Chestertoninas: O homem

Depois de ridicularizar tantas pessoas, durante tantos anos, por não serem progressistas, o Sr Shaw, com um senso que lhe é peculiar, descobriu ser bastante duvidoso que qualquer um dos seres humanos bípedes existentes consiga ser progressista. Chegou a duvidar se a humanidade poderia ser combinada com o progresso, pois muitas pessoas que se satisfazem facilmente teriam escolhido abandonar o progresso e permanecer com a humanidade. O Sr Shaw, não se satisfazendo facilmente, decide jogar fora a humanidade com todas as limitações e, buscando o próprio interesse, aposta no progresso. Se o homem, como o conhecemos, é incapaz de uma filosofia do progresso, inquire o Sr Shaw, não o seria para um novo tipo de filosofia, mas para uma nova espécie de homem. É como se a babá tivesse tentado alimentar, durante alguns anos, o bebê com uma comida amarga e, ao descobrir que tal comida não era adequada, não a jogasse fora e pedisse algo novo, mas jogasse o bebê pela janela e pedisse um novo bebê. O Sr Shaw não pode entender que a coisa mais valiosa e adorável aos nossos olhos é o homem – o velho bebedor de cerveja, criador de credos, batalhador, falível, sensual e respeitável. E as coisas encontradas nessa criatura permanecem imortais; as coisas encontradas na fantasia desse super-homem morreram com as civilizações agonizantes que o criaram. Quando Cristo, num momento simbólico, estabeleceu sua grande sociedade, não escolheu para pedra fundamental nem o brilhante Paulo nem o místico João, mas um embusteiro, arrogante e covarde – numa palavra, um homem. E sobre esta pedra construiu sua Igreja, e as portas do Inferno não prevalecerão. Todos os impérios e reinos se desvanecerão, pela fraqueza inerente e contínua de terem sido erigidos sobre homens fortes. Mas aquilo que é único, a Igreja cristã histórica, foi edificada sobre um homem fraco, e por essa razão é indestrutível. Pois nenhuma corrente é mais forte que o mais fraco dos elos.

G. K. Chesterton, Hereges

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O homem em discussão

Leonardo da Vinci, Homem Vitruviano (aprox. 1490),Gallerie dell’Accademia, Veneza

A consideração do homem na Suma Teológica não se reduz a algumas questões nas quais ele falou da lama humana e de sua criação à imagem de Deus no fim da primeira parte. De fato, esse estudo prossegue em toda a segunda parte, em que se encontram as indispensáveis considerações sobre os atos humanos, a liberdade, a consciência, as paixões, as virtudes, a vida social e as leis que a regem etc., sem omitir o fim da vida humana e os meios de graça que lhe permitem alcançá-lo. Não se poderia esquecer isso sem falsear totalmente a perspectiva do autor. O que se encontra na primeira parte é simplesmente o início dessa consideração em que Tomás começa situando o homem no vasto conjunto do universo. Segundo nossa própria linguagem, após ter falado de Deus em si mesmo, ele trata de Deus em sua relação com a criação. Uma vez que ele quer explorar o que significa o fato de que Deus seja princípio e fim de todas as coisas, deve falar da maneira pela qual as criaturas procedem de Deus: antes, a criação em si mesma, como ato de Deus, depois as diversas criaturas que compõem o universo criado. Distinguem-se sucessivamente três grandes categorias de seres saídos das mãos de Deus: os anjos, criaturas puramente espirituais; o mundo, criatura puramente corporal; e finalmente o homem, criatura ao mesmo tempo espiritual e corporal.

O simples enunciado dessa repartição da matéria nada diz ainda de seu conteúdo, mas permite ao menos entender a situação exata do homem nesse universo. Nem totalmente espiritual, nem totalmente corporal, ele é ao mesmo tempo um e outro, participando por sua alma do espírito e de sua imaterialidade, e por seu corpo da matéria e da corruptibilidade. Tomás convida o leitor a se maravilhar com essa criatura singular que lhe aparece como no ponto de junção entre dois mundos ao mesmo tempo em que resume em si a totalidade do universo:

Isso nos abre uma admirável perspectiva sob o encadeamento das coisas. Sempre, com efeito, o que há de mais humilde num determinado gênero toca aquilo que há de mais elevado no gênero imediatamente inferior. Assim, certos organismos animais rudimentares ultrapassam de pouco a vida das plantas: tais as ostras, imóveis, providas somente do tato, fixadas na terra como vegetais. Também Dionísio pode escrever: “A divina Sabedoria une os fins das realidades superiores aos princípios das realidades inferiores”. Entre os organismos animais, existe um, o corpo humano, dotado de uma complexidade perfeitamente equilibrada, que toca o que há de mais humilde no gênero superior, a saber, a alma humana, que ocupa o último degrau no gênero das substâncias intelectuais, como testemunha seu modo de intelecção. Vê-se por isso que a alma pensante pode ser considerada como uma espécie de horizonte e de linha fronteira (horizon et confinium) entre o universo corporal e o universo incorporal; substância incorporal, ela é, no entanto, forma de um corpo. E o composto formado pela alma intelectual e pelo corpo que ela anima é pelo menos também um, até mesmo mais, que o composto do fogo e sua matéria: mais a forma triunfa da matéria, mais forte é a unidade do composto.

Suma contra os gentios II 68, n. 1453

Esse texto é notável por mais de uma razão. Permite inicialmente dar-se conta de a que ponto seu autor se apresenta como o herdeiro da sabedoria dos antigos, porque ele combina aí na harmonia da síntese não somente temas, mas também Leia mais deste post

Tomás responde: A alma é o homem?

Ludovico Carracci (1555-1619), Anjo liberta as almas do purgatório

Parece que a alma é o homem:

1. Com efeito, diz a segunda Carta aos Coríntios: “Embora nosso homem exterior se corrompa, o que é interior renova-se dia a dia” (4, 16). Ora, o que é interior no homem é a alma. Logo, a alma é o homem interior.

2. Além disso, a alma humana é uma substância, não universal, mas particular. É, pois, uma hipóstase, isto é, uma pessoa, e uma pessoa humana. Portanto, a alma é o homem, uma vez que a pessoa humana é o homem.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, escreve Agostinho citando Varrão: “O homem não é só alma, nem só corpo, mas afirmamos que ele é simultaneamente alma e corpo”.

RESPONDO. Que a alma seja o homem pode-se entender de duas maneiras:

1. Que o homem é a alma, mas que este homem não o é, pois é composto de alma e de corpo; por exemplo, Sócrates. Digo isso, porque alguns afirmaram que só a forma é da razão da espécie, mas que a matéria é parte do indivíduo, não da espécie. Mas isso é falso, pois a natureza da espécie é significada pela definição. Contudo, a definição das coisas naturais não significa só a forma, mas a forma e a matéria. Por isso, a matéria é parte específica nas coisas naturais, não a matéria assinalada, que é o princípio da individuação, mas a matéria comum. Assim como é da razão deste homem ter esta alma, estas carnes e estes ossos, assim também é da razão de homem ter alma, carnes e ossos. Isso porque pertence à substância da espécie ter o que é comum à substância de todos os indivíduos contidos naquela espécie.

2. Que esta alma é este homem. É possível sustentar isso, se se afirma que Leia mais deste post

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