Tomás responde: O demônio é cabeça dos maus?

Mihály_Zichy_O_triunfo_do_genio_destruicaoMihály Zichy (1827-1906), O Triunfo do Gênio da Destruição (1878)

Parece que o demônio não é cabeça dos maus:

1. Com efeito, pertence à natureza da cabeça causar o sentido e o movimento nos outros membros. Assim diz certa Glosa comentando a Carta aos Efésios: “Ele o deu como cabeça” etc… Ora, o demônio não tem o poder de causar a malícia do pecado, que procede da vontade do pecador. Logo, o demônio não pode ser dito cabeça dos maus.

2. Além disso, qualquer pecado torna o homem mau. Ora, nem todos os pecados provêm do demônio, como está claro no pecado dos próprios demônios que não pecaram em virtude da persuasão de outros. Do mesmo modo, nem todo pecado dos homens procede do demônio. Assim consta do livro Dos Dogmas Eclesiásticos: “Nem todos os maus pensamentos são despertados em nós pela instigação do demônio; algumas vezes nascem do movimento de nosso livre-arbítrio”. Logo, o demônio não é cabeça de todos os maus.

3. Ademais, a um só corpo é destinada uma só cabeça. Ora, a multidão inteira dos maus não parece possuir algo segundo o qual esteja unida. Com efeito, “acontece ao mal ser contrário do mal”, na medida em que procede “de defeitos diversos” como diz Dionísio. Logo, o demônio não pode ser dito cabeça de todos os maus.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, comentando o livro de Jó: “Desapareça sua lembrança da terra” (18, 17), diz a Glosa: “isso se diz de qualquer pecador, para que volte à sua cabeça, isto é, ao demônio”.

Tomas_RespondoComo acima foi dito (art. prec.), a cabeça não só causa interiormente nos membros, mas também os governa exteriormente dirigindo seus atos para algum fim. Desta sorte pode-se denominar a alguém cabeça da multidão: ou segundo os dois aspectos, pelo influxo interior e pelo governo exterior; assim, Cristo é a cabeça da Igreja, como antes foi explicado. Ou somente segundo o governo exterior, e assim qualquer príncipe ou prelado é cabeça da multidão que lhe é sujeita. Segundo esse modo, o demônio pode ser dito cabeça de todos os maus, pois, como está no livro de Jó: “Ele é rei sobre todos os filhos da soberba” (41, 25).

Cabe ao que governa conduzir os governados a seu fim. O fim do demônio é fazer a criatura racional voltar as costas para Deus. Por isso, desde o princípio, tentou remover o homem da obediência ao mandamento divino. Voltar as costas para Deus tem razão de fim enquanto é desejado sob a aparência de liberdade, segundo o profeta Jeremias: ”Há muito quebraste te jugo, rompeste teus laços, dizendo: ‘Não servirei’” (2, 20). Portanto, enquanto pelo pecado alguns são levados a esse fim, incidem sob o regime e governo do demônio. E por isso ele é chamado sua cabeça.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Embora o demônio não possa influir interiormente na inteligência, pode, no entanto, induzir ao mal por sugestão. Leia mais deste post

Tomás responde: Existe esperança nos condenados?

Vai-se por mim à cidade dolente,
vai-se por mim à sempiterna dor,
vai-se por mim entre a perdida gente.

Moveu justiça o meu alto feitor,
fez-me a divina potestade, mais
o supremo saber e o primo amor.

Antes de mim não foi criado mais
nada senão eterno, e eterna eu duro.
DEIXAI TODA ESPERANÇA, Ó VÓS QUE ENTRAIS.

(Inferno, Canto III)

Parece que existe a esperança nos condenados:

1. Com efeito, o diabo é condenado e é o chefe dos condenados, conforme se lê no Evangelho de Mateus: “Ide, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o diabo e seus anjos” (25, 41). Ora, o diabo tem esperança, segundo a palavra de Jó: “A esperança dele o frustrará” (40, 28). Logo, parece que os condenados têm esperança.

2. Além disso, a esperança, como a fé, pode ser formada e informe. Ora, a fé informe pode existir nos demônios e nos condenados, segundo a Carta de Tiago: “Os demônios Leia mais deste post

Tomás responde: O diabo desejou ser como Deus?

Gustave Doré, Satanás (clique para ampliar)

Parece que o diabo não desejou ser como Deus:

1. Na verdade, o que não é objeto do conhecimento não é do apetite, porque o bem conhecido move os apetites sensitivo, racional e intelectivo, porém só neste último há pecado. Ora, que uma criatura seja igual a Deus, isso não é objeto de conhecimento, pois implica contradição, porque o finito necessariamente seria infinito, se fosse igual ao infinito. Logo, o anjo não pôde desejar ser como Deus.

2. Além disso, o que é o fim da natureza pode-se desejar sem pecado. Ora, assemelhar-se a Deus é o fim ao qual tendem naturalmente todas as criaturas. Logo, se o anjo desejou ser como Deus, não por igualdade, mas por semelhança, parece que nisso não pecou.

3. Ademais, o anjo foi criado mais sábio que o homem. Ora, nenhum homem, a não ser totalmente sem entendimento, escolhe ser igual ao anjo ou a Deus, porque uma escolha tem por objeto coisas possíveis, que são o objeto da deliberação. Logo, o anjo, por maior razão, não pecou desejando ser como Deus.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz-se em Isaías, a respeito do diabo: “Subirei para o alto e serei semelhante ao Altíssimo” (14, 13-14). Diz também Agostinho: “cheio de soberba, quis ser considerado Deus”.

RESPONDO. Indubitavelmente pecou o anjo desejando ser igual a Deus. Isso pode ser entendido de duas maneiras: primeiro, por igualdade; segundo, por semelhança. Por igualdade, não foi possível o demônio desejar ser Deus, porque sabia por conhecimento natural ser isso impossível; nem a seu primeiro pecado precedeu o hábito ou a paixão impedindo seu intelecto de, errando num caso particular, escolher o impossível, como, às vezes, nos acontece. Todavia, dado que fosse possível, isso seria contra o desejo natural. Há em todas as coisas o desejo natural da Leia mais deste post

Tomás responde: Todos os pecados humanos vêm da sugestão do diabo?

Fra Angelico, O Juízo Final (1432-1435), detalhe

Parece que todos os pecados humanos vêm da sugestão do diabo:

1. Com efeito, Dionísio afirma que a multidão dos demônios é a causa de todos os males para si mesmos e para os outros.

2. Além disso, segundo o Evangelho de João: “quem comete o pecado é escravo do pecado” (8, 34). Ora, como diz a segunda Carta de Pedro: “Alguém se entrega à escravidão daquele por quem foi vencido” (2, 19). Logo, aquele que comete o pecado é vencido pelo diabo.

3. Ademais, Gregório diz que o pecado do diabo é irreparável, porque ele caiu sem sugestão de ninguém. Por conseguinte, se os homens pecam pelo livre-arbítrio e sem sugestão de ninguém Leia mais deste post

A ação dos anjos sobre os homens (IV): O anjo pode agir sobre os sentidos humanos?

Giotto di Bondone (1266-1337), Vida de Cristo, Lamentação, Capela Scrovegni de Pádua, detalhe (clique para ampliar)

Parece que o anjo não pode agir sobre os sentidos humanos:

1. Com efeito, a operação dos sentidos é vital, e tal operação não provém de um princípio extrínseco. Logo, não pode ser causada por um anjo.

2. Além disso, a potência sensitiva é mais nobre que a nutritiva. Ora, parece que o anjo não pode agir sobre a potência nutritiva, nem sobre outras formas naturais. Logo, nem pode agir sobre a potência sensitiva.

3. Ademais, os sentidos movem-se naturalmente pelas coisas sensíveis. Ora, o anjo não pode agir sobre Leia mais deste post

A ação dos anjos sobre os homens (III): O anjo pode agir sobre a imaginação do homem?

Giotto di Bondone (1266-1337), Vida de Cristo, Lamentação, Capela Scrovegni de Pádua, detalhe (clique para ampliar)

Parece que o anjo não pode agir sobre a imaginação do homem:

1. Com efeito, segundo o livro da Alma, a fantasia é “um movimento realizado pelo sentido em ato”. Ora, se fosse feito por uma ação causada pelo anjo, não teria sido feita pelo sentido em ato.

2. Além disso, as formas que estão na imaginação, por serem espirituais, são mais nobres que aquelas que estão na matéria sensível. Ora, os anjos não podem imprimir Leia mais deste post

A ação dos anjos sobre os homens (II): Os anjos podem agir sobre a vontade do homem?

Giotto di Bondone (1266-1337), Vida de Cristo, Lamentação, Capela Scrovegni de Pádua, detalhe (clique para ampliar)

Parece que os anjos podem agir sobre a vontade do homem:

1. Com efeito, a propósito da passagem da Carta aos Hebreus: “Aquele que faz de seus anjos espíritos e de seus ministros chama de fogo” (1, 7), diz a Glosa: “São fogo porque têm o espírito ardente e queimam nossos vícios”. Ora, isso só é possível se podem agir sobre a vontade. Logo, os anjos podem agir sobre a vontade.

2. Além disso, Beda diz que “o diabo não inspira os maus pensamentos, mas os excita”. Já Damasceno vai mais longe, dizendo que também eles os inspiram, e acrescenta: toda malícia e as paixões imundas foram imaginadas pelos demônios e lhes foi concedido inspirá-las aos homens. Pela mesma razão, os anjos bons também Leia mais deste post

Tomás responde: O diabo pode levar à necessidade de pecar?

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Parece que o diabo pode levar à necessidade de pecar, visto que:

1. Com efeito, um poder maior pode impor necessidade ao menor. Ora, no livro de Jó está escrito do diabo: “Não há um poder na terra que se lhe possa comparar”. Logo, o homem que é terrestre pode ser levado à necessidade de pecar.

2. Além disso, a razão humana não pode ser movida senão pelo que exteriormente é proposto aos sentidos exteriores e representado à imaginação, pois todo nosso conhecimento vem dos sentidos e não se conhece sem as representações imaginárias, como se diz no livro da Alma. Ora, o diabo pode mover a imaginação, e também os sentidos exteriores. E Agostinho diz que Leia mais deste post