Filosofia Concreta, de Mário Ferreira dos Santos – TESE 12

Tese_12

Clique aqui para ver o índice das teses

 

O nada absoluto nada pode produzir, porque é impossível, não tem poder, não tem eficácia para realizar alguma coisa, pois se a tivesse não seria nada absoluto, mas sim alguma coisa.

Mas, podê-lo-á o nada relativo, o não-ser relativo?

Esta, como ainda não está no pleno exercício do ser, também não pode, enquanto tal, produzir alguma coisa, pois, se o fizesse, a eficiência, que revelaria ao produzir alguma coisa, afirmaria o seu pleno exercício de ser, e não seria, portanto, um não-ser relativo, mas um ser em ato.

Se o nada pode produzir, como se conclui por decorrência lógica, ontológica e dialética, como a expusemos em “Criteriologia”, do nosso livro Teoria do Conhecimento, o princípio de que ex-nihilo nihil, que do nada nada surge, é absolutamente verdadeiro, pois se de nada se pudesse fazer alguma coisa, ou o nada fazer alguma coisa, automaticamente não seria nada, mas alguma coisa, por revelar a eficácia de poder, e portanto, de ser.

 .

Filosofia Concreta, de Mário Ferreira dos Santos – TESE 11

Tese_11

Clique aqui para ver o índice das teses

Prova-se de vários modos: Não se conclui por aceitar que, se alguma coisa há, consequentemente, alguma coisa existe.

Existir não é propriamente incluso no haver, pois entende-se por existir a realidade exercitada in re, o ser real, ser em si, o ser no pleno exercício do ser.

Ora, se alguma coisa há, o nada absoluto não há. Se alguma coisa que há não existe, não seria exercitada em si, mas em outro. E esse outro, não podendo ser o nada absoluto, é algum ser que existe, algum ser que está no pleno exercício de ser. E se não for esse, será outro. De qualquer forma, alguma coisa existe para ser o portador do que não existe ainda.

Porque alguma coisa há, e o nada absoluto não há, alguma coisa existe. A existência de alguma coisa decorre, não porque “alguma coisa há”, mas porque o nada absoluto não há.

Portanto, “alguma coisa há” e “alguma coisa existe”.

Ademais, a razão ontológica do existir implica algo que é, uma existência que se dá ex [do latim], fora, como já o mostramos em Ontologia e Cosmologia.

A sistência* existe quando se dá fora de suas causas. Ora, o existir não pode vir do nada absoluto, porque este já está total e absolutamente negado por “alguma coisa há”. A existência de alguma coisa é o exercício do ser dessa coisa, que é um sistência ex, que se dá fora de sua causa. Se alguma coisa existe, nada se daria fora de sua causa. Nenhuma sistência se daria ex. Como o nada absoluto não é qualquer coisa, alguma coisa existe, pois, do contrário, haveria uma sistência que não se daria ex, dando-se, portanto, em outro, o qual existiria. Alguma sistência, que há, tem de existir, porque, não sendo causada pelo Leia mais deste post

Filosofia Concreta, de Mário Ferreira dos Santos – TESE 10

Tese_10

Clique aqui para ver o índice das teses

 

Considera-se ente de razão (ens rationis dos escolásticos) aquele cuja única existência está na mente humana. Assim para os idealistas absolutos certas idéias; o tempo e o espaço, a espécie e o gênero para outros filósofos, etc. Considera-se como ente real, aquele que também tem uma existência fora da mente humana (extra mentis). Assim esta casa, para os realistas, além de ter dela uma imagem a mente humana, é uma realidade fora da mente. Em suma, para todos são entes de razão aqueles que não asseguram uma existência fora da mente humana, e são entes reais os que têm essa existência. Um ente real pode também ter uma correspondência existencial na mente humana, como a tem a imagem que formamos das coisas que compõem o mundo exterior para os realistas.

“Alguma coisa há” pode merecer de alguns a afirmação de que é apenas um ente de razão. Mas se alguma coisa há é um ente de razão, assegura imediatamente que não é apenas um ente de razão, mas sim um ente real, porque se há um ente de razão é porque há algo que é o sustentáculo do mesmo. E se alguma coisa há é mentado*, então alguma coisa há realmente, porque alguma coisa há, para que alguma coisa há seja mentada, o que prova, consequentemente, que é real-real que alguma coisa há, o que vem robustecer, de modo apodítico, a tese, e provar também, apoditicamente, que a Filosofia pode fundar-se em uma verdade universalmente válida.

 

* No sentido de “formado na mente”. A palavra também parece ser um neologismo de Mário, a partir, provavelmente, da raiz latina “mens”.

.

Filosofia Concreta, de Mário Ferreira dos Santos – TESE 9

Tese_9

 

Clique aqui para ver o índice das teses

Provamos por outra via.

A verdade de “alguma coisa há” não exige, para ser notada, uma mente especial. Ela é notada de per si, e suficientemente, por que a sua negação seria afirmar o nada absoluto, que é absurdo. Alguma coisa há não exige de per se demonstração, podia até dispensá-la. Se ajuntamos algumas, fazemo-la apenas para robustecer, de certo modo, a sua evidência objetiva. E dizemos evidência objetiva porque não é uma verdade subjetivamente captada por adequação, mas de per si suficientemente verdadeira.

A verdade lógica dessa proposição decorre do fato de pertencer o predicado à razão do sujeito, mas é também ontológica por ser necessária.

.

Filosofia Concreta, de Mário Ferreira dos Santos – TESE 7

Ticiano_Madona_com_coelhoTiciano (1490-1576), Madona com o coelho (aprox. 1530)

.

TESE 7 – O nada absoluto é a contradição de alguma coisa há.

 

Clique aqui para ver o índice das teses

 

Há contradição quando se afirma a presença e, simultaneamente, a ausência do mesmo aspecto no mesmo objeto. Dizer-se que alguma coisa há, é contradizer que há o nada absoluto, porque se há alguma coisa, o nada absoluto está excluído.

Dizer-se: há o nada absoluto – é dizer-se que não há nenhuma coisa; isto é, contradizer-se que alguma coisa há.

 

.

Filosofia Concreta, de Mário Ferreira dos Santos – TESE 6

Davide_Ghirlandaio_A_Virgem_e_o_Menino_Santos_Apolonia_SebastiaoDavide Ghirlandaio (1452-1525), A Virgem e o Menino com os santos Apolônia e Sebastião (aprox. 1490), Philadelphia Museum of Art

.

TESE 6 – Pode-se construir a filosofia com juízos universalmente válidos.

 

Clique aqui para ver o índice das teses

 

É comum dizer-se que a filosofia não pode ser construída com juízos universalmente válidos, isto é, válidos para todos.

No entanto, essa afirmação é facilmente refutável, bastando que se estabeleça um juízo universalmente válido, sobre o qual, concretamente, se possa construir todo um sistema de filosofia, como o fazemos.

Os juízos, que estabeleceremos como pontos de partida para a fundamentação da Filosofia Concreta, são universalmente válidos.

Só um apelo à loucura, refutado pelo próprio apelo, poderia afirmar que há o nada absoluto e não “alguma coisa”.

Esta vã e louca afirmativa já afirmaria que alguma coisa há. Podemos duvidar de nós, não de que alguma coisa há, pois mesmo que fôssemos uma ilusão, mesmo que nós não houvéssemos, alguma coisa há. Se para expor uma filosofia precisamos de nós, não precisamos de nós para que alguma coisa haja, pois mesmo que fôssemos ilusões, seríamos a ilusão de alguma coisa que há. Portanto, este postulado independe de nós para mostrar-se como evidente. É um juízo universalmente válido, e é sobre ele que se fundará a Filosofia Concreta.

.

Filosofia Concreta, de Mário Ferreira dos Santos – TESE 4

Peter_Paul_Rubens_Quatro_FilosofosPeter Paul Rubens (1577-1640), Os quatro filósofos (1611)

.

TESE 4 – A demonstração exige o termo médio; a monstração*, entretanto, não o exige

 

Clique aqui para ver o índice das teses

 

A demonstração exige o termo médio, pois é uma operação que consiste em comparar o que se pretende provar a algo já devidamente provado.

A monstração segue uma via intuitiva. A evidência do que se mostra impõe-se por si mesma, pois a sua não aceitação levaria ao absoluto. Também se pode fazer uma demonstração direta pela mera comparação acima citada; ou indireta, como a reductio ad absurdum, como no segundo caso.

Podemos exemplificar da seguinte forma: se alguma coisa não há, teríamos o nada absoluto, o que é absurdo: logo alguma coisa há.

Esta é uma demonstração indireta de que há alguma coisa.

 

* A palavra “monstração” não é dicionarizada. Nem “mostração”, sem o “n”. Uma versão aceitável seria “mostra”. No entanto, o sentido original de Mário enfatiza a oposição mostrar/demonstrar. Dada a preocupação do autor com a linguagem e a precisão filosófica do conceito exato (“monstração” vem do verbo latino monstro-monstrare, que significa “mostrar”), mantém-se a “monstração”, que deixa clara a conceituação de Mário, em lugar do “mostra”, menos agressivo ao ouvido e ao olho.

 

.

Filosofia Concreta, de Mário Ferreira dos Santos – TESE 3

Antonio_Ciseri-Cristo levado ao sepulcroAntonio Ciseri, pintor realista (1821-1891), Cristo levado ao sepulcro (1864-1870)

.

TESE 3 – Prova-se mostrando e não só demonstrando

Clique aqui para ver o índice das teses

O conceito de demonstração (de-monstrare) implica o conceito de mostrar algo para tornar evidente outra proposição, quando comparada com a primeira.

A primeira certeza tem a naturalidade de ser mostrada, já que a demonstração implica em algo já dado como absolutamente certo. Para provar-se a validez de algo, basta, assim, a mostra, que inclui os três elementos imprescindíveis para a certeza. O axioma alguma coisa há é evidente de per si, e mostra a sua validez de per si, independentemente da esquemática humana, pois esta pode variar, podem variar os conteúdos esquemáticos, mas que alguma coisa há é evidente para nós, e extra mentis (fora da nossa mente).

.

Filosofia Concreta, de Mário Ferreira dos Santos – TESE 2

karl_marxExemplo de “nada absoluto” dentro de uma cabeça

Clique aqui para ver o índice das teses

.

TESE 2 – O nada absoluto, por ser impossível, nada pode.

 O nada absoluto seria total e absoluta ausência de ser, de poder, pois como o que não é, o que não existe, o que é nada, poderia?

Para poder é mister ser alguma coisa. Portanto, o nada absoluto, além de não ser, é impossível, e nada poderia fazer.

Porque se pudesse fazer alguma, era alguma coisa, e não nada absoluto. Mas, já vimos que há alguma coisa e que não pode haver o nada absoluto; portanto, nada podemos esperar que dele provenha, porque não é nada.

O termo res, em latim (coisa) do verbo reor, significa pensar ou crer. Coisa seria assim o [algo] em que se pensa ou se crê.

E quer tal termo referir-se ao ser concreto tempo-espacial, do qual o homem tem uma intuição sensível, ou a tudo quanto não se pode predicar o nada absoluto. O termo alguma, cuja origem latina, aliquid, nos revela o sentido de aliud (outro) e quid (que), outro que se distingue, que não se confunde, que é “algo” (nota-se a expressão: filho de algo, fidalgo, que não é qualquer, mas de alguém que se distingue), mostra-nos, afinal, que se entende por alguma coisa tudo quanto se põe, se dá e do qual não se pode dizer que é um mero nada. Ora, o nada absoluto não se põe, não se dá, não tem positividade: é pura negação, a ausência total de alguma coisa, do qual se pode dizer que é nada, nada.

Também o termo entitas, entidade, em seu logos (em sua razão intrínseca), significa algo ao qual não se pode predicar o nada absoluto. E tudo o que não é nada absoluto é algo (áliquid), uma entidade (entitas).

Afirmar que “alguma coisa há”, é afirmar que, a tudo quanto não se pode dizer que é nada absoluto, é algo que “acontece”, põe-se, dá-se.

Se não há alguma coisa, teríamos então a ausência total de qualquer coisa que se dá, põe-se. Nem se poderia dizer que o nada absoluto acontece, porque não acontece, nem se dá, nem se põe: é a ausência total. E bastaria que algo houvesse, a presença de algo, para ser improcedente o nada absoluto.

Podemos não ser o que julgamos ser, não é possível, porém, o nada absoluto, a ausência total e completa de qualquer coisa. Alguma coisa há, acontece, dá-se. Em que consiste esse “alguma coisa” é o que nos cabe examinar a seguir.

Em “alguma coisa há”, o sujeito se reflete completamente no verbo, pois fora de “alguma coisa” nada pode haver, pois o nada não há, e o haver é o haver de alguma coisa.

Entretanto, não há identidade real e formal entre haver e alguma coisa, porque haver só o que é quando é de alguma coisa, pois nada não há.

Oportunamente, provaremos por outros caminhos o que ora afirmamos.

.