Tomás responde: A penitência é uma virtude?

El Greco (1541-1614), Maria Madalena penitente, Museu de Belas Artes de Budapeste, Hungria

Parece que a penitência não é uma virtude:

1. Com efeito, a penitência é um sacramento. Ora, nenhum outro sacramento é uma virtude. Logo, nem a penitência é uma virtude.

2. Além disso, o Filósofo ensina que a vergonha não é uma virtude, seja porque ela é uma paixão implicando uma mutação corporal, seja porque não é uma “disposição de um ser perfeito”, já que diz respeito a um ato torpe, que não tem lugar em homem virtuoso. Ora, de igual modo, a penitência é uma certa paixão que implica mutação corporal, a saber, o choro, como diz Gregório: “Fazer penitência é chorar os pecados passados”. Trata-se de feitos torpes, isto é, de pecados, que não têm lugar em homem virtuoso. Logo, a penitência não é uma virtude.

3. Ademais, o mesmo Filósofo observa que “entre os virtuosos não há nenhum estulto”. Ora, parece estulto fazer penitência de falta passada, que já não pode deixar de ter existido. E isto pertence à penitência. Logo, a penitência não é uma virtude.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, os preceitos da lei versam sobre atos de virtude, já que “o legislador se propõe fazer virtuosos os cidadãos”, como ensina Aristóteles. Ora, há um preceito da lei divina sobre a penitência, como o Evangelho de Mateus: “Fazei penitência” (3,2), etc. Logo, a penitência é uma virtude.

Fazer penitência é doer-se de algo cometido anteriormente. Já se viu também que a dor ou a tristeza pode ser considerada de duas maneiras. 1ª. Enquanto é uma paixão do apetite sensitivo. E sob este aspecto, a penitência não é uma virtude, mas uma paixão. 2ª. Enquanto é um ato da vontade. Nesse caso, ela implica certa escolha. E se esta é feita de maneira reta, pressupõe que seja um ato de virtude. Diz Aristóteles que a virtude é “um hábito de escolher conforme a reta razão”. Pertence, porém, à reta razão que alguém se doa daquilo de que se deve doer. E isso acontece na penitência, de que agora se trata. Pois, o penitente assume uma dor moderada dos pecados passados, com a intenção de afastá-los. Daí se segue que é claro ser a penitência, de que agora falamos, uma virtude ou ato de virtude.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. No sacramento da penitência, os atos humanos ocupam o lugar da matéria, o que não acontece no batismo nem na confirmação. Por esta razão, sendo a virtude o princípio de determinado ato, então a penitência é uma virtude, ou acompanhada de uma virtude, mais que Leia mais deste post

Tomás responde: As crianças alcançam no batismo a graça e as virtudes?

Parece que as crianças não alcançam no batismo a graça e as virtudes:

1. Com efeito, não há graça e virtudes sem fé e caridade. Ora, “a fé”, diz Agostinho, “reside na vontade de quem crê”. Semelhantemente a caridade reside na vontade de quem ama. As crianças não têm o uso de sua vontade e assim não têm nem fé nem caridade. Logo, as crianças não recebem no batismo a graça e as virtudes.

2. Além disso, sobre o texto do Evangelho de João “Fará até obras maiores”, diz Agostinho que, para que alguém, sendo ímpio, se torne justo, “Cristo age nele, mas não sem ele”. Ora, a criança, não tendo o uso do livre-arbítrio, não coopera com Cristo para sua justificação e às vezes até resiste, quanto está em seu poder. Logo, não é justificada pela graça e pelas virtudes.

3. Ademais, diz Paulo: “Para aquele que não realiza obras, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé é levada em conta de justiça, segundo o  propósito da graça de Deus”. Ora, a criança não “crê naquele que justifica o ímpio”. Logo, não alcança nem a graça da justificação nem as virtudes.

4. Ademais, o que se faz por intenção carnal, não tem efeito espiritual. Ora, às vezes as crianças são levadas ao batismo por intenção carnal, por exemplo: para que se curem corporalmente. Logo, não alcançam o efeito espiritual da graça e das virtudes.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, ensina Agostinho: “Renascendo as crianças morrem àquele pecado que contraíram nascendo. Por isso, vale delas o que diz Paulo: “Pelo batismo nós fomos sepultados com ele na sua morte” – e acrescenta: ‘a fim de que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, também nós levemos uma vida nova’”. Ora, a vida nova é a vida da graça e das virtudes. Logo, as crianças no batismo alcançam a graça e as virtudes.

Alguns autores antigos defenderam que o batismo não dá às crianças a graça e as virtudes, mas imprime-lhes o caráter de Cristo, por cuja força, quando chegam à idade perfeita, alcançam a graça e as virtudes.

Mas isso é evidentemente falso por dois motivos. Primeiro, porque, como os adultos, as crianças no batismo se tornam membros de Cristo. Segue-se que necessariamente recebem da cabeça o influxo da graça e das virtudes. Segundo, porque nesse caso as crianças que morrem depois do batismo, não chegariam à vida eterna, já que, como diz Paulo, “a graça de Deus é a vida eterna”. E assim terem sido batizadas não lhes teria adiantado nada para a salvação.

A causa do erro foi não terem sabido distinguir entre hábito e ato. Reconhecendo as crianças incapazes de atos de virtude, acreditaram que depois do batismo não tinham a virtude de nenhuma maneira. Mas essa impotência para atuar não ocorre nas crianças por falta dos hábitos, mas por um impedimento corporal, como também quem está dormindo, embora tenha o hábito das virtudes, está contudo impedido pelo sono de Leia mais deste post

Tomás responde: O martírio é um ato de virtude?

Henryk Siemieradzki (1843-1902): Mulher cristã é martirizada sob Nero, numa recriação do mito de Dirce (1897), Museu Nacional de Varsóvia

Parece que o martírio não é um ato de virtude:

1. Com efeito, todo ato de virtude é um ato voluntário. Ora, o martírio nem sempre é voluntário, como se vê pelos santos inocentes assassinados por causa do Cristo, a respeito dos quais Hilário escreve: “Foram levados ao ápice das alegrias eternas pela glória do martírio”. Logo, o martírio não é um ato de virtude.

2. Além disso, nenhum ilícito pode ser ato de virtude. Ora, matar a si próprio é ilícito. Entretanto, alguns martírios foram consumados desta maneira, conforme o relato de Agostinho: “No tempo das perseguições, algumas santas mulheres, para evitar os perseguidores de seu pudor, se lançaram ao rio e assim morreram; e seu martírio é celebrado na Igreja Católica com grande veneração”. Logo, o martírio não é um ato de virtude.

3. Ademais, é louvável que alguém se ofereça espontaneamente para cumprir um ato de virtude. Ora, não é louvável que alguém se apresente para o martírio, pois isto pode parecer presunçoso e perigoso. Logo, o martírio não é um ato de virtude.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, somente um ato de virtude pode merecer a recompensa da bem-aventurança eterna. Ora, esta recompensa se deve ao martírio, conforme a palavra do Evangelho: “Felizes aqueles que sofrem perseguição pelo amor da justiça, porque deles é o Reino dos Céus (Mt 5, 10). Logo, o martírio é um ato de virtude.

Cabe à virtude conservar alguém no bem da razão. Mas o bem da razão consiste na verdade, como em seu objeto próprio; e na justiça, como sendo seu efeito próprio. Ora, pertence à razão do martírio que o mártir se mantenha firme na verdade e na justiça contra os assaltos dos perseguidores. E fica assim claro que o martírio é um ato de virtude.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Alguns autores sustentaram que o uso do livre-arbítrio se tinha desenvolvido milagrosamente entre os santos Inocentes, de tal maneira que eles teriam sofrido o martírio voluntariamente. Mas, como isso não é confirmado por nenhum texto da Escritura Sagrada, é melhor dizer que a glória do martírio, que outros mereceram por sua própria vontade, aquelas crianças assassinadas conseguiram pela graça de Deus. Porque a efusão de sangue pelo Cristo faz as vezes do batismo. Portanto, assim como, para as crianças batizadas, o mérito de Cristo age, pelo batismo, para obter a glória, assim também, no caso das Leia mais deste post

Tomás responde: A esperança é uma virtude?

Jacques Du Broeucq, Estátua da Esperança (entre 1541-1545), Igreja Sainte-Waudru de Mons, Bélgica

Parece que a esperança não é uma virtude:

1. Com efeito, diz Agostinho: “Ninguém usa mal da virtude”. Ora, usa-se mal da esperança, porque ela comporta, como as outras paixões, meio e extremos. Logo, a esperança não é uma virtude.

2. Além disso, nenhuma virtude procede de méritos, porque “a virtude, Deus a opera em nós sem nós”, como diz Agostinho. Ora, “a esperança tem por origem a graça e os méritos”, como diz o Mestre das Sentenças. Logo, a esperança não é virtude.

3. Ademais, “A virtude é a disposição do que é perfeito”, diz o livro VII da Física. Ora, a esperança é disposição do que é imperfeito, isto é, daquele que não tem aquilo que espera. Logo, a esperança não é virtude.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, Gregório diz que as três filhas de Jó significam as três virtudes: fé, esperança e caridade. Logo, a esperança é uma virtude.

Segundo o Filósofo: “a virtude de cada coisa é o que torna bom o que a possui e torna boa a sua ação”. Logo, é necessário que onde se encontra um ato bom do homem, este ato corresponde a uma virtude humana. Ora, em todas as coisas submissas a regras e a medidas, o bem se reconhece pelo fato de que uma coisa atinge a sua regra própria; assim, dizemos que a roupa é boa, se não vai além nem aquém da medida devida. Ora, para os atos humanos, como foi dito acima (I-II, q.71, a.6), há duas medidas: uma imediata e homogênea, que é a razão; outra, suprema e transcendente, que é Deus. Por isso, todo ato humano que esteja de acordo com a razão ou com o próprio Deus é bom. Mas, o ato da esperança, do qual agora falamos, se refere a Deus. Com efeito, como já foi dito, quando se tratou da paixão da esperança, o objeto da esperança é um bem futuro, difícil, mas que se pode obter. Ora, uma coisa nos é possível, de dois modos: por nós mesmos ou por outrem, como está claro no livro III da Ética. Enquanto, pois, esperamos alguma coisa como possível pelo auxílio divino, nossa esperança se refere ao Leia mais deste post

Tomás responde: É efeito da lei tornar os homens bons?

Monge copista medieval, séc. XV

Parece que não é próprio da lei tornar os homens bons:

1. Os homens, com efeito, são bons pela virtude: “virtude”, com efeito, ‘é aquela que torna bom quem a possui”, como se diz no livro Ii da Ética. Ora, o homem tem a virtude somente por Deus: ele, com efeito, “a produz em nós sem nós”, como acima foi dito na definição de virtude (q.55 a.4). Logo, não é próprio da lei tornar os homens bons.

2. Além disso, a lei não aproveita ao homem, a não ser que ele obedeça à lei. Ora, o fato mesmo de o homem obedecer à lei procede da bondade. Logo, a bondade é pré-requerida no homem para a lei. A lei não torna, pois, os homens bons.

3. Ademais, a lei ordena-se ao bem comum, como acima foi dito. Ora, alguns se comportam bem naquelas coisas que pertencem ao bem comum, e não se comportam bem nas próprias. Logo, não pertence à lei fazer os homens bons.

4. Ademais, algumas leis são tirânicas, como diz o Filósofo. Ora, o tirano não tem em vista a bondade dos súditos, mas só a sua utilidade própria. Logo, não pertence à lei tornar os homens bons.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o Filósofo que “a vontade de qualquer legislador é de fazer bons os cidadãos”.

Como acima foi dito (q.90 a.1), a lei não é outra coisa que o ditame da razão no que preside, pelo qual os súditos são governados. E a virtude de qualquer súdito é submeter-se bem àquele pelo qual é governado, como vemos que as potências irascível e concupiscível consistem em que sejam bem obedientes à razão [Nota: O concupiscível e o irascível são, na síntese tomista, as duas tendências ou apetites da ordem da sensibilidade (o que é a vontade na ordem racional), o primeiro incidindo sobre realidades percebidas pelos sentidos ou representadas pela imaginação como convindo simplesmente ao sujeito que deseja, o segundo sendo despertado pela dificuldade em atingir essas mesmas realidades e exigindo, devido a isso, uma luta contra os obstáculos à satisfação do desejo]. E por esse modo “a virtude de qualquer súdito é submeter-se bem ao príncipe”, como diz o Filósofo. Qualquer lei ordena-se, pois, a que Leia mais deste post

Tomás responde: O ato sexual pode existir sem pecado?

Raffaello Sanzio (1483-1520), As Três Graças, 1504-1505

Parece que não pode haver ato sexual sem pecado:

1. Com efeito, nada parece ser obstáculo à virtude como o pecado. Ora, todo ato sexual é um obstáculo máximo à virtude, pois Agostinho diz: “Creio que nada derruba tanto o ânimo varonil como as carícias femininas e as intimidades corporais”. Logo, parece que não há ato sexual sem pecado.

2. Além disso, onde houver algo excessivo que nos aparte do bem racional, aí haverá algo vicioso, pois tanto o excesso como a falta destroem a virtude, ensina o Filósofo. Ora, em todo ato sexual há um excesso de prazer, que absorve a razão de tal forma que “ela não consegue refletir sobre coisa alguma nesse momento”, diz o Filósofo e, adverte Jerônimo, nesse ato o espírito de profecia não tocava o coração dos profetas. Logo, nenhum ato sexual pode ocorrer sem pecado.

3. Ademais, a causa é mais importante que o efeito. Ora, o pecado original é transmitido às crianças pela concupiscência, sem a qual não pode existir o ato sexual, como demonstra Agostinho. Logo, nenhum ato sexual pode realizar-se sem pecado.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz Agostinho: “Já foi bastante explicado aos hereges, se é que eles querem compreender: não existe pecado no que não contraria a natureza, nem os costumes, nem a lei”. E ele está falando do ato carnal, que os antigos patriarcas praticavam com várias esposas. Logo, nem todo ato sexual é pecado.

RESPONDO. Nos atos humanos, o pecado consiste naquilo que contraria a ordem racional e essa ordem exige que se oriente cada coisa ao seu fim. Não há pecado, portanto, quando o homem usa de certas coisas respeitando o fim para o qual existem, na medida e na ordem convenientes, desde que esse fim seja, realmente, bom. Ora, como é realmente um bem conservar a natureza corpórea do indivíduo, assim também é um bem excelente conservar a natureza da espécie. E como o alimento está destinado à conservação da vida individual, assim também a atividade sexual está dirigida à conservação de todo o gênero humano. Razão por que Agostinho pode dizer: “O que é a comida para a vida individual é a relação sexual para o bem da espécie”. Portanto, como pode a alimentação ser sem pecado, feita na ordem e medida devidas, como o requer a saúde do corpo, também pode Leia mais deste post

Tomás responde: Pode haver alguma virtude na prática de jogos e brincadeiras?

Pieter Brueghel, Jogos de Criança, 1560 (clique para ampliar)

Parece que nas atividades lúdicas não pode haver alguma virtude:

1. Com efeito, afirma Ambrosio: “o Senhor diz, ‘Ai de vós, os que rides, porque chorareis!’. Penso, então, que é preciso evitar não só os divertimentos exagerados, mas todos”. Ora, o que pode ser praticado virtuosamente, não deve ser evitado de todo. Logo, não pode haver virtude alguma nos jogos.

2. Além disso, “a virtude é algo pelo qual Deus age em nós, sem nós”, como foi dito antes (I-II, q. 55, a. 4). Ora, Crisóstomo diz: “Não é Deus que nos inspira ao jogo, mas o diabo. Ouve o que, certa feita, aconteceu com os que se divertiam: Leia mais deste post

Tomás responde: A amizade é uma virtude especial?

(Clique para ampliar)

Parece que a amizade não é uma virtude especial:

1. Com efeito, Aristóteles afirma que “a amizade perfeita é aquela que se fundamenta na virtude”. Ora, toda virtude é causa de amizade, porque, segundo Dionísio, “o bom é amável para todo mundo”. Logo, a amizade não é uma virtude especial, mas a conseqüência de toda virtude.

2. Além disso, Aristóteles diz, a respeito de um amigo, “que não é nem por amor nem por falta de amor que ele recebe todas as coisas como convém”. Ora, quando alguém exibe sinais de amizade àqueles que não ama, pratica algo do gênero da simulação, que repugna à virtude. Logo, esta amizade não é uma virtude.

3. Ademais, Aristóteles diz que Leia mais deste post

%d blogueiros gostam disto: