Tomás responde: A ressurreição de Cristo deveria ser manifestada a todos?

El_Greco_A_RessurreicaoEl Greco (1541-1614), A Ressurreição (entre 1596-1600), Museu do Prado, Madrid

Parece que a ressurreição de Cristo deveria ser manifestada a todos:

1. Na verdade, assim como um pecado público merece uma pena pública, conforme diz a primeira Carta a Tito: “àqueles que pecam, repreende-os diante de todos”, também um mérito público merece um prêmio público. Ora, “a claridade da ressurreição é o prêmio das humilhações da paixão”, como diz Agostinho. Logo, como a paixão de Cristo foi manifestada a todos, tendo ele sofrido publicamente, parece que a glória de sua ressurreição deveria ter sido manifestada a todos.

2. Além disso, assim como a paixão de Cristo tem por meta a nossa salvação, também a sua ressurreição, como diz a Carta aos Romanos: “Ressuscitou para nossa justificação”. Ora, o que é útil a todos deve ser de conhecimento de todos. Logo, a ressurreição de Cristo devia ser manifestada a todos, e não a alguns em especial.

3. Ademais, aqueles a quem a ressurreição foi manifestada foram testemunhas da ressurreição, por isso se diz no livro dos Atos dos Apóstolos: “Deus o ressuscitou dos mortos, disso nós somos testemunhas”. Ora, o testemunho, eles o davam ao pregar em público. O que não é apropriado às mulheres, conforme diz a primeira Carta aos Coríntios: “As mulheres calem-se nas assembléias  e a primeira Carta a Tito: “Não permito à mulher que ensine”. Logo, parece que não foi conveniente a ressurreição de Cristo ter sido manifestada primeiro às mulheres e só depois aos homens em geral.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o livros dos Atos dos Apóstolos: “Deus o ressuscitou ao terceiro dia e lhe concedeu manifestar a sua presença, não ao povo em geral, mas a testemunhas designadas de antemão por Deus”.

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De todas as coisas que se conhece, parte se sabe pela lei geral da natureza, parte por especial favor da graça, como o que é revelado por Deus. Sobre essas, a lei instituída por Deus, como diz Dionísio, é que sejam reveladas por Deus imediatamente aos superiores, por meio dos quais são passadas aos inferiores, como é claro na ordem dos espíritos celestes. As que se referem, porém, à futura glória excedem o conhecimento comum dos homens, conforme o que diz Isaías: “Nunca o olho viu, ó Deus, sem igual, o que preparaste para os que te amam”. Portanto, há coisas que não são do conhecimento dos homens, a menos que Deus os revele, como diz a primeira Carta aos Coríntios: “Foi a nós que Deus revelou por seu Espírito”. E porque Cristo ressuscitou de modo glorioso, sua ressurreição não foi manifestada a todos, mas a alguns, mediante cujo testemunho ela chegaria ao conhecimento dos demais.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. A paixão de Cristo se deu num corpo que tinha ainda uma natureza passível, que pela lei geral é de conhecimento de todos. Portanto, a paixão de Cristo pôde ser imediatamente conhecida por todos. Já a ressurreição de Cristo se deu Leia mais deste post

Tomás responde: A penitência é uma virtude?

El Greco (1541-1614), Maria Madalena penitente, Museu de Belas Artes de Budapeste, Hungria

Parece que a penitência não é uma virtude:

1. Com efeito, a penitência é um sacramento. Ora, nenhum outro sacramento é uma virtude. Logo, nem a penitência é uma virtude.

2. Além disso, o Filósofo ensina que a vergonha não é uma virtude, seja porque ela é uma paixão implicando uma mutação corporal, seja porque não é uma “disposição de um ser perfeito”, já que diz respeito a um ato torpe, que não tem lugar em homem virtuoso. Ora, de igual modo, a penitência é uma certa paixão que implica mutação corporal, a saber, o choro, como diz Gregório: “Fazer penitência é chorar os pecados passados”. Trata-se de feitos torpes, isto é, de pecados, que não têm lugar em homem virtuoso. Logo, a penitência não é uma virtude.

3. Ademais, o mesmo Filósofo observa que “entre os virtuosos não há nenhum estulto”. Ora, parece estulto fazer penitência de falta passada, que já não pode deixar de ter existido. E isto pertence à penitência. Logo, a penitência não é uma virtude.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, os preceitos da lei versam sobre atos de virtude, já que “o legislador se propõe fazer virtuosos os cidadãos”, como ensina Aristóteles. Ora, há um preceito da lei divina sobre a penitência, como o Evangelho de Mateus: “Fazei penitência” (3,2), etc. Logo, a penitência é uma virtude.

Fazer penitência é doer-se de algo cometido anteriormente. Já se viu também que a dor ou a tristeza pode ser considerada de duas maneiras. 1ª. Enquanto é uma paixão do apetite sensitivo. E sob este aspecto, a penitência não é uma virtude, mas uma paixão. 2ª. Enquanto é um ato da vontade. Nesse caso, ela implica certa escolha. E se esta é feita de maneira reta, pressupõe que seja um ato de virtude. Diz Aristóteles que a virtude é “um hábito de escolher conforme a reta razão”. Pertence, porém, à reta razão que alguém se doa daquilo de que se deve doer. E isso acontece na penitência, de que agora se trata. Pois, o penitente assume uma dor moderada dos pecados passados, com a intenção de afastá-los. Daí se segue que é claro ser a penitência, de que agora falamos, uma virtude ou ato de virtude.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. No sacramento da penitência, os atos humanos ocupam o lugar da matéria, o que não acontece no batismo nem na confirmação. Por esta razão, sendo a virtude o princípio de determinado ato, então a penitência é uma virtude, ou acompanhada de uma virtude, mais que Leia mais deste post

Tomás responde: Os sacramentos são causa da graça?

El Greco (1541-1614), Pentecostes (1600), Museu do Prado, Madrid

É preciso afirmar que os sacramentos da Nova Lei, de alguma maneira, causam a graça. É conhecido que por eles o homem é incorporado a Cristo, como o Apóstolo diz sobre o batismo: “Vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo” (Gl 3, 27). Mas, ninguém se torna membro de Cristo, senão pela graça.

Alguns dizem que os sacramentos não são causa da graça por efetuarem algo, mas porque Deus, quando usamos os sacramentos, produz a graça na alma. Dão como exemplo o homem que, apresentando uma senha de chumbo, recebe cem reais por ordem do rei: não que a senha faça algo para ele obter aquela quantia de dinheiro; a única causa é a vontade do rei. Nesse sentido, diz Bernardo: “Como o cônego recebe sua investidura pelo livro, o abade pelo báculo, o bispo pelo anel, assim as diversas distribuições das graças são conferidas pelos sacramentos”.

Mas, considerando bem, tal explicação ainda permanece no âmbito do sinal. Pois a senha de chumbo é apenas um sinal da ordem do rei para que o portador da senha receba tal dinheiro. Semelhantemente o livro é um sinal da transmissão da dignidade de cônego. Dentro dessa perspectiva, os sacramentos da Nova Lei seriam meros sinais da graça. No entanto, a autoridade de muitos Santos confirma que os sacramentos da Nova Lei não só significam, mas causam a graça.

Deve-se, pois, entender de outro modo. Há duas maneiras de considerar a causa agente: como causa principal e como causa instrumental. A causa principal atua por força de sua forma à qual se assemelha o efeito, como o fogo que aquece com seu calor. A causa principal da graça só pode ser Deus, porque a graça é uma semelhança participada da natureza divina, como diz a Carta de Pedro: “Foram-nos concedidos os bens do mais alto valor que nos tinham sido prometidos, para que, graças a eles, entrásseis em comunhão com a natureza divina”. Entretanto, a causa instrumental não atua por força de sua forma própria, mas só pelo movimento que lhe imprime o agente principal. Em consequência, o efeito não se assemelha ao instrumento, mas ao agente principal, como o leito não se parece com o machado, mas com o projeto que está na mente do artesão. É deste modo que os sacramentos da Nova Lei causam a graça: por ordem de Deus são utilizados para causar a graça nos homens. Por isso Agostinho afirma: “Tudo isso (a saber: o gesto sacramental) realiza-se e passa, mas a força que atua por eles, (por ser de Deus), permanece perenemente”.Chama-se propriamente instrumento aquilo pelo qual alguém atua. Por isso se lê: “Ele nos salvou pelo banho do novo nascimento” (Tm 3, 5).

Suma Teológica III, q. 62, a.1

Santo Tomás de Aquino, Igreja, Teologia, Filosofia

Diálogo com El Greco

El Greco, O Sepultamento do Conde de Orgaz (veja texto abaixo)

Entrou um homem, vestido à moda castelhana do século XVI. Eu o interpelei.

– Senhor, gostaria de olhar por trás desse véu.

Sem dizer palavra, o homem se aproximou, afastou o véu que cobria um grande quadro, e deu dois passos atrás. Eu estava realmente em Toledo, diante da obra-prima de El Greco, L’Enterrement du comte d’Orgaz [O sepultamento do conde de Orgaz]. Contemplei, sem dizer uma palavra. Meu olhar passava da terra ao céu. O homem que havia afastado o véu rompeu por primeiro o silêncio.

– É a primeira vez que vem a Toledo, senhor?

– Oh não! A primeira vez foi em 1924. Eu tinha vinte e três anos. Eu vinha já para O sepultamento do conde. Naquela época, a sala não era tão iluminada como hoje. O quadro estava mergulhado na obscuridade. Para vê-lo, era preciso acender uma pequena lâmpada. Eu ainda me vejo. Ao clarão da chama, na fumaça luminosa, aos reflexos do latão, descobri a terra e os cavaleiros, o céu e os anjos e a alma do conde que subia da terra ao céu. Assim, ia eu do tempo à eternidade e da eternidade ao tempo, como os anjos do sonho de Jacó, que sobem e descem ao longo da escada estendida da terra ao céu. No alto, a Virgem me acolhia. Em baixo, havia um extático em oração. A armadura do conde era tão fria quanto seu rosto de pedra. Um bispo vestido com uma casula de ouro. Os rostos tinham a gravidade dos mais altos mistérios.

– Por que evocar essa lembrança?

– Naquele tempo, ninguém podia abarcar de uma só olhada todo o quadro. Era preciso ir de um lugar a outro e, às vezes, raciocinar para recompor o todo graças à imaginação. Hoje, ele se oferece a mim inteiramente de um só golpe. É a imagem da diferença entre nosso conhecimento aqui de cima e aquele lá de baixo.

– Guitton, você gosta de ver?

– Quando eu vivia no mundo, eu não gostava de ver. Preferia ter visto. Hoje, prefiro ver. (Pausa). É curioso, eu lhe falo desde o além e isso lhe parece normal. Ademais, você está vestido de uma maneira engraçada. Estamos no século XXI. É o carnaval? Quem é você?

– Eu sou El Greco.

– Você é El Greco!

– Tão verdadeiro quanto você é Jean Guitton. Você está sendo sepultado em Paris e você se encontra em julgamento. Eu gosto disso. Então, dado que você veio a Toledo, eu vim para Leia mais deste post

Fragmentos: Caminho, Verdade e Vida

El Greco, Cristo carregando a cruz, 1580

Cristo havia ensinado muitas coisas aos seus a respeito do Pai e do Filho, mas ignoravam que é para o Pai que ele ia e que o Filho era o caminho pelo qual ele iria. É difícil com efeito ir ao Pai. Nada de admirável se eles o ignoravam! Porque, se Cristo em sua humanidade lhes era conhecido, não conheciam a não ser imperfeitamente sua divindade…

Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, responde Jesus. De repente, ele lhes revela o caminho e o termo do caminho… O caminho, nós já vimos, é Cristo. Isso se compreende porque é por ele que temos acesso ao Pai (Ef 2, 18) … Mas esse caminho não está afastado de seu termo, ele o toca; eis por que Cristo acrescenta: A Verdade e a Vida; ele é ao mesmo tempo uma e outra coisa: o caminho segundo sua humanidade; o termo segundo sua divindade…

O termo desse caminho é o fim de todo desejo humano. O homem deseja duas coisas sobretudo; uma que lhe é própria: conhecer a verdade; a outra que ele partilha com tudo o que existe: permanecer na existência. Ora, Cristo é a via para chegar à verdade, uma vez que ele é a Verdade…; ele é também a via para chegar à vida, uma vez que ele é a Vida … Assim, pois, Cristo é designado como via e como o termo; é o termo porque é por si mesmo tudo o que pode ser objeto de desejo: a Verdade e a Vida.

Se, pois, procuras a via, passa por Cristo: ele é o Caminho. Isaías (30, 21) profetizava: “é o caminho, segui-o”. Como diz santo Agostinho: “Passa pelo homem para chegar a deus”. “Mais vale claudicar no caminho do que se afastar firmemente para o lado”. Ainda que não avance rápido, aquele que duvida no bom caminho se aproxima do fim; aquele que caminha fora da via se afasta tanto mais quanto mais rapidamente corre.

Se procuras aonde ir, apega-te a Cristo: ele é a Verdade que todos desejamos alcançar … Se procuras onde te repousar, apega-te a Cristo, porque ele é a Vida … Apega-te, pois, a Cristo se queres estar em segurança; não poderás desviar porque ele é a via. Aqueles que se apegam a ele não caminham no deserto mas num caminho bem traçado … Igualmente, não poderás ser enganado porque é a verdade e ensina toda a verdade … Nem mesmo poderás ser perturbado, porque é a vida e dá a vida … Como repete santo Agostinho, quando o Senhor diz: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, é como se dissesse: Por onde queres ir? Eu sou o Caminho. Aonde queres ir? Eu sou a Verdade. Onde queres estar? Eu sou a Vida.

 

In Ioannem 14,6, lect. 2-3, n. 1.865-1.870

 

Tomás responde: Cristo está todo inteiro no sacramento da Eucaristia?

El Greco (Doménikos Theotokópoulos, 1541-1614),  A Última Ceia

Parece que Cristo não está todo neste sacramento:

1. Com efeito, Cristo começa a estar neste sacramento pela conversão do pão e do vinho. Ora, está claro que o pão e o vinho não podem converter-se nem na divindade de Cristo nem na sua alma. Logo, uma vez que Cristo está composto de três substâncias, a saber a divindade, a alma e o corpo, parece que Cristo não está todo neste sacramento.

2. Além disso, Cristo está neste sacramento como alimento dos fiéis, a modo de comida e de bebida. Ora, o Senhor diz: “A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida” (Jo 6, 56). Portanto, estão presentes neste sacramento somente a carne e o sangue de Cristo. Existem muitas outras partes do corpo de Cristo, por exemplo, os nervos, os ossos, etc. Logo, Cristo não está todo inteiro neste sacramento.

3. Ademais, um corpo de tamanho maior não pode estar todo inteiro Leia mais deste post

Passion in Arts – W.A. Mozart

Belíssimo vídeo com mestres da pintura representando a Paixão e música de Mozart.

Master paintings about Passion : Jesus Christ on His Way of the Cross. In this video there are exposed such a masters like: Hans Memmlink, Gaudio Reni, Giovanni Bellini, Bertram of Minden, Rogier van der Weyden, Peter Paul Rubens, Rembrandt, Giovanni Bellini, Rafael, Albrecht Durer, Ercole de Roberti, Agnolo Bronzino, Botticelli, El Greco, Caravaggio, Van Gogh, Matejko .

Requiem of Wolfgang Amadeus Mozart : Introitus-1 and Lacrimosa.