Fragmentos – Espírito Santo: amor, amizade, comunhão e perdão

 

Dado que o Espírito Santo procede por modo de amor, do amor pelo qual Deus ama …, e do fato de que amando Deus nós nos assemelhamos a esse amor, dizemos que o Espírito Santo nos é dado por Deus. Por isso o Apóstolo afirma: “O amor de Deus foi espalhado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 5).

Suma contra os gentios IV 21, n. 3575

 

Por toda a parte onde há obra de Deus, deus deve aí se encontrar a título de autor. Dado que a caridade pela qual amamos Deus se encontra em nós pelo Espírito Santo, é necessário que o Espírito Santo permaneça em nós tão longamente enquanto temos a caridade. Por isso o Apóstolo perguntava (1Cor 3, 16): “Não sabeis que sois o templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?” Dado que é pelo Espírito Santo que nos tornamos amigos de Deus e que o ser amado, em sua qualidade justamente de ser amado, está presente naquele que o ama, é necessário que o Pai e o Filho habitem também em nós pelo Espírito Santo. É o que diz o Senhor em São João (14, 23): “Viremos a ele e faremos nele nossa morada”; e ainda (1Jo 3, 16): “Sabemos que ele permanece em nós graças ao Espírito que ele nos deu”.

Suma contra os gentios 20, n. 3576

 

É manifesto que Deus ama no mais alto grau aqueles que ele fez seus amigos pelo Espírito Santo; somente um tão grande amor podia conferir um tal bem. … Ora, uma vez que todo ser amado habita naquele que o ama, é necessário que pelo Espírito Santo não somente Leia mais deste post

A espiritualidade de Tomás (II): realista, do desenvolvimento humano e de comunhão

Diego Velázquez (1599-1660), Coroação da Virgem, Museu do Prado, Madrid

Uma espiritualidade “realista”

Essa palavra significa primeiro que o sujeito espiritual não é uma alma desencarnada, nem mesmo uma alma que teria um corpo, mas uma pessoa que não existe em si mesma a não ser na união estreita de seus dois componentes, alma e corpo. Tomás nos propõe “uma idéia do homem” e decorre disso certa maneira de considerar a vida interior e a prática da virtude. Não uma “libertação” do corpo nem mesmo das potências “inferiores”, mas uma retificação progressiva, uma cristianização de todo o ser reunido em sua orientação reta para Deus.

Em oposição a um sobrenaturalismo precipitado que tenderia a ignorar o nível próprio da natureza, a teologia de Tomás da criação, “realista”, quer também evocar sua bondade fundamental, a autonomia do temporal e a validade dos fins intermediários cujas exigências específicas não foram suprimidas nem ocultadas pelo dom da graça. Tudo isso constitui a base indispensável de uma espiritualidade para uso dos fiéis leigos, qualquer que seja sua função no mundo, que podem ser assim mantidos e confirmados em sua orientação última para Deus, sem ser conduzidos a praticar um equivocado “desprezo do mundo”, que faria deles monges em miniatura. Se por vocação pessoal Tomás praticou uma espiritualidade de religioso, sua obra põe os fundamentos sólidos de uma teologia das realidades terrestres, em respeito aos valores humanos, que não poderia fazer falta em nenhuma espiritualidade verdadeira.

 

Uma espiritualidade do desenvolvimento humano

Alguns falariam talvez de uma “moral da felicidade”, mas se trataria apenas de uma  diferença de acento. Tomás não ignora certamente o lugar do mal e do sofrimento na vida do homem (sua longa meditação sobre o livro de Jó é testemunha), mas mesmo se ele fala belamente disso não se pode resumir sua espiritualidade num elogio da cruz. Mas muito menos num elogio do epicurismo – ele convida antes a “tornar-se o que se é”. Certamente, ele entende à sua maneira a máxima do Leia mais deste post

Fragmentos: A comunhão dos Santos

Como num corpo natural a operação de um membro se volta para o bem de todo o corpo, acontece o mesmo no corpo espiritual que é a Igreja. E, como todos os fiéis formam um só corpo, o bem de um é comunicado ao outro. “Nós somos todos membros uns dos outros” (Rm 12, 5). Por isso, entre os artigos de fé que os apóstolos nos transmitiram existe aquele de uma comunhão de bens (communio bonorum) na Igreja; é o que se chama a comunhão dos Santos (communio sanctorum).

 

Entre os membros da Igreja, o membro principal é Cristo, porque ele é a sua cabeça. “Deus o deu por cabeça a toda a Igreja que é seu corpo” (Ef 1, 22-23). O bem de Cristo é, pois, comunicado a todos os cristãos, como a virtude da cabeça é comunicada a todos os membros; e essa comunicação se efetua pelos sacramentos da Igreja, nos quais opera a virtude da paixão de Cristo, que dá eficazmente a graça para a remissão dos pecados.

 

Deve-se ainda saber que não é somente a eficácia da paixão de Cristo que nos foi comunicada, mas também o mérito de sua vida. E todo o bem que fizeram todos os santos é comunicado àqueles que vivem na caridade porque todos são um: “Eu sou associado a todos aqueles que te temem” (Sl 118, 63). Por isso aquele que vive na caridade participa de todo o bem que se faz no mundo inteiro.

(Expositio in Symbolum, a. 10, ns. 987, 988, 997)

 

[Duas razões podem explicar a eficácia da oração por alguma outra pessoa; evidentemente deve-se querer rezar por essa pessoa, mas o que é primeiro] é a unidade da caridade, dado que todos os que vivem na caridade formam como um só corpo. Assim, o bem de um jorra sobre todos, à maneira pela qual a mão ou qualquer outro membro está a serviço do corpo inteiro. É assim que todo bem realizado por um vale para cada um daqueles que vivem na caridade, segundo a palavra do Salmo (118, 63): “Eu sou associado a todos aqueles que te temem e que guardam os teus mandamentos”.

(Quodlibet II q.7 a.2)

 

Tomás responde: Cristo está todo inteiro no sacramento da Eucaristia?

El Greco (Doménikos Theotokópoulos, 1541-1614),  A Última Ceia

Parece que Cristo não está todo neste sacramento:

1. Com efeito, Cristo começa a estar neste sacramento pela conversão do pão e do vinho. Ora, está claro que o pão e o vinho não podem converter-se nem na divindade de Cristo nem na sua alma. Logo, uma vez que Cristo está composto de três substâncias, a saber a divindade, a alma e o corpo, parece que Cristo não está todo neste sacramento.

2. Além disso, Cristo está neste sacramento como alimento dos fiéis, a modo de comida e de bebida. Ora, o Senhor diz: “A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida” (Jo 6, 56). Portanto, estão presentes neste sacramento somente a carne e o sangue de Cristo. Existem muitas outras partes do corpo de Cristo, por exemplo, os nervos, os ossos, etc. Logo, Cristo não está todo inteiro neste sacramento.

3. Ademais, um corpo de tamanho maior não pode estar todo inteiro Leia mais deste post

Tomás responde: Os acidentes do pão e do vinho permanecem no sacramento da Eucaristia?

Fra Angelico, Comunhão dos Apóstolos, Museu São Marcos, Florença (clique para ampliar)

Parece que neste sacramento não permanecem os acidentes do pão e do vinho:

1. Com efeito, uma vez que se retira o ser anterior, se remove também o que o segue. Ora, a substância é por natureza anterior ao acidente, como demonstra Aristóteles.

Logo, já que após a consagração não permanece a substância do pão neste sacramento, parece que os acidentes não podem permanecer.

2. Além disso, no sacramento da verdade não pode haver nenhum engano. Ora, pelos acidentes julgamos a substância. Portanto, parece que o juízo humano é enganado Leia mais deste post

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