Tomás responde: A bem-aventurança do homem consiste no prazer?

Gerard_van_Honthorst_-_The_Happy_Violinist_with_a_Glass_of_WineGerard van Honthorst (1590-1656), O violinista alegre com um copo de vinho (1624)

Parece que a beatitude do homem consiste no prazer:
 
1. Pois a beatitude, sendo o fim último, não é desejada por outra coisa, senão as outras por ela. Ora, tal se dá sobretudo, com o prazer; porquanto, como diz Aristóteles, é ridículo perguntar a alguém porque quer deleitar-se1. Logo, a beatitude consiste principalmente no prazer e nos deleites.
 
2. Além disso,  a causa primeira produz impressão mais veemente que a segunda, como se diz no livro Das Causas. Ora, a influência do fim é relativa ao desejo do mesmo. Por onde, tem a natureza de fim último o que move principalmente o desejo; e tal é o prazer. E a prova é que o deleite absorve a vontade e a razão do homem a ponto de fazer desprezar os outros bens. Donde se conclui que o fim último do homem, que é a beatitude, consiste sobretudo no prazer.
 
3. Ademais, como o desejo busca o bem, o que todos desejam há de ser ótimo. Ora, todos, sábios, insipientes e mesmo os irracionais, buscam o deleite. Logo, este é ótimo, e portanto no prazer consiste a beatitude, sumo bem.
 
EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz Boécio: Que são tristes as conseqüências dos prazeres, sabem-no todos os que querem lembrar-se das suas sensualidades; pois, se estas pudessem fazer os felizes, nenhuma razão haveria para que também os brutos não fossem considerados tais.
 
Tomas_RespondoPor serem as mais conhecidas de todas, as deleitações corpóreas receberam o nome de prazer, como diz Aristóteles3, embora haja outros prazeres mais fortes, nos quais todavia não consiste principalmente a beatitude. Pois, uma coisa é o pertencente à essência de um ser, e outra o seu acidente próprio; assim, uma coisa é ser o homem animal racional e outra, um animal que ri. Ora, devemos considerar que toda deleitação é um acidente próprio que acompanha a beatitude, ou alguma parte dela. Pois, deleita-se quem tem algum bem a si conveniente, na realidade, em esperança ou, pelo menos, na memória. Ora, o bem conveniente perfeito é a beatitude mesma do homem; o imperfeito é uma participação próxima, remota ou, pelo menos, aparente da beatitude. Por onde, é manifesto que nem ainda a deleitação resultante do bem perfeito é a essência mesma da beatitude, mas algo que dela procede, como acidentalmente.
 
Ora, do prazer corpóreo não pode, mesmo do modo já referido, resultar o bem perfeito; pois, resulta do bem apreendido pelo sentido, virtude da alma que se serve do corpo. Ora, o bem pertencente ao corpo e apreendido pelo sentido não pode ser o bem perfeito do homem. Pois, a alma racional, excedendo a capacidade da matéria corpórea, a parte da alma independente do órgão corpóreo tem uma certa Leia mais deste post

Tomás responde: A bem-aventurança do homem consiste nas honras?

Leon Marie Dansaert (1830-1909), O Duelo

Parece que a bem-aventurança do homem consiste nas honras:

1. Com efeito, como diz o Filósofo no livro I da Ética: “A bem-aventurança ou felicidade é o prêmio da virtude”. Ora, a honra parece ser o máximo prêmio da virtude, como diz o Filósofo no livro IV da Ética. Logo, a bem-aventurança consiste sobretudo na honra.

2. Além disso, o que convém a Deus e aos mais excelentes parece ser sobretudo a bem-aventurança, que é o bem perfeito. Ora, o Filósofo diz no livro IV da Ética que isto é a honra, e o Apóstolo na primeira Carta a Tito também diz: “Só a Deus a honra e a glória” 1, 17). Logo, a bem-aventurança consiste na honra.

3. Ademais, a bem-aventurança é o que sobretudo desejam os homens. Ora, nada parece ser mais desejado pelos homens do que a honra, porque os homens suportam perder todas as outras coisas, mas não suportam algum detrimento de sua honra. Logo, a bem-aventurança consiste na honra.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, a bem-aventurança está no bem-aventurado. A honra não está naquele que é honrado, porém mais naquele que honra, que reverencia o honrado, como diz o Filósofo no livro I da Ética. Logo, a bem-aventurança não consiste na honra.

É impossível que a bem-aventurança consista na honra. A honra é prestada a alguém devido alguma sua excelência: e assim, é um sinal e testemunho daquela excelência que está no honrado. Ora, a excelência do homem considera-se sobretudo segundo a bem-aventurança, que é o bem perfeito do homem, e segundo as suas partes, ou seja, segundo aqueles bens que participam de algo da bem-aventurança. Por isso, pode ela acompanhar a bem-aventurança, mas nela não pode principalmente consistir a bem-aventurança.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Como o Filósofo diz no mesmo lugar, a honra não é prêmio da virtude em razão da qual as pessoas de virtude agem, mas eles recebem dos homens a honra como prêmio, como se não houvesse coisa alguma melhor para dar. O verdadeiro prêmio da virtude é a bem-aventurança, em vista da qual os virtuosos agem. Se agem por causa da honra, já não será virtude, mas Leia mais deste post

Tomás responde: A bem-aventurança do homem consiste nas riquezas?

Autor anônimo, O homem rico e Lázaro (cerca de 1610), Amsterdam

Parece que a bem-aventurança do homem consiste nas riquezas:

1. Com efeito, sendo a bem-aventurança o último fim do homem, ela consiste naquilo que ao máximo domina o afeto humano. Ora, no livro do Eclesiastes se diz: “Tudo obedece ao dinheiro” (10, 19). Logo, a bem-aventurança consiste nas riquezas.

2. Além disso, segundo Boécio: “A bem-aventurança é o estado perfeito da junção de todos os bens”. Ora, parece que pelo dinheiro poderão se adquirir todas as coisas, porque o Filósofo, no livro V da Ética, afirma que o dinheiro se inventou para ser a fiança de tudo aquilo que o homem quisesse possuir. Logo, a bem-aventurança consiste nas riquezas.

3. Ademais, como o desejo do sumo bem jamais acaba, parece ser infinito. Ora, isso se encontra ao máximo nas riquezas, porque diz o Eclesiastes que “o avaro jamais se satisfaz com as riquezas” (5, 9). Logo, a bem-aventurança consiste nas riquezas.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, consiste o bem do homem mais em conservar a bem-aventurança do que em perdê-la. Ademais, Boécio diz: “Mais brilham as riquezas quando são distribuídas do que quando conservadas. Por isso, a avareza torna os homens odiosos, a generosidade os torna ilustres”.

É impossível que a bem-aventurança do homem consista nas riquezas. Conforme o Filósofo diz no livro I da Política, há duas espécies de riquezas, as naturais e as artificiais. As riquezas naturais são aquelas pelas quais o homem é ajudado a compensar as deficiências naturais, como sejam, a comida, a bebida, as vestes, os veículos, a habitação, etc. As riquezas artificiais são aquelas que por si mesmas não auxiliam a natureza, como o dinheiro, mas a arte humana os inventou para facilitar as trocas, para que fossem como medidas das coisas venais.

É evidente que a bem-aventurança do homem não pode estar nas riquezas naturais. Buscam-se essas riquezas em vista de outra coisa, para sustentarem a natureza humana. Por isso, não podem ser o último fim do homem, porque não se ordenam ao homem como fim. Donde, na ordem natural, todas elas estão abaixo do homem, e são feitas em vista dele, conforme o Salmo 8: “Submetestes todas as coisas a seus pés” (v.8).

Não se buscam as riquezas artificiais senão por causa das naturais, pois não se buscariam, se não fosse porque por elas é Leia mais deste post

Fragmentos: A lei da caridade

Manifestamente, todos não podem passar o seu tempo em trabalhosos estudos. Cristo nos deu uma lei cuja brevidade a torna acessível a todos, e assim ninguém tem o direito de ignorá-la: esta é a lei do amor divino, esta “palavra breve” que o Senhor declara ao universo.

Esta lei, reconheçamos, deve ser a regra de todos os atos humanos. A obra de arte obedece a cânones. Igualmente o ato humano, justo e virtuoso quando segue as normas da caridade, perde sua retidão e sua perfeição se ele vem a se afastar delas. Eis, pois, o princípio de todo bem: a lei do amor. Mas ela traz consigo muitas outras vantagens.

Em primeiro lugar ela é fonte de vida espiritual. É um fato natural e manifesto que o coração amante é habitado pelo que ele ama. Quem ama Deus o possui em si. “Quem permanece na caridade permanece em Deus e Deus nele” (Jo 4, 16). E tal é a natureza do amor que ele transforma no ser amado. Se amarmos coisas vis e passageiras nos tornaremos vis e instáveis, se amarmos Deus seremos totalmente divinos: “Quem se une ao Senhor é o mesmo espírito com ele” (1Cor 6, 17). Santo Agostinho assegura: “Deus é a vida da alma, como esta o é do corpo que ela anima” … Sem a caridade ela não age mais: “Quem não ama permanece na morte” (1Jo 3, 14). Se tiverdes todos os carismas do Espírito Santo, sem a caridade estareis Leia mais deste post

Cur Deus homo

Agnolo Bronzino, o nascimento de Jesus, 1535-40

Conformes ao propósito dessa iniciação, gostaríamos de fazer descobrir outra face de sua aproximação ao mistério. Sem refazer todo o seu percurso, seria mais esclarecedor retomar aqui a questão que os teólogos se punham desde muito tempo: Cur Deus homo? Por que Deus se fez homem?

Já evocamos a parte mais conhecida da resposta de Mestre Tomás, mas não conseguimos esgotar tudo o que disse sobre esse assunto. Como ele se recusa a falar de uma necessidade pura e simples da encarnação  – uma vez que não podemos limitar a onipotência de Deus, que poderia nos salvar de qualquer outro modo -, procura antes as razões de conveniência que podem ajudar a entender alguma coisa do incompreensível amor que levou Deus a tal extremo. Depois de Santo Agostinho, de Santo Anselmo e de tantos outros, os quais a Escritura orientava nessa direção, ele apela naturalmente à cura da ferida causada pelo pecado (remedium peccati), à restauração (reparatio) da humanidade na amizade com Deus, à satisfação pelo pecado, que aparecem como os motivos mais manifestos. É assim que o tema da satisfação, presente nas Sentenças e perfeitamente formulado no Compendium theologiae, persiste ainda na Suma Teológica:

 

A encarnação liberta o homem da servidão, o que, como Agostinho diz, “teve de ser feito de tal sorte que o demônio fosse vencido pela justiça do homem Jesus Cristo”. E isso se fez pela satisfação de Cristo por nós. Um simples homem não poderia satisfazer por todo o gênero humano; Deus não o devia; portanto era necessário que Jesus Cristo fosse Deus e homem (Homo autem Purus satisfacere non poterat, Deus autem satisfacere non debebat). [O balanço das fórmulas bastaria para revelar o sinal de origem, Anselmo foi nisso apenas um intermediário. Longe de dissimulá-lo, Tomás o anuncia, e após citar Agostinho continua com Leão:] “A fraqueza é assumida pela força, a humildade pela majestade; para que, conforme era necessário para nossa cura, um só e o mesmo mediador entre Deus e os homens (1Tm 2,5) pudesse morrer como homem e ressurgir como Deus. Se não fosse verdadeiro Deus, não poderia trazer-nos o remédio; se não fosse verdadeiro homem, não nos daria o exemplo”.(P3Q1A2)

 

Não obstante sua pertinência e sua persistência, o tema da reparação do equilíbrio perdido pelo pecado corre sempre o risco de favorecer uma visão antropocêntrica das coisas: o pecado parece impor a Deus uma finalidade não prevista por ele. Na busca de uma via nova, Tomás parece tê-la encontrado na Leia mais deste post

Tomás responde: Existe esperança nos condenados?

Vai-se por mim à cidade dolente,
vai-se por mim à sempiterna dor,
vai-se por mim entre a perdida gente.

Moveu justiça o meu alto feitor,
fez-me a divina potestade, mais
o supremo saber e o primo amor.

Antes de mim não foi criado mais
nada senão eterno, e eterna eu duro.
DEIXAI TODA ESPERANÇA, Ó VÓS QUE ENTRAIS.

(Inferno, Canto III)

Parece que existe a esperança nos condenados:

1. Com efeito, o diabo é condenado e é o chefe dos condenados, conforme se lê no Evangelho de Mateus: “Ide, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o diabo e seus anjos” (25, 41). Ora, o diabo tem esperança, segundo a palavra de Jó: “A esperança dele o frustrará” (40, 28). Logo, parece que os condenados têm esperança.

2. Além disso, a esperança, como a fé, pode ser formada e informe. Ora, a fé informe pode existir nos demônios e nos condenados, segundo a Carta de Tiago: “Os demônios Leia mais deste post

Tomás responde: Alguém pode ser completamente feliz nesta vida?

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Parece que é possível ter a bem-aventurança nesta vida:

1. Com efeito, diz o Salmo 110: “Felizes os imaculados no caminho, que andam na lei do Senhor”. Ora, isso acontece nesta vida. Logo, alguém pode ser nesta vida bem-aventurado.

2. Além disso, a imperfeita participação no sumo bem não afasta a razão de bem-aventurança, pois, caso contrário, um não seria mais bem-aventurado do que o outro. Ora, os homens nesta vida podem participar Leia mais deste post

Convém ao homem agir em vista do fim?

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RESUMO ESQUEMÁTICO

ARTIGO

DIVERSOS

RESUMO ESQUEMÁTICO

“Convém ao homem agir em vista do fim?”

1)

• São ditas ações humanas as que pertencem ao homem enquanto homem.

O que diferencia o homem das criaturas irracionais é este ter o domínio de seus atos.

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INTRODUÇÃO À BEM-AVENTURANÇA

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Pretendo postar agora alguns artigos que tratam da Bem-aventurança. Trata-se de tema muito interessante que trata de assuntos como: a “felicidade”, o “sentido da vida”, a “finalidade”, etc. Porém, antes de postar os artigos da Suma, coloco uma introdução ao tema, de Jean-Louis Bruguès.

Como sempre, a presente Introdução traz links para o vocabulário de termos utilizados por Santo Tomás. Caso não funcionem, baixe o documento original em Word aqui.

A BEM-AVENTURANÇA

Introdução e notas por Jean-Louis Bruguès

A importância do presente tratado não poderia passar despercebida. No plano da Suma, marca uma divisão essencial. Não apenas abre a segunda parte – que denominamos impropriamente de moral da Suma -, como a terceira parte. Depois de ter estudado Deus em si mesmo, ao mesmo tempo Leia mais deste post