Fragmentos: A providência e a criatura racional

Quando algum todo não é o último fim, mas se ordena para um fim ulterior, o fim da parte não é o todo, mas outra coisa. O conjunto das criaturas ao qual é referido o homem como a parte ao todo não é o último fim, mas se ordena para Deus, como para seu último fim. Por isso, o bem que representa o universo não é o último fim do homem, mas o próprio Deus.

(Suma Teológica I-II, q.2 a.8)

É manifesto que a divina providência se estende a todas as coisas. Deve-se, entretanto, observar que, entre todas as outras criaturas, existe um regime providencial particular para as criaturas intelectuais e racionais. Elas ultrapassam as outras tanto pela perfeição de sua natureza quanto pela dignidade de seu fim.

Pela perfeição de sua natureza, porque apenas a criatura racional tem o domínio de seus atos, determinando-se ela mesma à sua operação própria, enquanto as outras criaturas são muito mais movidas do que se movem a si mesmas … Pela dignidade de seu fim, porque apenas a criatura intelectual chega a alcançar o fim último do universo por sua operação, conhecendo e amando Deus; enquanto as outras criaturas não podem chegar a esse fim último a não ser por uma certa semelhança participada.

(Suma contra gentios III, 111 n. 2.855)

Apenas a criatura racional é conduzida por Deus em sua atividade, referindo-se não somente à espécie, mas ainda ao indivíduo … A criatura racional depende da divina Providência como governada e digna de atenção por ela mesma e não somente em vista da espécie.

(Suma contra gentios III, 113)

As criaturas menos nobres existem para as mais nobres; por exemplo, as criaturas inferiores ao homem existem para Leia mais deste post

Os enigmas do Evangelho

Giotto di Bondone(1266-1337), Cristo ante Caifás, Capela Scrovegni, Pádua

O que sentiríamos ante o primeiro sussurro de certa sugestão sobre certo homem? Com certeza não nos cabe censurar ninguém que julgasse esse primeiro sussurro desvairado como algo simplesmente ímpio ou insano. Pelo contrário, tropeçar nessa pedra de escândalo é o primeiro passo. A incredulidade nua e crua é um atributo muito mais leal a essa verdade que uma metafísica modernista que a explicasse simplesmente como uma questão de grau. Melhor seria rasgar nossas vestes emitindo um alto brado contra a blasfêmia, como fez Caifás no julgamento, ou tomar o homem por um maníaco possuído por demônios, como fizeram os parentes e a multidão, em vez de insistir em discussões estúpidas sobre pequenos detalhes de panteísmo na presença de uma reivindicação tão catastrófica. Há mais sabedoria que se identifica com a surpresa de qualquer pessoa simples, repleta da sensibilidade da simplicidade, capaz de esperar que a relva secasse e os pássaros caíssem mortos da altura de seus vôos, quando um aprendiz de carpinteiro em sua lenta caminhada dissesse calmamente, quase por acaso, como quem está atento a alguma outra coisa: “Antes que Abraão existisse, eu sou”.


Por G. K. Chesterton

Para entender a natureza deste capítulo é preciso recorrer à natureza deste livro. A argumentação escolhida como espinha dorsal do livro é aquele tipo de argumentação denominado reductio ad absurdum. Ela sugere que os resultados da aceitação da tese do racionalismo são mais irracionais que os nossos; mas para provar isso precisamos aceitar aquela tese. Assim, na primeira seção muitas vezes tratei o homem simplesmente como um animal para mostrar que o resultado disso era mais impossível do que se ele fosse tratado como um anjo. No mesmo sentido em que foi preciso tratar o homem simplesmente como um animal, é preciso tratar a Cristo simplesmente como homem. Devo suspender minhas próprias crenças, que são muito mais positivas e assim, partir da pressuposição de que essa limitação de fato existe, até mesmo para jogá-la por terra, para imaginar o que aconteceria com um homem que realmente lesse a história de Cristo como a história do homem; e até mesmo como a história de um homem de quem ele nunca tinha ouvido falar. E pretendo ressaltar que uma leitura realmente imparcial dessa espécie no mínimo provocaria, mesmo que não fosse imediatamente à fé, um espanto para o qual não haveria nenhuma solução a não ser Leia mais deste post

Breve História da Humanidade

Fra Angelico e Filippo Lippo, Adoração dos Magos, Galeria Nacional de Arte, Washington, DC.

Por G. K. Chesterton

Na terra iluminada por aquela estrela vizinha, cujo esplendor é a ampla luz do dia, existem muitas coisas muito variadas, imóveis e móveis. Move-se entre elas uma raça que em sua relação com as outras é uma raça de deuses. Essa realidade não é diminuída mas sim realçada pelo fato de essa raça poder comportar-se como uma raça de demônios. A superioridade dela não é uma ilusão individual, como um pássaro que se veste com sua própria plumagem; é algo muito sólido e multifacetado. Isso fica demonstrado nas próprias especulações que levaram à sua negação. Que os homens, os deuses deste mundo inferior, estão ligados a ela de várias maneiras, é verdade; mas esse é outro aspecto da mesma verdade. Que eles crescem como cresce a relva e caminham como caminham os animais, é uma necessidade secundária que acentua a superioridade primária. É como dizer que um mágico deve no fim das contas ter a aparência de um homem; ou que até mesmo as fadas não poderiam dançar se não tivessem pés. Recentemente tem sido moda focar a inteligência inteiramente nessas semelhanças ligeiras e subordinadas e esquecer completamente o fato principal. Existe o costume de insistir que o homem se parece com as outras criaturas. Certo, e exatamente essa semelhança só ele pode ver. O peixe não descobre o modelo da espinha de peixe nas aves do céu, nem o elefante e o meu comparam esqueletos. Mesmo no sentido de que o homem está em harmonia com o universo, trata-se de uma universalidade absolutamente solitária. O próprio sentido de que está unido a todas as coisas é suficiente para separá-lo de todas.

Olhando a seu redor sob essa luz única, tão solitário como a chama que literalmente só ele acendeu, esse semideus ou demônio do mundo visível torna esse mundo visível. Ele vê ao seu redor um mundo de certo estilo ou tipo, que parece proceder seguindo certas normas ou pelo menos repetições. Ele observa a arquitetura verde que se constrói a si mesma sem mãos visíveis, mas se ergue formando um plano ou padrão muito exato, semelhante a um desenho já traçado no ar por um dedo invisível. Não se trata, como agora vagamente se sugere, de alguma coisa vaga. Não é um crescer ou um tatear de vida às cegas. Cada coisa procura um fim, um fim glorioso e radiante, até mesmo no caso de cada margarida ou dente-de-leão que vemos observando a superfície de um campo qualquer. Na própria forma das coisas existe algo mais que um crescimento verde: existe a finalidade da flor. É um mundo de corolas. Essa impressão, ilusória ou não, tem influenciado tão profundamente a raça de pensadores e mestres do mundo material que sua vasta maioria foi levada a assumir certa visão desse mundo. Eles concluíram, errando ou acertando, que o mundo tinha um plano, assim como Leia mais deste post

A Lei Moral 4: Há em nós uma lei natural?

Faith and Reason united, with St Thomas Aquinas teaching in the background and the inscription: “divinarum veritatum splendor, animo exceptus, ipsam juvat intelligentiam“, from Leo XIII’s encyclical Aeterni Patris (13). Painting by German painter Ludwig Seitz (1844–1908), Galleria dei Candelabri, Vatican (clique para ampliar).
Leia também:
A Lei Moral, ou “Como deixar um ateu em maus lençóis”
A Lei Moral 2: Lewis e a lei natural
A Lei Moral 3: O Esplendor da Verdade

Parece que não há em nós uma lei natural:

1. Com efeito, o homem é suficientemente governado pela lei eterna: diz Agostinho que “a lei eterna é aquela pela qual é justo que todas as coisas sejam ordenadíssimas”. Ora, a natureza não se excede nas coisas supérfluas, como não falta nas necessárias. Logo, não há uma lei natural para o homem.

2. Além disso, pela lei ordena-se o homem em seus atos para o fim, como acima se mostrou. Ora, a ordenação dos atos humanos para o fim não é pela natureza, como acontece nas criaturas irracionais, que só pelo apetite natural agem em razão do fim; mas age o homem Leia mais deste post

Cadernos: “A Existência de Deus”

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Caderno_01

Voltando ao estudo da Suma Teológica, disponibilizo agora o primeiro “Caderno”, denominado “A Existência de Deus”. Trata-se de um projeto de publicar partes da Suma divididos por questões, temas ou tratados específicos. Este primeiro trata da segunda questão da primeira parte, que compreende três artigos:

1. A existência de Deus é evidente por si mesma?
2. É possível demonstrar a existência de Deus?
3. Deus existe? (onde se encontram as famosas cinco vias)

Cada artigo contém:

♦ Um pequeno resumo esquemático com as objeções seguidas das respectivas respostas para facilitar, o “sed contra” e o corpo do artigo com as notas da Suma editada pela Loyola.

♦ O texto integral.

O documento possui ainda um índice com links para as diversas partes que o compõem e também links dos diversos termos utilizados por Santo Tomás para o vocabulário.

Caderno_01
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O ato do homem recebe a espécie do fim?

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Este é um daqueles artigos que, ao serem lidos pela primeira vez, parecem não trazer nada de “prático” ou mesmo de interessante, e que apenas por um rigorismo escolástico parece estar ali, entre o “convém ao homem agir em vista do fim?” e o “há um último fim para a vida humana?”, estes sim, na aparência muito mais interessantes. No entanto, a questão de fundo não é, absolutamente, desprovida de interesse: será que todos os atos humanos são atos morais? Mas, afinal, o que torna um ato moral ou natural? O fato de matar um homem (exemplo de Santo Tomás no artigo em questão) tem um valor moral único e absoluto? Novamente o conceito de finalidade é fundamental para responder a essas questões, enquadrando-o perfeitamente no conjunto da questão sobre o último fim do homem.
Muito boa no presente artigo é a resposta à terceira objeção, em minha opinião um daqueles casos em que a resposta é mais interessante que o próprio corpo do artigo.

Agir em vista do fim é próprio da natureza racional?

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Como vimos no artigo precedente, é próprio do homem agir em vista do fim, uma vez que as ações propriamente humanas são aquelas que procedem da razão e da vontade (vontade deliberada) e esta tem como objeto próprio o fim. Porém, o que dizer dos seres irracionais e insensíveis, daqueles que carecem totalmente de razão, como os animais, ou de vontade, como os seres insensíveis? Suas ações carecem de finalidade? Portanto, devemos entender essa questão como sendo “Agir em vista do fim é próprio SOMENTE da natureza racional?” Vejamos o que diz Santo Tomás.
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Convém ao homem agir em vista do fim?

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RESUMO ESQUEMÁTICO

ARTIGO

DIVERSOS

RESUMO ESQUEMÁTICO

“Convém ao homem agir em vista do fim?”

1)

• São ditas ações humanas as que pertencem ao homem enquanto homem.

O que diferencia o homem das criaturas irracionais é este ter o domínio de seus atos.

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INTRODUÇÃO À BEM-AVENTURANÇA

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Pretendo postar agora alguns artigos que tratam da Bem-aventurança. Trata-se de tema muito interessante que trata de assuntos como: a “felicidade”, o “sentido da vida”, a “finalidade”, etc. Porém, antes de postar os artigos da Suma, coloco uma introdução ao tema, de Jean-Louis Bruguès.

Como sempre, a presente Introdução traz links para o vocabulário de termos utilizados por Santo Tomás. Caso não funcionem, baixe o documento original em Word aqui.

A BEM-AVENTURANÇA

Introdução e notas por Jean-Louis Bruguès

A importância do presente tratado não poderia passar despercebida. No plano da Suma, marca uma divisão essencial. Não apenas abre a segunda parte – que denominamos impropriamente de moral da Suma -, como a terceira parte. Depois de ter estudado Deus em si mesmo, ao mesmo tempo Leia mais deste post

Nosso querido (e complicado) amigo, o SER – PARTE 3

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Capítulo Terceiro

AS CAUSAS

Art. I.    NOÇÕES GERAIS

1. Definições. – Chama-se princípio aquilo de que uma coisa procede, de qualquer maneira que seja. Assim, toda causa é princípio, mas todo princípio Leia mais deste post

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