cor 6, 17). Santo Agostinho assegura: “Deus é a vida da alma, como esta o é do corpo que ela anima” … Sem a caridade ela não age mais: “Quem não ama permanece na morte” (1Jo 3, 14). Se tiverdes todos os carismas do Espírito Santo, sem a caridade estareis Leia mais deste post

Fragmentos: A oração, intérprete da esperança

Embora [Deus] por sua disposição providencial vele sobre toda a criação, ele tem um cuidado particular das criaturas racionais, revestidas da dignidade de ser sua imagem, que podem chegar até ele pelo conhecimento e pelo amor no senhorio de seus atos, tendo a livre escolha do bem e do mal. Regenerados pelo batismo, os homens têm uma esperança mais elevada, a de obter de Deus a herança eterna. … Pelo Espírito de adoção que recebemos podemos dizer “Abbá, Pai” (Rm 8,15), e para nos mostrar que era necessário orar nesta esperança o Senhor começou sua oração pela palavra “Pai”. Essa simples palavra prepara o coração do homem para orar com sinceridade para obter o que ele espera, porque os filhos devem se conduzir como imitadores de seus pais. Quem, pois, confessa a Deus como seu Pai deve se esforçar por viver como imitador de Deus, evitando tudo o que torna dessemelhante a Deus e praticando tudo o que nos assemelha a Deus.

Compendium theol. II 4

Dado que a ordem da Providência divina atribui a cada ser uma maneira de chegar a seu fim segundo a sua natureza, o homem também recebeu uma maneira própria de obter de Deus o que ele espera dele de acordo com o curso habitual da condição humana. Pertence à condição humana pedir para obter de um outro, e sobretudo de um superior, o que se espera dele. É assim que a oração foi prescrita aos homens por Deus para receber dele o que eles esperam. [Não certamente para fazer conhecer as nossas necessidades a Deus, mas antes para tomar consciência das nossas. A oração cristã te, entretanto, uma particularidade:] Quando se trata da oração a um homem, devemos ter com ele certa familiaridade para estar autorizado a nos dirigir a ele. A oração a Deus, ao contrário, nos faz penetrar em sua intimidade; quando o adoramos em espírito e em verdade, nosso espírito se eleva até ele e entra com ele num colóquio de afeto espiritual. Orando assim, esta intimidade afetuosa nos prepara em caminho para recomeçar a orar com mais confiança. Assim diz o Salmo (16, 6): “Eu chamei”, orando com confiança, “e tu me ouviste, ó Deus”: como se a primeira oração, tendo adquirido a intimidade divina, pudesse continuar com mais confiança. Por essa razão, a assiduidade na oração e a freqüência dos pedidos não são importunos, mas agradáveis a Deus (Lc 18, 1): “Deve-se sempre orar sem jamais se cansar”. O Senhor nos convida a  isso (Mt 7, 7): “Pedi e recebereis, procurai e encontrareis, batei e vos será aberto”. Na oração dirigida aos homens, pelo contrário, a insistência do pedido torna-se inoportuna.

Compendium theol. II 2

Tomás de Aquino, Santo Tomás, Igreja

 

Fragmentos – Espírito Santo: amor, amizade, comunhão e perdão

 

Dado que o Espírito Santo procede por modo de amor, do amor pelo qual Deus ama …, e do fato de que amando Deus nós nos assemelhamos a esse amor, dizemos que o Espírito Santo nos é dado por Deus. Por isso o Apóstolo afirma: “O amor de Deus foi espalhado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 5).

Suma contra os gentios IV 21, n. 3575

 

Por toda a parte onde há obra de Deus, deus deve aí se encontrar a título de autor. Dado que a caridade pela qual amamos Deus se encontra em nós pelo Espírito Santo, é necessário que o Espírito Santo permaneça em nós tão longamente enquanto temos a caridade. Por isso o Apóstolo perguntava (1Cor 3, 16): “Não sabeis que sois o templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?” Dado que é pelo Espírito Santo que nos tornamos amigos de Deus e que o ser amado, em sua qualidade justamente de ser amado, está presente naquele que o ama, é necessário que o Pai e o Filho habitem também em nós pelo Espírito Santo. É o que diz o Senhor em São João (14, 23): “Viremos a ele e faremos nele nossa morada”; e ainda (1Jo 3, 16): “Sabemos que ele permanece em nós graças ao Espírito que ele nos deu”.

Suma contra os gentios 20, n. 3576

 

É manifesto que Deus ama no mais alto grau aqueles que ele fez seus amigos pelo Espírito Santo; somente um tão grande amor podia conferir um tal bem. … Ora, uma vez que todo ser amado habita naquele que o ama, é necessário que pelo Espírito Santo não somente Leia mais deste post

Fragmentos: A conformidade a Cristo

A satisfação de Cristo obtém em nós seu efeito na medida em que lhe somos incorporados como membros à sua cabeça … Ora, é necessário que os membros se conformem à cabeça (membra autem oportet capiti conformari). Por conseqüência, assim como Cristo começou por receber, ao mesmo tempo que a graça, a passibilidade do corpo e, por sua paixão, chegou à glória da imortalidade, assim nós que somos seus membros fomos libertados por sua paixão de toda pena, mas de tal maneira que recebemos primeiro em nossa alma o Espírito dos filhos adotivos (Rm 8, 15), graças ao qual nos foi atribuída uma herança de glória imortal. Será somente depois, após ter sido configurados aos sofrimentos e à morte de Cristo (Fl 3, 10), que seremos conduzidos à glória imortal, conforme ao que diz o apóstolo (Rm 8, 17): Filhos de Deus e portanto herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, se pelo menos sofremos com ele para ser glorificados com ele.

(Suma Teológica III q.49 a.3)

 

Assim como somos configurados à sua morte [de Cristo] na medida em que morremos para o pecado, assim ele é morto para a vida mortal, na qual há a semelhança do pecado, mesmo que ele não tenha tido pecado. Assim todos nós que fomos batizados morremos para o pecado.

(In ad Romanos 6, 3, lect. 1, n. 473)

 

Para que alguém seja libertado eficazmente das penas [temporais], é preciso que se tenha feito participante da paixão de Cristo, o que se realiza de duas maneiras. Em primeiro lugar, pelo sacramento da paixão, o batismo, pelo qual [o batizado] é sepultado com Cristo na morte, segundo Romanos 6, 4, e no qual opera a virtude divina que não Leia mais deste post

Fragmentos: A providência e a criatura racional

Quando algum todo não é o último fim, mas se ordena para um fim ulterior, o fim da parte não é o todo, mas outra coisa. O conjunto das criaturas ao qual é referido o homem como a parte ao todo não é o último fim, mas se ordena para Deus, como para seu último fim. Por isso, o bem que representa o universo não é o último fim do homem, mas o próprio Deus.

(Suma Teológica I-II, q.2 a.8)

É manifesto que a divina providência se estende a todas as coisas. Deve-se, entretanto, observar que, entre todas as outras criaturas, existe um regime providencial particular para as criaturas intelectuais e racionais. Elas ultrapassam as outras tanto pela perfeição de sua natureza quanto pela dignidade de seu fim.

Pela perfeição de sua natureza, porque apenas a criatura racional tem o domínio de seus atos, determinando-se ela mesma à sua operação própria, enquanto as outras criaturas são muito mais movidas do que se movem a si mesmas … Pela dignidade de seu fim, porque apenas a criatura intelectual chega a alcançar o fim último do universo por sua operação, conhecendo e amando Deus; enquanto as outras criaturas não podem chegar a esse fim último a não ser por uma certa semelhança participada.

(Suma contra gentios III, 111 n. 2.855)

Apenas a criatura racional é conduzida por Deus em sua atividade, referindo-se não somente à espécie, mas ainda ao indivíduo … A criatura racional depende da divina Providência como governada e digna de atenção por ela mesma e não somente em vista da espécie.

(Suma contra gentios III, 113)

As criaturas menos nobres existem para as mais nobres; por exemplo, as criaturas inferiores ao homem existem para Leia mais deste post

Fragmentos: O crescimento espiritual da caridade

O crescimento espiritual da caridade pode ser comparado ao crescimento corporal humano. Ora, esse crescimento, embora possa distinguir-se em muitos graus, é suscetível de certas divisões bem determinadas, caracterizadas pelas atividades ou preocupações às quais o homem é conduzido durante seu crescimento. Assim, chama-se infância à idade da vida que precede o uso da razão. Em seguida, distingue-se um outro estado do homem, que corresponde ao momento em que ele começa a falar e usar a razão. Um terceiro estado é o da puberdade, quando o homem se torna capaz de gerar. E assim por diante até chegar à perfeição.

Do mesmo modo, os diversos graus da caridade distinguem-se pelos diversos esforços aos quais o homem é conduzido para o progresso da sua caridade. Primeiramente, sua principal preocupação deve ser afastar-se do pecado e resistir aos atrativos que o conduzem para o que é contrário à caridade. E isso é próprio dos incipientes, que devem alimentar e estimular a caridade para que ela se consolide. Depois, vem uma segunda preocupação, que leva o homem principalmente a progredir no bem. Tal preocupação é própria dos proficientes, que visam sobretudo fortalecer sua caridade, aumentando-a. Enfim, a terceira preocupação é que o homem se esforce principalmente por unir-se a Deus e fruir dele. E isso é próprio dos perfeitos, que “desejam morrer e estar com Cristo” (Fl 1, 23). Assim, no movimento corporal, distinguimos do mesmo modo: primeiro, o afastamento do ponto de partida; depois, a aproximação do termo; enfim, o repouso nele.

(Suma Teológica 2ª 2ae q.24 a.9)

Nós amamos Deus com todo o nosso coração, com todo o nosso espírito, com toda a nossa alma e com toda a nossa força se nada falta à caridade divina pela qual referimos tudo a Deus de maneira habitual ou atual (actu vel habitu). É essa perfeição que nos está prescrita.

Em primeiro lugar, é necessário que o homem refira tudo a Deus como a seu fim: Se comeis, e bebeis ou qualquer coisa que fazeis, fazei tudo para a glória de Deus (1Cor 10, 31). Isso se cumpre quando se consagra a sua vida ao serviço de Deus, de tal sorte que tudo o que se faz para si se encontra virtualmente ordenado para Deus, a menos que sejam atos que afastem de Deus, como o pecado.É assim que o homem ama Deus com todo o seu coração.

Em segundo lugar, é necessário que o homem submeta sua inteligência a Deus recebendo pela fé o que está divinamente inspirado: nós temos toda inteligência posta no serviço de Cristo (2Cor 10, 5). É assim que Deus é amado com todo o nosso espírito.

Em terceiro lugar, deve-se amar em Deus tudo o que se ama e referir ao amor de Deus todas as nossas afeições: se estamos fora dos sentidos, é por Deus; se somos sensatos, é por vós; é o amor de Cristo que nos impele (2 Cor 5, 13-14). É assim que Deus é amado com toda a nossa alma.

Em quarto lugar, deve-se amar a Deus de tal modo que todos nossos atos exteriores, nossas palavras e nossas ações, derivem da caridade: Que façais tudo na caridade (1Cor 16, 14). É assim que Deus á amado com toda a nossa força.

É, portanto, ao terceiro grau da caridade perfeita que todos são obrigados pela necessidade do mandamento [novo].

(De perfectione vitae spiritualis 6, Léon. T. 41, p. B 71)

Tomás de Aquino, Santo Tomás, teologia

Fragmentos: Bens temporais e bens espirituais

O homem é colocado entre as realidades deste mundo em que se desenvolve sua vida e os bens espirituais em que se encontra a bem-aventurança eterna, de tal modo que mais ele se inclina para um lado mais ele se afasta do outro, e reciprocamente. Lançar-se totalmente nas realidades terrestres a ponto de fazer delas o fim de sua existência, a razão e a regra de seus atos é se afastar totalmente dos bens espirituais. Os mandamentos proíbem tal desordem. Entretanto, para atingir esse fim não é necessário renunciar totalmente ao mundo, porque se pode chegar à bem-aventurança eterna utilizando os bens terrestres, com a condição de que não se faça deles o fim de sua existência. Mas quem renunciar inteiramente aos bens deste mundo chegará à bem-aventurança mais facilmente. É em vista disso que os conselhos são dados.

(ST 1ª 2ae q.108 a.4)

O homem é desapegado dos bens temporais pela virtude de tal maneira que ele aprende a usar deles com moderação; mas o dom lhe ensina a tê-los como totalmente negligenciáveis (totaliter ea contemnat). Por isso pode-se ouvir a primeira bem-aventurança (Mt 5, 3): “Bem-aventurados os pobres em espírito”, seja pelo desprezo das riquezas, seja pelo desprezo das honras, que se realiza pela humildade.

(ST 1ª 2ae q.69 a.3)

Comentário de Paulo VI: “O ponto central e como o pivô da solução que numa intuição profética e genial ele [Tomás] deu ao problema da confrontação nova entre a razão e a fé foi conciliar a secularidade do mundo e o radicalismo do Evangelho, escapando assim a esta tendência contra a natureza que nega o mundo e seus valores, sem faltar às exigências supremas e indeclináveis da ordem sobrenatural. Toda construção doutrinal de santo Tomás funda-se, com efeito, nesta regra de ouro que ele mesmo enunciou desde as primeiras páginas da Suma Teológica, segundo a qual ‘a graça não destrói a natureza, mas a aperfeiçoa’, e a natureza está subordinada à graça, a razão à fé, o amor à caridade” (Carta ao P. Vincent de Couesnongle, Mestre da Ordem dos Frades Pregadores, para o sétimo centenário da morte de Santo Tomás).

Tomás de Aquino, Santo Tomás, Suma Teológica

Fragmentos: Os benefícios de Cristo segundo sua humanidade

(o apóstolo mostra que Cristo não pode nem acusar nem condenar aqueles pelos quais derramou seu sangue [cf. Rm 8, 31-39]); ao contrário, ele concede aos santos grandes benefícios segundo sua humanidade e segundo sua divindade. Segundo sua humanidade, Paulo menciona quatro benefícios:

1. Sua morte por nossa salvação …

2. Sua ressurreição, pela qual nos dá a vida: vida espiritual sobre esta terra, vida corporal no mundo futuro … Sublinha a ressurreição (“Que digo eu? Ressuscitado”), porque na hora atual devemos fazer memória antes do poder da ressurreição do que da fraqueza da paixão.

3. Sua própria exaltação pelo Pai, quando diz “que está à direita de Deus”, isto é, numa situação de igualdade com Deus Pai segundo a natureza divina e em posse dos melhores bens segundo a natureza humana. E isso vale para nossa própria glória, porque assim diz o Apóstolo: “Com ele nos ressuscitou e nos fez sentar nos céus em Jesus Cristo” (Ef 2, 6). Uma vez que somos seus membros nos sentamos com ele em Deus Pai …

4. Sua intercessão por nós, quando diz: “Ele interpela por nós”, como se ele fosse nosso advogado. “Temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo” (1Jo 2, 1). Cabe ao advogado não acusar ou condenar, mas, ao contrário, repelir a acusação e impedir a condenação. Ele intercede por nós de duas maneiras. Primeira, rezando por nós … e sua prece por nós é sua vontade de nossa salvação: “Quero que lá onde estou eles também estejam comigo” (Jo 17, 24). A outra maneira de interceder por nós é apresentar ao olhar do Pai a humanidade que assumiu por nós e os mistérios que nela viveu: “Ele entrou no céu a fim de estar agora diante da face de Deus em nosso favor”.

(In ad Romanos 8, 33-34, lect. 7, n. 719-720)

Tomás de Aquino, Santo Tomás, Suma Teológica, (186)

Fragmentos: A Prudência

A prudência é a virtude mais necessária à vida humana, pois viver bem consiste em agir bem. Ora, para agir bem é preciso não só fazer alguma coisa, mas fazê-lo também do modo certo, ou seja, por uma escolha correta e não por impulso ou paixão. Como a escolha visa aos meios para se conseguir um fim, para ser correta exigem-se duas coisas: o fim devido (debitum finem) e os meios adequados a esse fim … Quanto aos meios adequados a esse fim, importa que o homem esteja diretamente disposto pelo habitus da razão, porque aconselhar e escolher, que são ações relacionadas com os meios, são atos da razão. É necessário, pois, haver na razão alguma virtude intelectual que a aperfeiçoe, para que proceda com acerto em relação aos meios. Essa virtude é a prudência, virtude portanto necessária para bem viver.

(Suma Teológica P I-II,q.57)

A virtude moral pode existir sem certas virtudes intelectuais, como a sabedoria, a ciência e a arte. Não porém sem o intelecto e a prudência. Sem a prudência, não pode haver realmente virtude moral, já que esta é um habitus “eletivo” (electivus), isto é, que faz escolhas certas. Ora, para uma boa escolha, duas coisas se exigem: primeiro, que haja a devida intenção do fim, o que se faz pela virtude moral, que inclina a potência apetitiva para o bem conveniente com a razão, que é o fim devido. Segundo, que se usem corretamente os meios, e isso só se alcança por uma razão que saiba aconselhar, julgar e decidir bem, o que é próprio da prudência e de virtudes a ela conexas. Logo, a virtude moral não pode existir sem a prudência.

Por conseqüência, também não poderá haver virtude moral sem o intelecto, pois é por ele que são conhecidos os princípios naturalmente evidentes, seja na ordem especulativa, seja na prática. Assim, da mesma forma que a razão reta, na ordem especulativa, enquanto procede de princípios naturalmente conhecidos, pressupõe o intelecto deles, assim também a prudência, que é a razão reta do agir (recta ratio agibilium).

(Suma Teológica P I-II, q. 58, a. 4)

No homem virtuoso, não é necessário que o uso da razão seja vigente sob todos os aspectos, mas só em relação ao que ele deve fazer virtuosamente. E assim o uso da razão é vigente em todos os virtuosos. Donde até aqueles que parecem simples, porque desprovidos da astúcia do mundo, podem ser prudentes, conforme a palavra do Evangelho de Mateus (10, 16): “Sede prudentes como a serpente e simples como as pombas”.

(Suma Teológica P I-II, q. 58, a. 4 ad 2)

Tomás de Aquino, Santo Tomás, Suma Teológica, teologia, filosofia, doutrina sagrada

Fragmentos: A amizade com Deus

O que é próprio, por excelência, da amizade é viver na intimidade de seu amigo. Ora, a amizade do homem com Deus se realiza na contemplação de Deus, segundo o apóstolo dizia aos Filipenses (3, 20): “Nossa cidade se encontra nos céus”. Se é o Espírito Santo que nos torna amigos de Deus, é normal que seja ele que nos constitua contemplativos de Deus. Por isso o Apóstolo diz ainda (2Cor 3, 18): “Quanto a nós todos que contemplamos a glória de Deus com o rosto descoberto, seremos transformados de claridade em claridade nesta mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor”.

É próprio da amizade alegrar-se com a presença de seu amigo, encontrar sua alegria em sua palavra e em seus gestos, procurar nele o conforto em todas as inquietações; também nos momentos de tristeza procuramos refúgio e consolação sobretudo perto dos amigos. Ora, acaba-se de dizer, é o Espírito Santo que nos constitui amigos de Deus e o faz habitar em nós e nós nele; é pois normal que seja pelo Espírito Santo que nos venha a alegria de Deus e a consolação diante de todas as adversidades e assaltos do mundo. O Salmo (50, 14) diz: “Dá-me a alegria de tua salvação e que teu Espírito generoso me confirme”. São Paulo (Rm 14, 17) afirma que “o Reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo” … e o Senhor fala do Espírito Santo como sendo o “Paráclito”, isto é, o Consolador (Jo 14, 26).

Outra propriedade da amizade é concordar sua vontade com a de seu amigo. Ora, a vontade de Deus nos é manifestada por seus mandamentos. Cabe, pois, ao amor que temos por Deus o cumprimento dos seus mandamentos: “se me amais, guardai meus mandamentos” (Jo 14, 15). Uma vez que é o Espírito Santo que nos faz de Deus, é ele ainda que nos impele, por assim dizer, a cumprir os mandamentos de Deus, segundo a palavra do Apóstolo (Rm 8, 14): “São filhos de Deus aqueles que são movidos pelo Espírito de Deus”.

Deve-se observar que os filhos de Deus não são movidos pelo Espírito Santo como os escravos, mas como homens livres. Se o homem livre é “aquele que é senhor de si mesmo” (Aristóteles), nós fazemos livremente o que realizamos por nós mesmos, isto é, por nossa vontade. O que faríamos contra nossa vontade não seria livremente, mas servilmente executado. O Espírito Santo, ao fazer de nós amigos de Deus, nos inclina a agir de tal modo que nossa ação seja voluntária. Filhos de Deus que somos, o Espírito Santo nos concede agir livremente, por amor, e não servilmente, por temos. É o que diz o apóstolo (Rm 8, 15): “Não é um espírito de servidão que recebestes, para viver de novo no temor, mas o Espírito de adoção dos filhos”.

(Suma contra os gentios IV 22, n. 3585-3588)

 

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Fragmentos: O Espírito que cria, move e governa

O amor pelo qual Deus ama sua própria bondade é a causa da criação das coisas… Ora, o Espírito Santo procede por modo de amor, do amor pelo qual Deus ama a si mesmo. O Espírito Santo é, portanto, o princípio da criação das coisas. É o que diz o Salmo (103, 30): “Envia teu Espírito, e elas serão criadas”.

O Espírito Santo procede por modo de amor, e o amor é dotado de certa força de impulsão e de movimento. É preciso, pois, atribuir como próprio ao Espírito Santo o movimento que Deus comunica às coisas. Santo Agostinho quer que se veja nas “águas” a matéria primeira sobre a qual o Espírito do Senhor se diz planar, não como sujeito, mas como princípio de movimento.

[Com efeito,] o governo das coisas por Deus deve se entender como certa moção segundo a qual Deus dirige e põe em movimento todos os seres em direção a seus fins próprios. Se, pois, o impulso e o movimento são, em razão do amor, fato do Espírito Santo, convém (convenienter) atribuir-lhe o governo e o desenvolvimento dos seres. Por isso se diz no Livro de Jó (33, 4): “É, o Espírito me fez”, e no Salmo (142, 10): “Teu Espírito bom me conduz sobre uma terra unida”. E, uma vez que governar sujeitos é o ato próprio de um senhor, convém (convenienter) atribuir a Senhoria ao Espírito Santo. “O Espírito é Senhor”, diz o Apóstolo (2Cor 3, 17); e igualmente o Símbolo: “o Espírito Santo é Senhor”.

É sobretudo o movimento que manifesta a vida… Se pois, em razão do amor, o impulso e o movimento pertencem ao Espírito Santo, convém atribuir-lhe a vida. “É o Espírito que dá a vida”, diz são João (6, 64); o mesmo Ezequiel (37, 6): “Eu vos darei o Espírito e vivereis”. E no Credo confessamos o Espírito “que dá a vida”. O que, aliás, é conforme ao próprio nome de Espírito (Spiritus = sopro): é o sopro vital espalhado desde o começo em todos os membros que assegura a vida corporal dos seres vivos.

(Suma contra os gentios 20, n. 3570-3574)

 

 

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Fragmentos: A comunhão dos Santos

Como num corpo natural a operação de um membro se volta para o bem de todo o corpo, acontece o mesmo no corpo espiritual que é a Igreja. E, como todos os fiéis formam um só corpo, o bem de um é comunicado ao outro. “Nós somos todos membros uns dos outros” (Rm 12, 5). Por isso, entre os artigos de fé que os apóstolos nos transmitiram existe aquele de uma comunhão de bens (communio bonorum) na Igreja; é o que se chama a comunhão dos Santos (communio sanctorum).

 

Entre os membros da Igreja, o membro principal é Cristo, porque ele é a sua cabeça. “Deus o deu por cabeça a toda a Igreja que é seu corpo” (Ef 1, 22-23). O bem de Cristo é, pois, comunicado a todos os cristãos, como a virtude da cabeça é comunicada a todos os membros; e essa comunicação se efetua pelos sacramentos da Igreja, nos quais opera a virtude da paixão de Cristo, que dá eficazmente a graça para a remissão dos pecados.

 

Deve-se ainda saber que não é somente a eficácia da paixão de Cristo que nos foi comunicada, mas também o mérito de sua vida. E todo o bem que fizeram todos os santos é comunicado àqueles que vivem na caridade porque todos são um: “Eu sou associado a todos aqueles que te temem” (Sl 118, 63). Por isso aquele que vive na caridade participa de todo o bem que se faz no mundo inteiro.

(Expositio in Symbolum, a. 10, ns. 987, 988, 997)

 

[Duas razões podem explicar a eficácia da oração por alguma outra pessoa; evidentemente deve-se querer rezar por essa pessoa, mas o que é primeiro] é a unidade da caridade, dado que todos os que vivem na caridade formam como um só corpo. Assim, o bem de um jorra sobre todos, à maneira pela qual a mão ou qualquer outro membro está a serviço do corpo inteiro. É assim que todo bem realizado por um vale para cada um daqueles que vivem na caridade, segundo a palavra do Salmo (118, 63): “Eu sou associado a todos aqueles que te temem e que guardam os teus mandamentos”.

(Quodlibet II q.7 a.2)

 

Fragmentos: Caminho, Verdade e Vida

El Greco, Cristo carregando a cruz, 1580

Cristo havia ensinado muitas coisas aos seus a respeito do Pai e do Filho, mas ignoravam que é para o Pai que ele ia e que o Filho era o caminho pelo qual ele iria. É difícil com efeito ir ao Pai. Nada de admirável se eles o ignoravam! Porque, se Cristo em sua humanidade lhes era conhecido, não conheciam a não ser imperfeitamente sua divindade…

Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, responde Jesus. De repente, ele lhes revela o caminho e o termo do caminho… O caminho, nós já vimos, é Cristo. Isso se compreende porque é por ele que temos acesso ao Pai (Ef 2, 18) … Mas esse caminho não está afastado de seu termo, ele o toca; eis por que Cristo acrescenta: A Verdade e a Vida; ele é ao mesmo tempo uma e outra coisa: o caminho segundo sua humanidade; o termo segundo sua divindade…

O termo desse caminho é o fim de todo desejo humano. O homem deseja duas coisas sobretudo; uma que lhe é própria: conhecer a verdade; a outra que ele partilha com tudo o que existe: permanecer na existência. Ora, Cristo é a via para chegar à verdade, uma vez que ele é a Verdade…; ele é também a via para chegar à vida, uma vez que ele é a Vida … Assim, pois, Cristo é designado como via e como o termo; é o termo porque é por si mesmo tudo o que pode ser objeto de desejo: a Verdade e a Vida.

Se, pois, procuras a via, passa por Cristo: ele é o Caminho. Isaías (30, 21) profetizava: “é o caminho, segui-o”. Como diz santo Agostinho: “Passa pelo homem para chegar a deus”. “Mais vale claudicar no caminho do que se afastar firmemente para o lado”. Ainda que não avance rápido, aquele que duvida no bom caminho se aproxima do fim; aquele que caminha fora da via se afasta tanto mais quanto mais rapidamente corre.

Se procuras aonde ir, apega-te a Cristo: ele é a Verdade que todos desejamos alcançar … Se procuras onde te repousar, apega-te a Cristo, porque ele é a Vida … Apega-te, pois, a Cristo se queres estar em segurança; não poderás desviar porque ele é a via. Aqueles que se apegam a ele não caminham no deserto mas num caminho bem traçado … Igualmente, não poderás ser enganado porque é a verdade e ensina toda a verdade … Nem mesmo poderás ser perturbado, porque é a vida e dá a vida … Como repete santo Agostinho, quando o Senhor diz: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, é como se dissesse: Por onde queres ir? Eu sou o Caminho. Aonde queres ir? Eu sou a Verdade. Onde queres estar? Eu sou a Vida.

 

In Ioannem 14,6, lect. 2-3, n. 1.865-1.870