Tomás responde: todos os pecados são iguais?

Hieronymus Bosch (1450-1516), Os sete pecados capitais, Museu do Prado, Madrid

Parece que todos os pecados são iguais:

1. Com efeito, pecar é fazer o que não é permitido. Ora, isso é algo que é sempre repreensível de modo igual e uniforme. Logo, nenhum pecado é mais grave do que o outro.

2. Além disso, todo pecado consiste em transgredir a regra da razão, a qual está para os atos humanos, como nas coisas materiais está a régua linear. Portanto, pecar é de certo modo não mais se as linhas. Ora, não seguir as linhas acontece igualmente e do mesmo modo, se se afasta mais longe ou se fica mais perto, porque nas privações não há mais e menos. Logo, todos os pecados são iguais.

3. Ademais, os pecados opõem-se às virtudes. Ora, todas as virtudes são iguais, diz-nos Cícero. Logo, todos os pecados são iguais.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Senhor disse a Pilatos, no Evangelho de João (19,11): “Aquele que me entregou a ti tem um pecado maior”. E é evidente que Pilatos teve algum pecado. Logo, um pecado é maior que o outro.

Os estóicos, e Cícero depois, pensaram que todos os pecados são iguais. Daí derivam também o erro de certos hereges que, admitindo a igualdade de todos os pecados, admitem igualmente a igualdade de todas as penas do inferno. E quanto se pode ver pelas palavras de Cícero, os estóicos eram movidos pelo fato de considerarem no pecado somente a privação, isto é, enquanto afastamento da razão. Por isso, julgando de modo absoluto que nenhuma privação poderia comportar mais ou menos, afirmaram que todos os pecados são iguais.

Mas, se se considera com cuidado, percebem-se dois gêneros de privação. Há uma privação pura e simples, que consiste num estado completo de corrupção. É assim que a morte é a privação da vida, e as trevas da luz. Tais privações não têm mais nem menos, pois nada resta do que havia. Não se está menos morto no primeiro dia, no terceiro ou no quarto, do que no final de um ano quando o cadáver está Leia mais deste post

A consciência segundo Tomás de Aquino – Parte 1

Representação gráfica da consciência, do séc. XVII (Robert Fudd)

Leia também os artigos sobre a Lei Moral, em Filosofia e Teologia

Freqüentemente em nossa época, essa expressão deveria, à primeira vista, facilitar o acesso de um espírito contemporâneo à doutrina de Tomás de Aquino. Não há palavras bastante fortes para afirmar e repetir que se deve sempre seguir a própria consciência – mesmo quando ela se engana! É necessário, no entanto, olhar mais de perto. Além de a palavra não ter sempre o mesmo sentido para ele e para nós, é utilizada num contexto profundamente diferente. Para nós, a consciência tem ressonância eminentemente subjetiva. Vista como instância última diante da qual somos responsáveis, ela é algumas vezes concebida de maneira simplista, a ponto de ser, um pouco ingenuamente, identificada com o que pensamos espontaneamente ou com as reações de nosso meio de origem. Agir segundo a própria consciência seria, então, se conduzir segundo o conformismo ambiente.

Para Tomás, as coisas são menos simples, e ele faz uma idéia mais elevada da grandeza do homem e de sua consciência. Ela é certamente uma instância contra a qual não se pode ir, mas não é a última instância. Nossa dignidade de pessoa humana não se situa numa reivindicação de autonomia absoluta diante de Deus, mas na aceitação de nossa dependência dele. Se quisermos compreender o ensinamento do Mestre de Aquino, deveremos retomá-lo de mais alto. Sem fazer uma exposição completa e ainda menos entrar nos debates contemporâneos, é preciso ao menos lembrar o mais exatamente possível de que se trata, e tentar retirar daí o interesse para a teologia espiritual.

Deve-se, em primeiro lugar, lembrar aquilo que foi dito no capítulo precedente sobre a lei natural, participação na criatura racional da lei eterna, da Providência Divina. Essa participação se realiza por um habitus próprio que Tomás chama, de maneira estranha para nós, de “sindérese”. Esse termo, recebido de São Jerônimo – que o traduz por “centelha da consciência”, e que ele assegura que não Leia mais deste post

Tomás responde: A esperança é uma virtude?

Jacques Du Broeucq, Estátua da Esperança (entre 1541-1545), Igreja Sainte-Waudru de Mons, Bélgica

Parece que a esperança não é uma virtude:

1. Com efeito, diz Agostinho: “Ninguém usa mal da virtude”. Ora, usa-se mal da esperança, porque ela comporta, como as outras paixões, meio e extremos. Logo, a esperança não é uma virtude.

2. Além disso, nenhuma virtude procede de méritos, porque “a virtude, Deus a opera em nós sem nós”, como diz Agostinho. Ora, “a esperança tem por origem a graça e os méritos”, como diz o Mestre das Sentenças. Logo, a esperança não é virtude.

3. Ademais, “A virtude é a disposição do que é perfeito”, diz o livro VII da Física. Ora, a esperança é disposição do que é imperfeito, isto é, daquele que não tem aquilo que espera. Logo, a esperança não é virtude.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, Gregório diz que as três filhas de Jó significam as três virtudes: fé, esperança e caridade. Logo, a esperança é uma virtude.

Segundo o Filósofo: “a virtude de cada coisa é o que torna bom o que a possui e torna boa a sua ação”. Logo, é necessário que onde se encontra um ato bom do homem, este ato corresponde a uma virtude humana. Ora, em todas as coisas submissas a regras e a medidas, o bem se reconhece pelo fato de que uma coisa atinge a sua regra própria; assim, dizemos que a roupa é boa, se não vai além nem aquém da medida devida. Ora, para os atos humanos, como foi dito acima (I-II, q.71, a.6), há duas medidas: uma imediata e homogênea, que é a razão; outra, suprema e transcendente, que é Deus. Por isso, todo ato humano que esteja de acordo com a razão ou com o próprio Deus é bom. Mas, o ato da esperança, do qual agora falamos, se refere a Deus. Com efeito, como já foi dito, quando se tratou da paixão da esperança, o objeto da esperança é um bem futuro, difícil, mas que se pode obter. Ora, uma coisa nos é possível, de dois modos: por nós mesmos ou por outrem, como está claro no livro III da Ética. Enquanto, pois, esperamos alguma coisa como possível pelo auxílio divino, nossa esperança se refere ao Leia mais deste post

A revolução aristotélica

Luca della Robbia (1400-1481), Platão e Aristóteles (1437-1439), Florença

O que tornou a revolução aristotélica profundamente revolucionária foi o fato de ser religiosa. E é este um ponto tão fundamental, que julguei conveniente apresentá-lo nas primeiras páginas deste livro – que a revolta foi em grande parte uma revolta dos elementos mais cristãos da Cristandade. Santo Tomás, exatamente como São Francisco, sentiu no subconsciente que a massa da sua gente ia deixando a sólida doutrina e disciplina católica, gasta lentamente durante mais de mil anos de rotina, e que a fé precisava ser apresentada a uma nova luz e vista por ângulo diverso. Não tinha outro motivo senão o de desejar torná-la popular para a salvação do povo. De maneira geral, é verdade que por algum tempo ela fora demasiado platônica para ser popular. Precisava ele de algo como o toque sagaz e familiar de Aristóteles, para transformá-la de novo em religião de senso comum. Tanto o motivo como o método se manifestam na controvérsia de Tomás de Aquino com os agostinianos.

Antes de tudo, devemos recordar que a influência grega continuou a se fazer sentir desde o Império Grego, ou ao menos desde o mesmo centro do Império Romano, situado agora na cidade grega de Bizâncio e já não em Roma. Tal influência era bizantina em todos os sentidos, no bom e no mau. Como a arte bizantina, era severa, matemática e um tanto terrível; como a etiqueta bizantina, era oriental e ligeiramente decadente. Devemos ao saber do Sr. C. Dawson muita luz sobre o modo como Bizâncio lentamente se cristalizou numa espécie de teocracia asiática, mais semelhante à do sagrado imperador da China. Mas até as pessoas incultas podem ver a diferença no modo como o Cristianismo oriental simplificava tudo: no modo, por exemplo, como reduzia as imagens a ícones que melhor se poderiam chamar figurinos do que verdadeiros quadros com variedade e arte; e isso fez decidida e destrutiva guerra às estátuas.

Vemos, assim, esta coisa estranha: o Oriente era a terra da cruz, e o Ocidente a terra do crucifixo. Os gregos estavam-se desumanizando por um símbolo radiante, enquanto os godos se iam humanizando por um instrumento de tortura. Só o Ocidente fez Leia mais deste post

Tomás responde: Os atos da lei (ordenar, proibir, permitir e punir) são convenientemente enumerados?

Parte superior do monólito com o Código de Hamurabi (aprox. 1700 a.C.), Museu do Louvre, Paris. Hamurabi é mostrado em frente ao trono do rei Sol Shamash, recebendo dele as leis.

Parece que os atos da lei não foram convenientemente enumerados enquanto se diz que o ato da lei é “ordenar, proibir, permitir e punir”:

1. “Com efeito, toda lei é preceito comum”, como diz o Jurisconsulto (título dado por Santo Tomás à coleção de extratos dos jurisconsultos romanos compilada por ordem de Justiniano). Ora, o mesmo é ordenar e preceituar. Logo, os outros três são supérfluos.

2. Além disso, é efeito da lei que induza os súditos ao bem, como foi dito acima (art. precedente). Ora, o conselho é sobre bem melhor que o preceito. Logo, pertence mais à lei o aconselhar que o preceituar.

3. Ademais, assim como um homem é incitado ao bem pelas penas, assim também o é pelos prêmios. Logo, como o punir é posto como efeito da lei, assim também o premiar.

4. Ademais, a intenção do legislador é de tornar os homens bons, como foi dito acima. Ora, aquele que só por medo das penas obedece à lei não é bom; com efeito, “mesmo que alguém, pelo temor servil, que é o temor das penas, faça o bem, não o faz bem”, como diz Agostinho. Logo, punir não parece ser próprio da lei.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz Isidoro: “Toda lei, ou permite algo, como: O homem forte peça um prêmio. Ou proíbe, como: A ninguém é lícito pedir em casamento uma virgem consagrada. Ou pune, como: Quem cometeu uma morte, seja decapitado”.

Como a enunciação é o ditame da razão segundo o modo de enunciar, assim também a lei segundo o modo de preceituar. Ora, é próprio da razão que induza de algo a algo. Donde, como nas ciências demonstrativas, a razão induz a admitir a conclusão por alguns princípios, assim também induz a admitir o preceito da lei por algo.

Os preceitos da lei dizem respeito aos atos humanos, os quais a lei dirige, como foi dito acima (q.90 a.1, 2; q.91 a.4). São, contudo, três as diferenças dos atos humanos. Como acima foi dito, alguns atos são bons pelo gênero, que são os atos das virtudes, e a respeito desses, é posto o ato da lei de preceituar ou ordenar; “ordena”, pois, “a lei todos os atos das virtudes”, como se diz no livro V da Ética. Alguns, porém são atos maus pelo gênero, como os atos viciosos, e a respeito desses cabe à lei o proibir. Alguns, contudo, pelo seu gênero, são atos indiferentes, e a respeito desses, cabe à lei Leia mais deste post

Os frutos do Espírito

Fra Angelico, Tomás com a Suma, Museu Nacional de São Marcos, Florença

Após ter falado dos dons, santo Tomás acrescenta ainda duas outras questões, verdadeiramente surpreendentes para quem esperaria apenas uma simples descrição de estruturas mentais, mas que não são feitas para nos surpreender, uma vez que sabemos que ele é um leitor assíduo da Escritura. Plenamente consciente do fato de que “o Sermão da Montanha contém o programa completo da vida cristã” (ST I-II q.108 a.3), ele se interroga sobre o que são as bem-aventuranças das quais o Senhor fala nos evangelhos (Mt 5, 3-12; Lc 6, 20-26), e sobre o que São Paulo denomina “os frutos do Espírito” (Gl 5, 22-23; ST I-II q.69-70). A aproximação não é arbitrária, porque há mais de um ponto comum entre frutos e bem-aventuranças, e a união com o Espírito Santo é evidente a partir do momento em que se percebe que tudo isso tem suas raízes nele como em sua fonte. Muito pouco lidas, porque se tende a considerá-las secundárias num movimento de conjunto da Suma, as duas questões são, ao contrário, apreciadas pelos melhores teólogos moralistas de hoje. Eles vêem aí de bom grado “um programa de vida e de progresso espiritual” e se inspiram para “traçar um retrato do homem espiritual”.

A lista das bem-aventuranças não tem necessidade de ser aqui lembrada, mas talvez seja útil recordar os doze frutos do Espírito tais como Tomás os encontrava no latim da Vulgata: caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, longanimidade, mansidão, fé, modéstia, continência, castidade (não se encontrará no grego do Novo Testamento a integralidade desta lista, da qual se conhecem apenas nove elementos). Para compreender de que se trata, deve-se saber que, em relação às virtudes e aos dons, as bem-aventuranças e os frutos não representam novas categorias de habitus, mas simplesmente os atos que deles provêm:

A palavra fruto foi transferida das coisas materiais para as espirituais. Na ordem material, chama-se fruto o que a planta produz ao atingir seu pleno desenvolvimento e traz em si certa suavidade. Nesse sentido, o fruto tem dupla relação com a árvore que o produz e com o homem que dela colhe. Assim, pois, podemos entender a palavra fruto nas coisas espirituais de dois modos: primeiro, diz-se fruto do homem, como da árvore, o que é produzido por ele; segundo, diz-se fruto do homem o que o homem colhe.

(ST I-II q.70 a.1)

 

Esta simples apresentação do vocabulário permite um primeiro esclarecimento. Se se pensa naquilo que é produzido pelo homem, é claro que são os atos humanos que levam o nome de frutos. Se eles estão de acordo com a capacidade da razão, são frutos da Leia mais deste post

Fragmentos: O crescimento espiritual da caridade

O crescimento espiritual da caridade pode ser comparado ao crescimento corporal humano. Ora, esse crescimento, embora possa distinguir-se em muitos graus, é suscetível de certas divisões bem determinadas, caracterizadas pelas atividades ou preocupações às quais o homem é conduzido durante seu crescimento. Assim, chama-se infância à idade da vida que precede o uso da razão. Em seguida, distingue-se um outro estado do homem, que corresponde ao momento em que ele começa a falar e usar a razão. Um terceiro estado é o da puberdade, quando o homem se torna capaz de gerar. E assim por diante até chegar à perfeição.

Do mesmo modo, os diversos graus da caridade distinguem-se pelos diversos esforços aos quais o homem é conduzido para o progresso da sua caridade. Primeiramente, sua principal preocupação deve ser afastar-se do pecado e resistir aos atrativos que o conduzem para o que é contrário à caridade. E isso é próprio dos incipientes, que devem alimentar e estimular a caridade para que ela se consolide. Depois, vem uma segunda preocupação, que leva o homem principalmente a progredir no bem. Tal preocupação é própria dos proficientes, que visam sobretudo fortalecer sua caridade, aumentando-a. Enfim, a terceira preocupação é que o homem se esforce principalmente por unir-se a Deus e fruir dele. E isso é próprio dos perfeitos, que “desejam morrer e estar com Cristo” (Fl 1, 23). Assim, no movimento corporal, distinguimos do mesmo modo: primeiro, o afastamento do ponto de partida; depois, a aproximação do termo; enfim, o repouso nele.

(Suma Teológica 2ª 2ae q.24 a.9)

Nós amamos Deus com todo o nosso coração, com todo o nosso espírito, com toda a nossa alma e com toda a nossa força se nada falta à caridade divina pela qual referimos tudo a Deus de maneira habitual ou atual (actu vel habitu). É essa perfeição que nos está prescrita.

Em primeiro lugar, é necessário que o homem refira tudo a Deus como a seu fim: Se comeis, e bebeis ou qualquer coisa que fazeis, fazei tudo para a glória de Deus (1Cor 10, 31). Isso se cumpre quando se consagra a sua vida ao serviço de Deus, de tal sorte que tudo o que se faz para si se encontra virtualmente ordenado para Deus, a menos que sejam atos que afastem de Deus, como o pecado.É assim que o homem ama Deus com todo o seu coração.

Em segundo lugar, é necessário que o homem submeta sua inteligência a Deus recebendo pela fé o que está divinamente inspirado: nós temos toda inteligência posta no serviço de Cristo (2Cor 10, 5). É assim que Deus é amado com todo o nosso espírito.

Em terceiro lugar, deve-se amar em Deus tudo o que se ama e referir ao amor de Deus todas as nossas afeições: se estamos fora dos sentidos, é por Deus; se somos sensatos, é por vós; é o amor de Cristo que nos impele (2 Cor 5, 13-14). É assim que Deus é amado com toda a nossa alma.

Em quarto lugar, deve-se amar a Deus de tal modo que todos nossos atos exteriores, nossas palavras e nossas ações, derivem da caridade: Que façais tudo na caridade (1Cor 16, 14). É assim que Deus á amado com toda a nossa força.

É, portanto, ao terceiro grau da caridade perfeita que todos são obrigados pela necessidade do mandamento [novo].

(De perfectione vitae spiritualis 6, Léon. T. 41, p. B 71)

Tomás de Aquino, Santo Tomás, teologia

Fragmentos: A Prudência

A prudência é a virtude mais necessária à vida humana, pois viver bem consiste em agir bem. Ora, para agir bem é preciso não só fazer alguma coisa, mas fazê-lo também do modo certo, ou seja, por uma escolha correta e não por impulso ou paixão. Como a escolha visa aos meios para se conseguir um fim, para ser correta exigem-se duas coisas: o fim devido (debitum finem) e os meios adequados a esse fim … Quanto aos meios adequados a esse fim, importa que o homem esteja diretamente disposto pelo habitus da razão, porque aconselhar e escolher, que são ações relacionadas com os meios, são atos da razão. É necessário, pois, haver na razão alguma virtude intelectual que a aperfeiçoe, para que proceda com acerto em relação aos meios. Essa virtude é a prudência, virtude portanto necessária para bem viver.

(Suma Teológica P I-II,q.57)

A virtude moral pode existir sem certas virtudes intelectuais, como a sabedoria, a ciência e a arte. Não porém sem o intelecto e a prudência. Sem a prudência, não pode haver realmente virtude moral, já que esta é um habitus “eletivo” (electivus), isto é, que faz escolhas certas. Ora, para uma boa escolha, duas coisas se exigem: primeiro, que haja a devida intenção do fim, o que se faz pela virtude moral, que inclina a potência apetitiva para o bem conveniente com a razão, que é o fim devido. Segundo, que se usem corretamente os meios, e isso só se alcança por uma razão que saiba aconselhar, julgar e decidir bem, o que é próprio da prudência e de virtudes a ela conexas. Logo, a virtude moral não pode existir sem a prudência.

Por conseqüência, também não poderá haver virtude moral sem o intelecto, pois é por ele que são conhecidos os princípios naturalmente evidentes, seja na ordem especulativa, seja na prática. Assim, da mesma forma que a razão reta, na ordem especulativa, enquanto procede de princípios naturalmente conhecidos, pressupõe o intelecto deles, assim também a prudência, que é a razão reta do agir (recta ratio agibilium).

(Suma Teológica P I-II, q. 58, a. 4)

No homem virtuoso, não é necessário que o uso da razão seja vigente sob todos os aspectos, mas só em relação ao que ele deve fazer virtuosamente. E assim o uso da razão é vigente em todos os virtuosos. Donde até aqueles que parecem simples, porque desprovidos da astúcia do mundo, podem ser prudentes, conforme a palavra do Evangelho de Mateus (10, 16): “Sede prudentes como a serpente e simples como as pombas”.

(Suma Teológica P I-II, q. 58, a. 4 ad 2)

Tomás de Aquino, Santo Tomás, Suma Teológica, teologia, filosofia, doutrina sagrada

Download: Suma Contra os Gentios

“Escrita por Santo Tomás de Aquino nos últimos anos de sua vida, Suma Contra os Gentios (SCG) condensa o acabamento final da Teologia e da Filosofia do genial pensador e admirável santo. Das obras publicadas pelo Angélico em vista de uma exposição completa da Teologia, foi a única que conseguiu chegar a termo. A SCG e a Suma Teológica foram sempre consideradas as suas mais importantes publicações, devido ao valor teológico e filosófico que as enriquece. No entanto, é inegável que, sob o aspecto filosófico, a SCG prevalece àquela, pois apresenta de modo exaustivo e perfeito as teses fundamentais da Filosofia própia de Santo Tomás, que já haviam sido sinteticamente formuladas no seu não menos precioso opúsculo De Ente et Essentia, escrito quando ainda jovem.
A SCG foi escrita a pedido de seu confrade, missionário entre os mussulmanos vencidos em Castela, canonista de fama, são Raimundo de Penaforte. Assim sendo, a SCG já traz um grande valor apologético, ensinando aí Tomás que mais se deve enfrentar os de outras religiões pelo confronto inteligente das idéias do que pela luta violenta das armas. Muito se prestará a nossa obra como subsídio para o ecumenismo, cujos princípios já se delineiam na mesma: ‘O modo segundo o qual santo Tomás apresenta o que há de comum entre a doutrina católica e a dos gentios e, depois, questiona esta com argumentos exclusivamente racionais’.”
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Introdução à Suma Contra os Gentios, de D. Odilon Moura OSB
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Clique na imagem para baixar.
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Os grandes temas da Idade Média (III): A razão

A “deusa razão”, representada por uma prostituta, sendo carregada pelas ruas de Paris

“Se Deus é logos, segundo São João, e o homem também vem definido pelo logos, há adequação entre ambos e é possível um conhecimento da essência divina; pode haver uma teologia racional, embora fundada sobre os dados da revelação.”

“No momento em que o nominalismo de Ockham reduziu a razão a uma coisa de foro íntimo do homem, uma determinação sua puramente humana, e não essência da Divindade, neste momento o espírito humano também fica segregado desta. Portanto, sozinho, sem mundo e sem Deus, o espírito humano começa a se sentir inseguro no universo” (Zubiri: Hegel y El problema metafísico).

O logos aparece como um motivo cristão essencial desde os primeiros momentos. O começo do Evangelho de São João diz taxativamente que no princípio era o verbo, o logos, e que Deus era o logos. Isso quer dizer que Deus é, em primeiro lugar Leia mais deste post

A doutrina sagrada é uma ciência?

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Obs: O documento abaixo foi feito em Word. Para plena funcionalidade dos links e consulta ao Vocabulário de termos utilizados por Santo Tomás, clique aqui.

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A doutrina sagrada é uma ciência?”

  • Existem dois tipos de ciência:
    • Algumas procedem de princípios que são conhecidos à luz natural do intelecto (aritmética, geometria);
    • Outras procedem de princípios conhecidos à luz de uma ciência superior (por ex.: perspectiva: princípios tomados à geometria; música: princípios tomados à aritmética).

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A doutrina sagrada é uma ciência?

QUANTO AO SEGUNDO ARTIGO, ASSIM SE PROCEDE: Parece não ser ciência a doutrina sagrada.

1. – Pois toda ciência provém de princípios por si evidentes, ao passo que procede a doutrina sagrada dos artigos da fé, inevidentes em si, por serem não universalmente aceitos; porque a fé não é de todos, diz a Escritura (II Ts. 3, 2). Logo, não é ciência a doutrina sagrada.

2. – Ademais, do indivíduo não há ciência. Mas a doutrina sagrada trata de fatos individuais, como sejam os feitos de Abraão, Isaac, Jacó e Leia mais deste post

É necessária outra doutrina, além das disciplinas filosóficas?

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“É necessária outra doutrina, além das disciplinas filosóficas?”

  • “Era necessário existir para a salvação do homem, além das disciplinas filosóficas, que são pesquisadas pela razão humana, uma doutrina fundada na REVELAÇÃO DIVINA.”
  • A vida do homem, criado por Deus, está ordenada para um fim (o próprio Deus).
  • Este fim ultrapassa a compreensão da razão.
  • Mas o homem deve conhecer este fim, para a ele dirigir suas intenções e ações.
  • Era necessário, portanto, que estas coisas que ultrapassam a razão fossem comunicadas por revelação divina.
  • A verdade sobre Deus pesquisada somente pela razão humana chegaria apenas a um pequeno número, depois de muito tempo e cheia de erros.
  • Mas como do conhecimento dessa verdade depende a salvação do homem, era necessário que ele fosse instruído por uma revelação divina.

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É necessária outra doutrina, além das disciplinas filosóficas?

QUANTO AO PRIMEIRO ARTIGO, ASSIM SE PROCEDE: Parece desnecessária outra doutrina além das disciplinas filosóficas.

1. – Pois não se deve esforçar o homem por alcançar objetos que ultrapassem a razão, segundo a Escritura (Ecle. 3, 22): Não procures saber coisas mais dificultosas do que as que cabem na tua capacidade. Ora, o que é da alçada racional ensina-se, com suficiência, nas disciplinas filosóficas; logo, parece escusada outra doutrina além das disciplinas filosóficas.

2. – Ademais, não há doutrina senão do ente, pois nada se sabe, senão o verdadeiro, que no ente se converte. Ora, de todas as partes do ser trata a filosofia, inclusive de Deus; por onde, um ramo filosófico se chama teologia ou ciência divina, como está no Filósofo. Logo, não é preciso que haja outra doutrina além das filosóficas.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz a segunda Carta a Timóteo (II Tm. 3, 16): Toda a Escritura divinamente inspirada é útil para ensinar, para repreender, Leia mais deste post

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