Tomás responde: A alma de Cristo foi sujeita à paixão?
5 novembro, 2015 2 Comentários
James Tissot (1836-1902), Jesus Chorou (entre 1886-1894)
♣
Parece que a alma de Cristo não foi sujeita à paixão:
- Com efeito, não se padece senão por ação do mais forte, pois o agente pode mais que o paciente, como ensinam Agostinho e Aristóteles. Ora, nenhuma criatura foi mais forte do que a alma de Cristo. Logo, a alma de Cristo não pôde padecer por parte de criatura alguma. Desta sorte, não esteve sujeita à paixão, pois se não podia sofrer por nenhuma causa, seria inútil nela a potência de padecer.
- Além disso, diz Túlio que as paixões da alma são “como enfermidades”. Ora, na alma de Cristo não houve qualquer enfermidade, pois a enfermidade da alma vem do pecado, conforme o Salmo 40: “Sara a minha alma porque pequei contra ti”. Logo, em Cristo não existiram paixões da alma.
- Ademais, parece que as paixões da alma são a mesma coisa que a inclinação ao pecado. Assim o Apóstolo, na Carta aos Romanos, as chama “paixões pecaminosas”. Ora, em Cristo não houve inclinação ao pecado, como antes foi dito. Logo, parece que nele não existiram as paixões da alma e, portanto, a alma de Cristo não foi sujeita à paixão.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, no Salmo 87, se diz da pessoa de Cristo: “Minha alma está repleta de males”, não de pecados, mas de males humanos, ou seja, “dores”, como a Glosa explica. Portanto, a alma de Cristo esteve sujeita à paixão.
De duas maneiras pode ser sujeita a paixões a alma unida ao corpo: ou pela paixão corporal ou pela paixão na própria alma. Sofre pela paixão corporal, por uma lesão no corpo. Com efeito, sendo a alma forma do corpo, segue-se que é um só o existir da alma e do corpo. Assim, conturbado o corpo por alguma paixão corporal, é necessário que a alma seja também conturbada por acidente, ou seja, quanto ao existir que possui no corpo. Portanto, como o corpo de Cristo foi sujeito a paixões e mortal, também sua alma necessariamente foi sujeita a paixões dessa maneira.
Diz-se que a alma sofre pela paixão na própria alma pela operação que é ou própria dela ou que é dela mais principalmente que do corpo. Embora se diga que a alma sofra algo segundo o entender e o sentir, no entanto, como na II Parte foi dito, chamam-se propriissimamente paixões da alma as afecções do apetite sensitivo, que existiram em Cristo, como tudo o mais que pertence à natureza do homem. Assim diz Agostinho: “O Senhor se dignou viver na forma de servo e humanamente disso se serviu, quando o julgou conveniente. Pois onde era verdadeiro o corpo do homem e verdadeira a alma do homem, o afeto humano não era falso”.
No entanto, deve-se saber que essas paixões existiram em Cristo de maneira diferente do que em nós quanto a três aspectos:
- Quanto ao objeto. Em nós essas paixões muitas vezes tendem a coisas ilícitas, o que não acontecia em Cristo.
- Quanto ao princípio. Em nós essas paixões antecedem frequentemente o juízo da razão; em Cristo, porém, todos os movimentos do apetite sensitivo eram orientados segundo a disposição da razão. Por isso diz Agostinho: “Esses movimentos, pela graça de uma disposição certíssima, Cristo acolheu quando quis na alma humana, assim como se fez homem quando quis”.
- Quanto ao efeito. Em nós esses movimentos algumas vezes não se detêm no apetite sensitivo, mas arrastam consigo a razão. Mas isso não sucedeu em Cristo, pois os movimentos que convinham naturalmente à carne humana de tal modo permaneciam, segundo sua disposição, no apetite sensitivo, que a razão não era, de maneira alguma, impedida de fazer o que era conveniente. Eis por que diz Jerônimo: “O Senhor nosso, para provar a verdade do homem que assumira, verdadeiramente se entristeceu; no entanto, como a paixão não dominava seu ânimo, se diz por uma paixão incoativa: ‘começou a entristecer-se’”, de modo que se entenda uma paixão perfeita quando é dominada pelo ânimo, isto é, pela razão; paixão incoativa quando começa no apetite sensitivo, mas não se estende além dele.
Comentários