Tomás responde: Deus se encarnou mais para remédio dos pecados atuais do que para remédio do pecado original?

Schnorr_von_Carolsfeld_Adao_Eva_ExpulsosJulius Schnorr von Carolsfeld (1794–1872), Adão e Eva expulsos do Paraíso (1851-1860)

Parece que Deus se encarnou mais para remédio dos pecados atuais do que pra remédio do pecado original:

  1. Com efeito, quanto mais é grave um pecado, tanto mais se opõe à salvação humana, para a qual Deus se encarnou. Ora, o pecado atual é mais grave do que o pecado original; pois, como Agostinho diz, ao pecado original se deve um castigo mínimo. Logo, a encarnação de Cristo ordena-se principalmente a apagar os pecados atuais.
  2. Além disso, ao pecado original não se deve a pena dos sentidos, mas somente a pena do dano, como acima foi estabelecido. Ora, Cristo veio sofrer a pena dos sentidos na cruz para satisfação dos pecados, mas não a pena do dano, pois não sofreu nenhuma diminuição da visão e fruição divinas. Logo, veio sobretudo para apagar o pecado atual mais do que o original.
  3. Ademais, diz Crisóstomo: “Este é o sentimento do servo fiel, a saber, considerar como concedidos somente a si os benefícios de seu senhor que são concedidos a todos. Como se falasse apenas de si, escreve Paulo aos Gálatas: ‘Amou-me e se entregou por mim’ (2, 20)”. Ora, os nossos próprios pecados são pecados atuais e, com efeito, o pecado original é um pecado comum. Logo, devemos sentir de tal modo que julguemos ter ele vindo por causa dos pecados atuais.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Evangelho de João diz: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (1, 29).

tomas_respondoÉ certo que Cristo veio a esse mundo não só para apagar o pecado transmitido originalmente aos apóstolos, mas também para apagar todos os pecados que depois foram acrescentados. Não que todos efetivamente sejam apagados, em razão da deficiência dos homens que não aderem a Cristo, conforme o que diz o Evangelho de João: “A luz veio ao mundo e os homens preferiram as trevas à luz” (3, 19), mas porque ele realizou o que foi suficiente para apagar todos os pecados. Assim é dito na Carta aos Romanos: “Não acontece com o dom o mesmo que com a falta; pois, o julgamento de um só pecado terminou em condenação, enquanto a graça aplicada a numerosos pecados terminou em justificação” (5, 15-16).

Quanto maior é o pecado, com tanto maior razão Cristo veio para apagá-lo. Ora, algo se diz maior de duas maneiras: ou intensivamente, e assim é maior a brancura que é mais intensa. E desse modo o pecado atual é maior do que o original, porque participa mais da natureza do voluntário, como já foi dito na II Parte. De outra maneira, algo é dito maior extensivamente: como maior é a brancura que está numa superfície mais ampla. E desse modo o pecado original, pelo qual todo o gênero humano é atingido, é maior do que qualquer pecado atual próprio de uma pessoa singular. Sob esse aspecto, Cristo veio principalmente para apagar o pecado original: porque “o bem do povo é mais divino do que o de um só”, como se diz no livro I da Ética. Leia mais deste post

Tomás responde: A morte e outras deficiências corporais são efeitos do pecado?

Parece que a morte e outras deficiências corporais não são efeitos do pecado:

  1. Com efeito, se a causa for igual, o efeito também será igual. Ora, estas deficiências não existem igualmente em todos, são mais abundantes em alguns, enquanto que o pecado original é igual em todos. É dele que estas deficiências parecem ser principalmente efeito. Portanto, elas não são efeitos do pecado.
  2. Além disso, removida a causa remove-se o efeito. Ora, removido todo pecado pelo batismo ou pela penitência não se removem tais efeitos. Logo eles não são efeitos do pecado.
  3. Ademais, há mais razão de culpa no pecado atual do que no pecado original. Ora, o pecado atual não muda em deficiências a natureza do corpo. Logo, muito menos o pecado original. Assim, a morte e outras deficiências do corpo não são efeitos do pecado.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Apóstolo diz: “Por um só homem o pecado entrou neste mundo, e pelo pecado a morte”.

tomas_respondoUma coisa é causa de outra de duas maneiras: por si, ou por acidente. Ela é por si causa de uma outra quando é em virtude de sua natureza ou de sua forma que ela produz o efeito, donde se segue que o efeito é procurado por si pela causa. Portanto, como a morte e as tais deficiências estão fora da intenção do pecador, é claro que o pecado não é por si a causa dessas deficiências.

Acidentalmente uma coisa é causa de uma outra se ela remove o obstáculo. “Quem arranca a coluna, diz o livro VIII da Física, acidentalmente remove a pedra sobreposta”. É desta maneira que o pecado do primeiro pai é causa da morte e de todas as deficiências na natureza humana. Eis como: o pecado do primeiro pai suprimiu a justiça original, pela qual não somente as potências inferiores da alma estavam contidas sob a razão sem qualquer desordem, mas todo o corpo estava contido sob a alma sem nenhuma deficiência, como foi dito na I parte. Uma vez suprimida esta justiça original pelo pecado do primeiro pai, assim como a natureza humana foi ferida, quanto à alma, pela desordem das potências, assim também se tornou corruptível pela desordem do mesmo corpo. Leia mais deste post

Tomás responde: É lícito julgar?

Michelangelo_-_Fresco_of_the_Last_JudgementMichelangelo Buonarroti, O Último Julgamento (entre 1537 e 1541), Capela Sistina

Parece que não é lícito julgar:

1. Com efeito, só se inflige castigo a uma ação ilícita. Ora, os que julgam são ameaçados de um castigo, de que está isento quem não julga, como diz o Evangelho: “Não julgueis, se não quereis ser julgados” (Mt 72, 1). Logo, julgar é ilícito.

2. Além disso, diz também a Escritura: “Quem és tu para julgar o servo alheio? Só depende de seu senhor que ele caia ou fique de pé” (Rm 14, 4). Ora, o Senhor de todos é Deus Logo, a nenhum homem é lícito julgar.

3. Ademais, ninguém é sem pecado: “Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos”, diz João (I Jo 1, 8). Ora, não é permitido ao pecador julgar, segundo o testemunho da Carta aos Romanos: “Quem quer que sejas, és inescusável, ó homem que julgas. Pois, naquilo que julgas os outros a ti mesmo te condenas, praticando aquilo que julgas” (2, 1). Logo, a ninguém é lícito julgar.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, está escrito no Deuteronômio: “Estabelecerás juízes e magistrados em todas as tuas portas, para que julguem o povo com justiça” (16, 18).

Tomas_RespondoO julgamento é lícito na medida em que é um ato de justiça. Ora, como já se explicou, para que o julgamento seja um ato de justiça, se requerem três condições: 1º que proceda de uma inclinação vindo da justiça; 2º que emane da autoridade competente; 3º que seja proferido segundo a reta norma da prudência. A falta de qualquer desses requisitos torna o juízo vicioso e ilícito. Assim, em primeiro lugar, se vai contra a retidão da justiça, é perverso e injusto. Em seguida, se alguém julga sem autoridade, o juízo será usurpado. Enfim, se carece da certeza, quando, por exemplo, se julga de coisas duvidosas e obscuras, apoiando-se em simples conjecturas, o juízo será qualificado de suspeito e temerário.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. No lugar citado, o Senhor proíbe o juízo temerário, tendo por objeto as intenções secretas do coração ou outros domínios incertos, como diz Agostinho. Ou então, interdiz que se julgue das coisas divinas, pois estando acima de nós, não as devemos julgar mas crer nelas simplesmente, assim o explica Hilário. Ou condena todo julgamento inspirado não pela benevolência, mas pelo ressentimento amargo. Tal é a interpretação de Crisóstomo. Leia mais deste post

Tomás responde: A bem-aventurança do homem consiste no prazer?

Gerard_van_Honthorst_-_The_Happy_Violinist_with_a_Glass_of_WineGerard van Honthorst (1590-1656), O violinista alegre com um copo de vinho (1624)

Parece que a beatitude do homem consiste no prazer:
 
1. Pois a beatitude, sendo o fim último, não é desejada por outra coisa, senão as outras por ela. Ora, tal se dá sobretudo, com o prazer; porquanto, como diz Aristóteles, é ridículo perguntar a alguém porque quer deleitar-se1. Logo, a beatitude consiste principalmente no prazer e nos deleites.
 
2. Além disso,  a causa primeira produz impressão mais veemente que a segunda, como se diz no livro Das Causas. Ora, a influência do fim é relativa ao desejo do mesmo. Por onde, tem a natureza de fim último o que move principalmente o desejo; e tal é o prazer. E a prova é que o deleite absorve a vontade e a razão do homem a ponto de fazer desprezar os outros bens. Donde se conclui que o fim último do homem, que é a beatitude, consiste sobretudo no prazer.
 
3. Ademais, como o desejo busca o bem, o que todos desejam há de ser ótimo. Ora, todos, sábios, insipientes e mesmo os irracionais, buscam o deleite. Logo, este é ótimo, e portanto no prazer consiste a beatitude, sumo bem.
 
EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz Boécio: Que são tristes as conseqüências dos prazeres, sabem-no todos os que querem lembrar-se das suas sensualidades; pois, se estas pudessem fazer os felizes, nenhuma razão haveria para que também os brutos não fossem considerados tais.
 
Tomas_RespondoPor serem as mais conhecidas de todas, as deleitações corpóreas receberam o nome de prazer, como diz Aristóteles3, embora haja outros prazeres mais fortes, nos quais todavia não consiste principalmente a beatitude. Pois, uma coisa é o pertencente à essência de um ser, e outra o seu acidente próprio; assim, uma coisa é ser o homem animal racional e outra, um animal que ri. Ora, devemos considerar que toda deleitação é um acidente próprio que acompanha a beatitude, ou alguma parte dela. Pois, deleita-se quem tem algum bem a si conveniente, na realidade, em esperança ou, pelo menos, na memória. Ora, o bem conveniente perfeito é a beatitude mesma do homem; o imperfeito é uma participação próxima, remota ou, pelo menos, aparente da beatitude. Por onde, é manifesto que nem ainda a deleitação resultante do bem perfeito é a essência mesma da beatitude, mas algo que dela procede, como acidentalmente.
 
Ora, do prazer corpóreo não pode, mesmo do modo já referido, resultar o bem perfeito; pois, resulta do bem apreendido pelo sentido, virtude da alma que se serve do corpo. Ora, o bem pertencente ao corpo e apreendido pelo sentido não pode ser o bem perfeito do homem. Pois, a alma racional, excedendo a capacidade da matéria corpórea, a parte da alma independente do órgão corpóreo tem uma certa Leia mais deste post

Tomás responde: Cristo, após a ressurreição, deveria conviver continuamente com os discípulos?

Tintoretto_Noli_me_tangereJacopo Tintoretto, Noli Me Tangere

Parece que Cristo, após a ressurreição, deveria conviver continuamente com os discípulos:

1. Na verdade, ele apareceu aos discípulos após a ressurreição para os confirmar na fé da ressurreição e para levar a consolação aos confundidos, conforme diz o Evangelho de João: “Vendo o Senhor, os discípulos ficaram tomados de intensa alegria”. Ora, teriam maior confirmação na fé e maior consolo se continuamente tivesse se  apresentado diante deles. Logo, parece que deveria ter convivido continuamente com eles.

2. Além disso, ao ressuscitar dos mortos, Cristo não subiu logo aos céus, mas depois de quarenta dias, segundo o livro dos Atos dos Apóstolos. Ora, naquele intervalo de tempo, não poderia ter nenhum outro lugar mais conveniente para estar do que entre seus discípulos reunidos. Logo, parece que deveria ter convivido continuamente com eles.

3. Ademais, lê-se que no próprio domingo da ressurreição Cristo apareceu cinco vezes, como diz Agostinho: primeiro, “às mulheres junto ao sepulcro; depois, no caminho, quando voltavam do sepulcro; terceiro, a Pedro; quarto, aos dois discípulos a caminho de uma aldeia; quanto, a diversas pessoas em Jerusalém, quando Tomé não estava presente”. Portanto, parece que também nos demais dias antes de sua ascensão ele deveria ter aparecido pelo menos algumas vezes.

4. Ademais, o Senhor dissera aos discípulos antes de sua paixão: “Depois de ressuscitado, eu vos precederei na Galiléia”. O mesmo que disseram às mulheres o anjo e o próprio Senhor após a ressurreição. Contudo, foi visto por eles, antes, em Jerusalém, tanto no próprio dia da ressurreição, conforme dito acima, como também no oitavo dia, segundo se lê no Evangelho de João. Portanto, parece que, após a ressurreição, não conviveu com os discípulos como seria conveniente.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz João que “oito dias mais tarde” Cristo apareceu aos discípulos. Portanto, não convivia com eles continuamente.

Tomas_RespondoA respeito da ressurreição, duas coisas deviam ser declaradas aos discípulos, ou seja, a realidade mesma da ressurreição e a glória do ressuscitado. Ora, para manifestar a realidade da ressurreição, era suficiente que lhes aparecesse algumas vezes, quando com eles conversou em tom familiar, com eles comeu e bebeu e quando permitiu que eles o tocassem. Mas, para manifestar a glória do ressuscitado, não quis conviver continuamente com os discípulos, como fizera antes, para que não parecesse ter ressuscitado para uma vida igual à que tivera antes. Por isso, lhes diz: “Eis as palavras que eu vos dirigi quando ainda estava convosco”. Ora, nessa ocasião, estava presente entre eles de modo corporal; anteriormente, porém, estivera com eles não apenas com sua presença corporal, mas também na aparência de um mortal. Por isso, diz Beda, ao comentar as supracitadas palavras: “Quando ainda estava convosco, ou seja, quando ainda estava na carne mortal, na qual vós ainda estais. Mas agora ressuscitara com a mesma carne que eles, mas não era mais igualmente mortal”.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. A frequente aparição de Cristo era suficiente para confirmar os discípulos a respeito da realidade da ressurreição. Já uma contínua convivência poderia Leia mais deste post

Tomás responde: A ressurreição de Cristo deveria ser manifestada a todos?

El_Greco_A_RessurreicaoEl Greco (1541-1614), A Ressurreição (entre 1596-1600), Museu do Prado, Madrid

Parece que a ressurreição de Cristo deveria ser manifestada a todos:

1. Na verdade, assim como um pecado público merece uma pena pública, conforme diz a primeira Carta a Tito: “àqueles que pecam, repreende-os diante de todos”, também um mérito público merece um prêmio público. Ora, “a claridade da ressurreição é o prêmio das humilhações da paixão”, como diz Agostinho. Logo, como a paixão de Cristo foi manifestada a todos, tendo ele sofrido publicamente, parece que a glória de sua ressurreição deveria ter sido manifestada a todos.

2. Além disso, assim como a paixão de Cristo tem por meta a nossa salvação, também a sua ressurreição, como diz a Carta aos Romanos: “Ressuscitou para nossa justificação”. Ora, o que é útil a todos deve ser de conhecimento de todos. Logo, a ressurreição de Cristo devia ser manifestada a todos, e não a alguns em especial.

3. Ademais, aqueles a quem a ressurreição foi manifestada foram testemunhas da ressurreição, por isso se diz no livro dos Atos dos Apóstolos: “Deus o ressuscitou dos mortos, disso nós somos testemunhas”. Ora, o testemunho, eles o davam ao pregar em público. O que não é apropriado às mulheres, conforme diz a primeira Carta aos Coríntios: “As mulheres calem-se nas assembléias  e a primeira Carta a Tito: “Não permito à mulher que ensine”. Logo, parece que não foi conveniente a ressurreição de Cristo ter sido manifestada primeiro às mulheres e só depois aos homens em geral.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o livros dos Atos dos Apóstolos: “Deus o ressuscitou ao terceiro dia e lhe concedeu manifestar a sua presença, não ao povo em geral, mas a testemunhas designadas de antemão por Deus”.

Tomas_Respondo

De todas as coisas que se conhece, parte se sabe pela lei geral da natureza, parte por especial favor da graça, como o que é revelado por Deus. Sobre essas, a lei instituída por Deus, como diz Dionísio, é que sejam reveladas por Deus imediatamente aos superiores, por meio dos quais são passadas aos inferiores, como é claro na ordem dos espíritos celestes. As que se referem, porém, à futura glória excedem o conhecimento comum dos homens, conforme o que diz Isaías: “Nunca o olho viu, ó Deus, sem igual, o que preparaste para os que te amam”. Portanto, há coisas que não são do conhecimento dos homens, a menos que Deus os revele, como diz a primeira Carta aos Coríntios: “Foi a nós que Deus revelou por seu Espírito”. E porque Cristo ressuscitou de modo glorioso, sua ressurreição não foi manifestada a todos, mas a alguns, mediante cujo testemunho ela chegaria ao conhecimento dos demais.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. A paixão de Cristo se deu num corpo que tinha ainda uma natureza passível, que pela lei geral é de conhecimento de todos. Portanto, a paixão de Cristo pôde ser imediatamente conhecida por todos. Já a ressurreição de Cristo se deu Leia mais deste post

Tomás responde: A ignorância diminui o pecado?

Antonio Canova (1757-1822), Insegnare agli ignoranti (1795)

Parece que a ignorância não diminui o pecado:

1. Com efeito, o que é comum a todo pecado não diminui o pecado. Ora, a ignorância é comum a todo pecado. O Filósofo diz que “todo mau é ignorante”. Logo, a ignorância não diminui o pecado.

2. Além disso, um pecado acrescentado a um pecado faz um pecado maior. Ora, a ignorância, foi dito (q.76, a.2), é um pecado. Logo, não diminui o pecado.

3. Ademais, a mesma coisa que agrava o pecado não o diminui. Ora, a ignorância agrava o pecado, pois Ambrósio retomando a palavra do Apóstolo “Ignoras que a bondade de Deus…” afirma: “Pecas de maneira grave, se ignoras”. Logo, a ignorância não diminui o pecado.

4. Ademais, se alguma ignorância diminui o pecado, isso aparece sobretudo naquela que tolhe totalmente o uso da razão. Ora, tal ignorância não diminui o pecado, mas o aumenta, pois, o Filósofo diz que “o ébrio merece uma dupla punição”. Logo, a ignorância não diminui o pecado.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, tudo o que é razão para a remissão do pecado é assim, segundo a primeira Carta a Timóteo (1, 13): “Obtive misericórdia porque não sabia o que eu fazia”. Portanto, a ignorância diminui ou alivia o pecado.

Todo pecado é voluntário. A ignorância diminui o pecado na medida em que diminui o voluntário. Se não diminuir o voluntário, de modo algum diminuirá o pecado. Claro está que a ignorância que escusa totalmente o pecado, porque tolhe totalmente o voluntário, não diminui o pecado, mas o apaga completamente. A ignorância que não é causa do pecado, mas lhe é concomitante, nem diminui e nem aumenta o pecado. Assim, a ignorância que pode diminuir o pecado é somente aquela que é causa do pecado e contudo não escusa totalmente o pecado.

Às vezes acontece que tal ignorância é voluntária diretamente e por si, como quando alguém de propósito ignora algo para pecar mais livremente. Tal ignorância faz crescer, parece, o voluntário e o pecado. Se alguém, com efeito, quer, para dar-se a liberdade de pecar, sofrer o dano da ignorância, isso provém da intensidade da vontade de pecar. Mas, por vezes, a ignorância causa do pecado, é querida só indiretamente ou acidentalmente, como acontece com aquele que é ignorante por não ter querido trabalhar durante seus estudos, ou com aquele que se inebria e se torna indiscreto por ter tomado muito vinho. Essa ignorância diminui o voluntário, e por consequência, o pecado. Com efeito, quando alguma coisa não é Leia mais deste post

Tomás responde: A esperança é abundante nos jovens e nos ébrios?

Diego Velázquez, Os Bêbados ou O Triunfo de Baco (1629), Museu do Prado, Madrid

Parece que a juventude e a embriaguez não são causa de esperança:

1. Com efeito, a esperança implica certeza e firmeza, por isso é comparada a uma âncora, na Carta aos Hebreus. Ora, os jovens e os ébrios carecem de firmeza, pois têm o espírito facilmente mutável. Logo, a juventude e a embriaguez não são causa de esperança.

2. Além disso, o que aumenta o poder é sobretudo causa de esperança, como acima foi dito (art. precedente). Ora, a juventude e a embriaguez são acompanhadas de uma certa fraqueza. Logo, não são causa de esperança.

3. Ademais, como se disse, a experiência é causa de esperança. Ora, falta aos jovens a experiência. Logo, juventude não é causa de esperança.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Filósofo diz no livro III da Ética: “Os bêbados são cheios de esperança”. E no livro II da Retórica: “os jovens têm boa esperança”.

A juventude é causa de esperança por três motivos, como diz o Filósofo no livro II da Retórica. Esses três motivos podem tomar-se segundo três condições do bem, objeto da esperança: que seja futuro, árduo e possível, como foi dito (art. 1). Com efeito, os jovens têm muito futuro e pouco passado: e assim como a memória é do passado e a esperança do futuro, eles têm pouca memória e vivem de muita esperança. Além disso, os jovens, por terem a natureza quente, têm muitos “espíritos”, e neles o coração se amplia. Por ter o coração dilatado é que se tende para as coisas difíceis. Por isso os jovens são animosos e têm boa esperança. Igualmente, quem não sofreu rejeição nem experimentou obstáculos em suas tentativas, julga facilmente que as coisas são possíveis. Por isso os jovens, pela falta de experiência dos obstáculos e das deficiências, facilmente julgam que as coisas lhes são possíveis. E por isso têm boa esperança.

Duas destas coisas se encontram nos ébrios: o calor e a multiplicação dos espíritos, por causa do vinho; e também a irreflexão sobre os perigos e as deficiências. Pela mesma razão também todos os estúpidos e os estouvados se atrevem a Leia mais deste post

Tomás responde: A todos os homens são delegados anjos para guardá-los?

Pietro da Cortona (1596-1669), Anjo da Guarda (1656), Roma

Parece que a todos os homens não são delegados anjos para guarda-los:

1. Com efeito, diz-se de Cristo na Carta aos Filipenses: que se “fez semelhante aos homens e por seu aspecto foi reconhecido como homem” (2, 7). Se, pois, a todos os homens são delegados anjos para guarda-los, também o Cristo deveria ter o seu. Ora, isso seria pouco conveniente, pois Cristo é maior do que todos os anjos. Logo, os anjos não são delegados a todos os homens.

2. Além disso, Adão foi o primeiro entre os homens. Ora, não lhe cabia ter um anjo da guarda, pelo menos no estado de inocência, pois não era ameaçado por nenhum perigo. Logo, os anjos não são dados a todos como guardas.

3. Ademais, os anjos são delegados à guarda dos homens para conduzi-los à vida eterna, incitá-los à prática do bem e defende-los contra os ataques do demônio. Ora, aqueles que são predestinados à condenação jamais chegarão à vida eterna. Os infiéis, por sua vez, mesmo que por vezes façam boas obras, não as fazem devidamente, por falta de reta intenção, pois no dizer de Agostinho “a fé dirige a intenção”. Enfim, a vinda do Anticristo será por operação de Satanás como diz a segunda Carta aos Tessalonicenses. Logo, não é a todos os homens que os anjos são delegados para guarda-los.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, está o texto de Jerônimo acima aduzido que diz: “Cada alma tem um anjo delegado para sua guarda”.

O homem, na vida presente, encontra-se em uma espécie de caminho que deve tender para a pátria. Nesse caminho são muitos os perigos que o ameaçam, dentro e fora: “No caminho pelo qual eu ando, armaram-me uma cilada”, diz o Salmo 142. Por isso, aos homens que andam por caminhos não seguros são dados guardas. Assim também a cada homem em sua peregrinação terrestre é delegado um anjo para sua guarda. Quando chegar ao termo da vida, já não terá tal anjo; mas no céu terá um anjo reinando com ele, e no inferno terá um demônio para puni-lo.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. O Cristo como homem era dirigido imediatamente pelo Verbo de Deus, não precisando por isso da guarda dos anjos. Em sua alma era bem-aventurado, mas em razão de seu corpo ainda passível estava na vida presente. Mesmo assim, não era de um anjo da guarda que necessitava, mas de um anjo que o servisse como inferior. Daí que se diz no Evangelho de Mateus: “Aproximaram-se anjos e o serviam” (4,11).

2. O homem no estado de inocência não corria nenhum perigo vindo de dentro, pois tudo estava Leia mais deste post

Tomás responde: A bem-aventurança do homem consiste nas honras?

Leon Marie Dansaert (1830-1909), O Duelo

Parece que a bem-aventurança do homem consiste nas honras:

1. Com efeito, como diz o Filósofo no livro I da Ética: “A bem-aventurança ou felicidade é o prêmio da virtude”. Ora, a honra parece ser o máximo prêmio da virtude, como diz o Filósofo no livro IV da Ética. Logo, a bem-aventurança consiste sobretudo na honra.

2. Além disso, o que convém a Deus e aos mais excelentes parece ser sobretudo a bem-aventurança, que é o bem perfeito. Ora, o Filósofo diz no livro IV da Ética que isto é a honra, e o Apóstolo na primeira Carta a Tito também diz: “Só a Deus a honra e a glória” 1, 17). Logo, a bem-aventurança consiste na honra.

3. Ademais, a bem-aventurança é o que sobretudo desejam os homens. Ora, nada parece ser mais desejado pelos homens do que a honra, porque os homens suportam perder todas as outras coisas, mas não suportam algum detrimento de sua honra. Logo, a bem-aventurança consiste na honra.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, a bem-aventurança está no bem-aventurado. A honra não está naquele que é honrado, porém mais naquele que honra, que reverencia o honrado, como diz o Filósofo no livro I da Ética. Logo, a bem-aventurança não consiste na honra.

É impossível que a bem-aventurança consista na honra. A honra é prestada a alguém devido alguma sua excelência: e assim, é um sinal e testemunho daquela excelência que está no honrado. Ora, a excelência do homem considera-se sobretudo segundo a bem-aventurança, que é o bem perfeito do homem, e segundo as suas partes, ou seja, segundo aqueles bens que participam de algo da bem-aventurança. Por isso, pode ela acompanhar a bem-aventurança, mas nela não pode principalmente consistir a bem-aventurança.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Como o Filósofo diz no mesmo lugar, a honra não é prêmio da virtude em razão da qual as pessoas de virtude agem, mas eles recebem dos homens a honra como prêmio, como se não houvesse coisa alguma melhor para dar. O verdadeiro prêmio da virtude é a bem-aventurança, em vista da qual os virtuosos agem. Se agem por causa da honra, já não será virtude, mas Leia mais deste post

Tomás responde: A penitência é uma virtude?

El Greco (1541-1614), Maria Madalena penitente, Museu de Belas Artes de Budapeste, Hungria

Parece que a penitência não é uma virtude:

1. Com efeito, a penitência é um sacramento. Ora, nenhum outro sacramento é uma virtude. Logo, nem a penitência é uma virtude.

2. Além disso, o Filósofo ensina que a vergonha não é uma virtude, seja porque ela é uma paixão implicando uma mutação corporal, seja porque não é uma “disposição de um ser perfeito”, já que diz respeito a um ato torpe, que não tem lugar em homem virtuoso. Ora, de igual modo, a penitência é uma certa paixão que implica mutação corporal, a saber, o choro, como diz Gregório: “Fazer penitência é chorar os pecados passados”. Trata-se de feitos torpes, isto é, de pecados, que não têm lugar em homem virtuoso. Logo, a penitência não é uma virtude.

3. Ademais, o mesmo Filósofo observa que “entre os virtuosos não há nenhum estulto”. Ora, parece estulto fazer penitência de falta passada, que já não pode deixar de ter existido. E isto pertence à penitência. Logo, a penitência não é uma virtude.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, os preceitos da lei versam sobre atos de virtude, já que “o legislador se propõe fazer virtuosos os cidadãos”, como ensina Aristóteles. Ora, há um preceito da lei divina sobre a penitência, como o Evangelho de Mateus: “Fazei penitência” (3,2), etc. Logo, a penitência é uma virtude.

Fazer penitência é doer-se de algo cometido anteriormente. Já se viu também que a dor ou a tristeza pode ser considerada de duas maneiras. 1ª. Enquanto é uma paixão do apetite sensitivo. E sob este aspecto, a penitência não é uma virtude, mas uma paixão. 2ª. Enquanto é um ato da vontade. Nesse caso, ela implica certa escolha. E se esta é feita de maneira reta, pressupõe que seja um ato de virtude. Diz Aristóteles que a virtude é “um hábito de escolher conforme a reta razão”. Pertence, porém, à reta razão que alguém se doa daquilo de que se deve doer. E isso acontece na penitência, de que agora se trata. Pois, o penitente assume uma dor moderada dos pecados passados, com a intenção de afastá-los. Daí se segue que é claro ser a penitência, de que agora falamos, uma virtude ou ato de virtude.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. No sacramento da penitência, os atos humanos ocupam o lugar da matéria, o que não acontece no batismo nem na confirmação. Por esta razão, sendo a virtude o princípio de determinado ato, então a penitência é uma virtude, ou acompanhada de uma virtude, mais que Leia mais deste post

Tomás responde: Tudo o que Deus faz fora da ordem natural das coisas é milagre?

Jacopo Tintoretto (1518-1594), Santo Agostinho curando os aleijados (1550)

Parece que nem tudo o que Deus faz fora da ordem natural das coisas é milagre:

1. Com efeito, a criação do mundo, das almas e a justificação dos ímpios, Deus as faz fora da ordem natural, porque não são feitas pela ação de uma causa natural. No entanto, não se diz que são milagres. Logo, nem tudo o que faz fora da ordem natural das coisas é milagre.

2. Além disso, considera-se milagre algo difícil e insólito, que ultrapassa os poderes da natureza e a esperança de quem o admira. Ora, há coisas que se fazem fora da ordem natural e que não são difíceis. Acontecem nas mínimas coisas como na restauração de jóias, ou na cura dos doentes. Outras coisas não são insólitas porquanto acontecem com certa frequência: por exemplo, os doentes que eram deixados nas praças para serem curados pela sombra de Pedro. Há ainda outras que não estão acima dos poderes da natureza, como a cura das febres. Outras que não estão acima da esperança: todos nós esperamos a ressurreição dos mortos, que no entanto acontecerá fora da ordem natural. Logo, nem tudo o que se faz fora da ordem da natureza é milagre.

3. Ademais, a palavra milagre toma-se de admiração. Ora, a admiração se refere a coisas que se manifestam aos sentidos. Ocorrem, porém, às vezes, fora da ordem natural, algumas coisas não perceptíveis aos sentidos. Por exemplo, quando os apóstolos ficaram repletos de ciência sem a terem procurado nem aprendido. Por conseguinte, nem tudo o que se faz fora da ordem natural é milagre.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz Agostinho: “Quando Deus faz alguma coisa fora do curso conhecido e habitual da natureza, nós dizemos que é grandioso e admirável”.

A palavra milagre toma-se de admiração. A admiração se dá quando os efeitos são manifestos e a causa, oculta. Por exemplo, uma pessoa admira quando vê um eclipse do sol, mas ignora a causa, como se diz no início do livro da Metafísica. Ora, a causa de um efeito aparente pode ser conhecida de alguns e ignorada por outros; portanto, isso pode parecer admirável para uns e para outros não: o rude admira o eclipse do sol; o astrônomo, não. Chama-se, pois, milagre o que é cheio de admiração, no sentido de que a causa fica absolutamente oculta para todos. Esta causa é Deus. Portanto, as coisas feitas por Deus fora das causas por nós conhecidas são chamadas de milagres.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. A criação e a justificação do ímpio, embora só Deus as possa fazer, não são no entanto chamadas propriamente milagres. Porque, por sua natureza, não são feitas por outras causas, e assim não acontecem fora da ordem natural. Na realidade, não pertencem a essa ordem.

2. O milagre é difícil, não em razão da dignidade da coisa em que se faz, mas porque ultrapassa o Leia mais deste post

Tomás responde: Um milagre é maior que outro?

Pedro Berruguete (1450-1504), Milagre de S. Domingos de Gusmão frente aos albigenses (séc. XV)

Parece que um milagre não é maior que o outro:

1. Com efeito, diz Agostinho: “Nas coisas feitas de modo admirável, toda a razão do feito está na potência daquele que faz”. Ora, a mesma potência, a saber, Deus, faz todos os milagres. Logo, um não é maior que outro.

2. Além disso, a potência de Deus é infinita. Ora, o infinito ultrapassa sem proporção tudo o que é finito. Logo, um efeito desse poder não pode mais ser mais admirável que outro. Logo, um milagre não é maior que outro.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Senhor diz no Evangelho de João, a propósito das obras milagrosas: “As obras que faço, aquele que crê em mim as fará também, e ainda maiores” (14,12).

Nada pode ser chamado de milagre em referência à potência divina, porque tudo o que é feito, comparado à potência de Deus, é mínimo, como diz Isaías: “As nações são como gota d’água num balde, como um grão de poeira na balança” (40,15). Uma coisa, porém, se diz milagre por comparação com o poder da natureza, que é ultrapassado. Portanto, na medida em que mais ultrapassa o poder da natureza, nessa mesma medida se diz que o milagre é maior.

Uma coisa ultrapassa o poder da natureza de três maneiras. Primeiro, quanto à substância do fato: como quando dois corpos se encontram ao mesmo tempo num mesmo lugar, ou quando o sol retrocede, ou quando um corpo humano é glorificado; pois a natureza não pode fazer isso de modo algum. Estes são os milagres de primeiro grau.

Em segundo lugar, uma coisa ultrapassa o poder da natureza não quanto àquilo que se faz, mas quanto àquilo em que se faz: como a ressurreição dos mortos, ou a cura dos cegos, ou outros casos semelhantes. A natureza pode causar a vida, mas não em um cadáver; ela pode dar a visão, mas não a um cego. Milagres desse tipo pertencem Leia mais deste post

Tomás responde: Devem ser adoradas de algum modo as relíquias dos santos?

Ampola com sangue do Beato João Paulo II

Parece que não devem ser adoradas de modo algum as relíquias dos santos:

1. Com efeito, não devemos fazer nada que possa ser ocasião de erro. Ora, adorar as relíquias dos mortos parece cair no erro dos pagãos, que rendiam culto aos mortos. Logo, não devem ser honradas as relíquias dos santos.

2. Além disso, parece uma tolice venerar um objeto insensível. Ora, as relíquias dos santos são insensíveis. Logo, é tolice venerá-las.

3. Ademais, um corpo morto não é da mesma espécie do que um corpo vivo; e, por conseguinte não parece ser numericamente o mesmo. Parece, pois, que depois da morte de um santo, o seu corpo não deve ser adorado.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o livro dos Dogmas eclesiásticos: “Cremos que devem ser adorados com sinceridade os corpos dos santos, e principalmente as relíquias dos bem-aventurados mártires, como se fossem os membros de Cristo”. E acrescenta logo depois: “Se alguém for contra esta doutrina, não é cristão, mas seguidor de Eunômio e de Vigilâncio”.

Agostinho afirma: “Se a roupa e a aliança de um pai, ou outras coisas parecidas, são tanto mais apreciadas pelos filhos quanto maior é o seu amor pelos pais, de modo algum devem ser desprezados os corpos que, sem dúvida, são para nós muito mais familiares e intimamente unidos do que qualquer roupa que vistamos; pois os corpos pertencem à natureza mesma do homem”. É evidente que quem ama uma pessoa, depois de sua morte, venera tudo o que fica dela; não só o corpo ou as partes dele, mas também objetos exteriores, por exemplo, as roupas ou coisas semelhantes. É, pois, evidente que devemos ter veneração pelos santos de Deus como membros de Cristo, filhos e amigos de Deus e intercessores nossos. E, portanto, em memória deles, devemos venerar dignamente qualquer relíquia deles, principalmente os seus corpos, que foram templos e órgãos do Espírito Santo, que habitou e agiu neles, e que devem ser configurados ao corpo de Cristo pela glória da ressurreição. Por isso, o próprio Deus honra como convém as suas relíquias, pelos Leia mais deste post

Tomás responde: A ignorância é um pecado?

A ignorância difere da nesciência em que significa a simples negação da ciência. Por isso, pode-se dizer daquele a quem falta a ciência de alguma coisa, que não a conhece. Desse modo Dionísio afirma haver nesciência nos anjos. A ignorância implica uma privação de ciência, a saber, quando a alguém falta a ciência daquelas coisas que naturalmente deveria saber. Entre essas coisas há as que se é obrigado a saber, isto é, aquelas sem o conhecimento das quais não se pode fazer corretamente o que é devido. Assim, todos são obrigados a saber, em geral, as verdades da fé e os preceitos universais da lei. E cada um em particular, o que diz respeito ao seu estado e sua função. Ao contrário, há coisas que não se é obrigado a saber, se bem que seja natural sabe-las, por exemplo, os teoremas da geometria, e exceto em certos casos, os acontecimentos contingentes.

Evidentemente todo aquele que negligencia ter ou fazer o que é obrigado ter ou fazer, peca por omissão. Portanto, por causa de uma negligência, a ignorância das coisas que se devia saber é um pecado. Mas não se pode imputar a alguém como negligência o não saber o que não se pode saber. Por isso, essa ignorância é chamada invencível, porque nenhum estudo a pode vencer. Como tal ignorância não é voluntária, porque não está em nosso poder rechaçá-la, por isso ela não é um pecado. Por aí se vê que a ignorância invencível nunca é um pecado. Mas a ignorância vencível é, se ela se refere ao que se deve saber. Mas, ela não o é, se se refere ao que não se é obrigado a saber.

Suma Teológica I-II, q.76, a.2

Santo Tomás de Aquino, Igreja, Teologia, Filosofia

Tomás responde: É conveniente, de acordo com o direito, afastar alguns do ofício de advogado?

O advogado: Alegre-se, esposinha, agora você tem o novo chapéu que você deseja a tanto tempo – e um casaco de pele você também terá! 
Esposa: Bem, querido Albert, então você deve ter absolvido um grande velhaco!
(1901)

Parece que não é conveniente, de acordo com o direito, afastar alguns do ofício de advogado:

1. Com efeito, ninguém deve ser impedido de cumprir uma obra de misericórdia. Ora, patrocinar causas nos processos é obra de misericórdia. Logo, ninguém deve ser afastado desse ofício.

2. Além disso, um mesmo efeito não pode ser produzido por causas contrárias. Ora, dar-se às coisas divinas e dar-se ao pecado são coisas contrárias. Logo, não parece conveniente que se excluam do ofício de advogado alguns, por motivo de religião, como monges e clérigos, e outros, em razão de suas culpas, tais os infames e os hereges.

3. Ademais, deve-se amar o próximo como a si mesmo. Ora, é levado pelo amor que o advogado patrocina causas de outrem. Logo, é absurdo proibir patrocinar as causas alheias àqueles aos quais é facultado o direito de advogar em seu próprio favor.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o direito interdiz a numerosas pessoas o ofício de pleitear.

Pode alguém ver-se impedido de cumprir um ato por duas razões: por incapacidade e por inconveniência. Mas, a incapacidade é um impedimento absoluto, ao passo que a inconveniência é um impedimento relativo que cede diante da necessidade. Assim alguns são excluídos do ofício de advogado por incapacidade, pois carecem dos sentidos internos, como os alienados e impúberes, ou dos sentidos externos, como os surdos e mudos. Pois o advogado precisa não só de competência no saber, que o torna capaz de demonstrar a justiça da causa que defende, como há de ter também a facilidade de falar e de escutar, para bem se defender e ouvir o que lhe dizem. Assim, quem é defeituoso nesses pontos está absolutamente excluído de advogar para si ou para outrem.

Por seu lado, a conveniência exigida nesse ofício dele exclui alguns, por duplo motivo. Uns se acham ligados por deveres mais elevados. Assim, não é conveniente que monges e sacerdotes sejam advogados em qualquer causa, e os clérigos, em tribunais seculares. Pois tais pessoas são consagradas às coisas divinas. Outros têm um defeito pessoal, corporal, como os cegos, que não poderiam intervir no processo de maneira conveniente; ou espiritual, pois não fica bem que se ponha a defender a justiça em favor de outrem quem Leia mais deste post

Tomás responde: Cristo morreu por obediência?

Fra Angelico, O Crucificado e São Domingos (1437-1446), Museu São Marcos, Florença

Parece que Cristo não morreu por obediência:

1. Com efeito, a obediência se refere a uma ordem. Ora, não se lê que houvesse ordens para Cristo sofrer. Logo, não sofreu por obediência.

2. Além disso, diz-se que é feito por obediência o que alguém faz por necessidade de uma ordem. Ora, Cristo sofreu não por necessidade, mas por vontade própria. Logo, não sofreu por obediência.

3. Ademais, o amor é uma virtude de maior excelência que a obediência. Ora, diz a Carta aos Efésios que Cristo sofreu por amor: “Vivei no amor, como Cristo nos amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós” (5,2). Logo, deve-se atribuir a paixão de Cristo mais ao amor que à obediência.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz a Carta aos Filipenses: “Ele se fez obediente ao Pai até a morte” (2,8).

Foi muito conveniente ter Cristo sofrido por obediência. Primeiro, porque isso era conveniente para a justificação humana, como diz a Carta aos Romanos: “Assim como, pela desobediência de um só homem, a multidão se tornou pecadora, assim também, pela obediência de um só, a multidão se tornará justa” (5,19).

Segundo, isso foi conveniente para reconciliar o homem com Deus, como diz a Carta aos Romanos: “Fomos reconciliados com ele pela morte de seu Filho” (5,10), porquanto a própria morte de Cristo foi um sacrifício muito agradável a Deus, conforme a Carta aos Efésios: “E se entregou a si mesmo a Deus por nós em oblação e vítima, como perfume de agradável odor” (5,2). Ora, a obediência é preferível a todos os sacrifícios, como diz o livro dos Reis: “É melhor a obediência que os sacrifícios” (1Re 15,22). Portanto, foi conveniente que o sacrifício da paixão e morte de Cristo procedesse da obediência.

Terceiro, foi conveniente à vitória pela qual Cristo triunfou sobre a morte e o autor dela, pois o soldado não pode vencer se Leia mais deste post

Tomás responde: Deus Pai entregou Cristo à paixão?

Matthias Gothart Grünewald, Crucifixão (1512-1516)

Parece que Deus Pai não entregou Cristo à paixão:

1. Com efeito, parece ser iníquo e cruel que um inocente seja entregue à paixão e à morte. Ora, diz o livro do Deuteronômio que “Deus é fiel e sem nenhuma iniquidade” (32, 4). Logo, não entregou Cristo inocente à paixão e à morte.

2. Além disso, não é verossímil que alguém morra por suas próprias mãos e também por mãos de outrem. Ora, Cristo se entregou à morte por nós, como diz Isaías: “Entregou sua alma à morte” (53, 12). Logo, parece que não foi Deus Pai quem o entregou.

3. Ademais, Judas é censurado por ter entregue Cristo aos judeus, como diz o Evangelho de João: “’Um de vós é o diabo!’ Dizia isso por causa de Judas que o haveria de entregar” (6, 71-72). Igualmente, também os judeus são censurados por tê-lo entregue a Pilatos, conforme ele mesmo diz: “A tua própria nação, os sumos sacerdotes te entregaram a mim” (Jo 19,16). Além disso, “Pilatos lhes entregou Jesus para ser crucificado”. Ora, diz a segunda Carta aos Coríntios: “Não há união da justiça com a iniquidade” (6,14). Logo, parece que Deus Pai não entregou Cristo à paixão.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz a Carta aos Romanos: “Ele, que não poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por nós todos” (8,32).

Como foi dito acima (art. anterior), Cristo sofreu voluntariamente, em obediência ao Pai. E de três modos Deus Pai entregou Cristo à paixão. Primeiro porque, conforme sua eterna vontade, determinou a paixão de Cristo para a libertação do gênero humano, de acordo com o que diz Isaías: “O Senhor fez recair sobre ele a iniquidade de todos nós” (53,6) e “O Senhor quis tritura-lo pelo sofrimento” (v.10).

Segundo, por que lhe inspirou a vontade de sofrer por nós, ao lhe infundir o amor. E na mesma passagem se lê: “Ofereceu-se por que quis” (v.7).

Terceiro, por não livrá-lo da paixão, expondo-o a seus perseguidores. Assim, lemos no Evangelho de Mateus que o Senhor, pendente da cruz, dizia: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (27,46), ou seja, porque o expôs ao Leia mais deste post

Tomás responde: O pecado venial é disposição para o mortal?

Johann Heinrich Füssli, O pecado seguido da morte (1794-1796)

Parece que o pecado venial não é disposição para o mortal:

1. Com efeito, um contrário não dispõe para o outro. Ora, o pecado venial e mortal se distinguem como contrários, como foi dito (q.88, a.1). Logo, o pecado venial não é disposição para o mortal.

2. Além disso, um ato dispõe para algo semelhante a si mesmo na espécie; e por isso Aristóteles diz que “de atos semelhantes procedem disposições e habitus semelhantes”. Ora, o pecado mortal e venial distinguem-se pelo gênero ou pela espécie, como foi dito (a.2). Logo, o pecado venial não dispõe para o mortal.

3. Ademais, se o pecado se diz venial porque dispõe para o mortal, tudo o que dispõe para o pecado mortal é necessário que seja pecado venial. Ora, todas as boas obras dispõem-se para o pecado mortal, pois diz Agostinho que “a soberba arma ciladas às boas obras para que pereçam”. Logo, também as boas obras são pecados veniais, e isso é inconveniente.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o livro do Eclesiástico: “Quem despreza as coisas pequenas pouco a pouco cairá” (19, 1). Mas, aquele que peca venialmente, parece desprezar as coisas pequenas. Logo, pouco a pouco se dispõe a cair totalmente no pecado mortal.

O que dispõe é de certa maneira causa. Por isso, havendo dois modos de causa, são dois os modos de disposição. Há uma causa que move diretamente para o efeito, como o que é quente, aquece. Há também uma causa que move indiretamente removendo o impedimento, por exemplo, diz-se que quem remove uma coluna remove a pedra sobreposta. De dois modos, portanto, o ato do pecado dispõe para algo. Primeiro, diretamente, e assim dispõe para um ato semelhante segundo a espécie. Desse modo, primariamente e por si, o pecado venial por gênero não dispõe para o mortal por gênero, porque distinguem-se pela espécie. Mas, por esse modo o pecado venial pode dispor, por uma certa consequência, para o pecado que é mortal da parte de quem age. Aumentada a disposição ou o hábito pelos atos dos pecados veniais, o gosto de pecar pode crescer tanto que quem peca estabelece o seu fim no pecado venial, porque o fim de quem tem um hábito, enquanto tal, é agir de acordo com o hábito. E assim, muitas vezes, ao pecar venialmente se disporá para o pecado mortal.

Segundo, removendo o Leia mais deste post

Tomás responde: Os sacramentos são causa da graça?

El Greco (1541-1614), Pentecostes (1600), Museu do Prado, Madrid

É preciso afirmar que os sacramentos da Nova Lei, de alguma maneira, causam a graça. É conhecido que por eles o homem é incorporado a Cristo, como o Apóstolo diz sobre o batismo: “Vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo” (Gl 3, 27). Mas, ninguém se torna membro de Cristo, senão pela graça.

Alguns dizem que os sacramentos não são causa da graça por efetuarem algo, mas porque Deus, quando usamos os sacramentos, produz a graça na alma. Dão como exemplo o homem que, apresentando uma senha de chumbo, recebe cem reais por ordem do rei: não que a senha faça algo para ele obter aquela quantia de dinheiro; a única causa é a vontade do rei. Nesse sentido, diz Bernardo: “Como o cônego recebe sua investidura pelo livro, o abade pelo báculo, o bispo pelo anel, assim as diversas distribuições das graças são conferidas pelos sacramentos”.

Mas, considerando bem, tal explicação ainda permanece no âmbito do sinal. Pois a senha de chumbo é apenas um sinal da ordem do rei para que o portador da senha receba tal dinheiro. Semelhantemente o livro é um sinal da transmissão da dignidade de cônego. Dentro dessa perspectiva, os sacramentos da Nova Lei seriam meros sinais da graça. No entanto, a autoridade de muitos Santos confirma que os sacramentos da Nova Lei não só significam, mas causam a graça.

Deve-se, pois, entender de outro modo. Há duas maneiras de considerar a causa agente: como causa principal e como causa instrumental. A causa principal atua por força de sua forma à qual se assemelha o efeito, como o fogo que aquece com seu calor. A causa principal da graça só pode ser Deus, porque a graça é uma semelhança participada da natureza divina, como diz a Carta de Pedro: “Foram-nos concedidos os bens do mais alto valor que nos tinham sido prometidos, para que, graças a eles, entrásseis em comunhão com a natureza divina”. Entretanto, a causa instrumental não atua por força de sua forma própria, mas só pelo movimento que lhe imprime o agente principal. Em consequência, o efeito não se assemelha ao instrumento, mas ao agente principal, como o leito não se parece com o machado, mas com o projeto que está na mente do artesão. É deste modo que os sacramentos da Nova Lei causam a graça: por ordem de Deus são utilizados para causar a graça nos homens. Por isso Agostinho afirma: “Tudo isso (a saber: o gesto sacramental) realiza-se e passa, mas a força que atua por eles, (por ser de Deus), permanece perenemente”.Chama-se propriamente instrumento aquilo pelo qual alguém atua. Por isso se lê: “Ele nos salvou pelo banho do novo nascimento” (Tm 3, 5).

Suma Teológica III, q. 62, a.1

Santo Tomás de Aquino, Igreja, Teologia, Filosofia

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