Tomás responde: A eucaristia é o principal sacramento?

Leonardo_da_Vinci_(1452-1519)_-_The_Last_Supper_(1495-1498)Leonardo da Vinci (1452-1519), A Última Ceia (1495-1498)

Parece que o sacramento da eucaristia não é o principal sacramento:

1. Com efeito, o bem comum é maior que o bem individual, como diz Aristóteles. Ora, o matrimônio visa o bem comum da espécie humana realizado pela geração, enquanto a eucaristia visa ao bem próprio de quem a recebe. Logo, não é o principal sacramento.

2. Além disso, mais dignos deveriam ser os sacramentos conferidos por um ministro de maior categoria. Ora, os sacramentos da confirmação e da ordem são conferidos exclusivamente pelo bispo, que é superior ao simples sacerdote, ministro do sacramento da eucaristia. Logo, aqueles sacramentos são mais importantes.

3 Ademais, os sacramentos tem tanto maior valor quanto maior sua força. Ora, o batismo, a confirmação e a ordem imprimem caráter, não porém a eucaristia. Logo, aqueles sacramentos são mais importantes.

4. Ademais, é mais digno aquilo do qual os outros dependem e não ao contrário. Ora, a eucaristia depende do batismo, pois ninguém pode receber a eucaristia se não for batizado. Logo, o batismo é mais digno que a eucaristia.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, Dionísio ensina: “Nenhuma função sacramental atinge seu termo sem a santíssima eucaristia”. Logo, este sacramento é, entre todos, o mais importante e o que remata os demais.

Tomas_RespondoFalando em absoluto, o sacramento da eucaristia é o principal sacramento. Três argumentos o mostram:

1º. Porque nela está contido substancialmente o próprio Cristo; enquanto que os outros sacramentos contêm apenas uma força instrumental que participa de Cristo. Ora, em todos os âmbitos, o que é por essência é mais digno do que aquilo que é por participação.

2º. Pela ordem recíproca dos sacramentos, pois todos os demais sacramentos parecem orientar-se a este como a seu fim. O sacramento da ordem visa à consagração da eucaristia. O batismo se orienta à recepção da eucaristia e recebe uma última demão no sacramento da confirmação, que visa a que ninguém, por respeito a tão grande sacramento, deixe de recebê-lo. Pela penitência e pela extrema unção o homem se prepara para tomar dignamente o corpo de Cristo. O matrimônio, pelo menos por seu significado, está próximo a este sacramento, enquanto significa a união de Cristo com a Igreja, cuja unidade é figurada pelo sacramento da eucaristia. Por isso o Apóstolo escreve: “Este mistério é grande: eu, por mim, declaro que ele concerne ao Cristo e à Igreja” (Ef 5, 32).

3º. Pelo rito dos sacramentos, pois quase todos os sacramentos atingem seu termo na eucaristia, como diz Dionísio. Isso fica claro pelo fato de os neo-ordenados comungarem e também os neo-batizados, se são adultos. Leia mais deste post

Tomás responde: As crianças alcançam no batismo a graça e as virtudes?

Parece que as crianças não alcançam no batismo a graça e as virtudes:

1. Com efeito, não há graça e virtudes sem fé e caridade. Ora, “a fé”, diz Agostinho, “reside na vontade de quem crê”. Semelhantemente a caridade reside na vontade de quem ama. As crianças não têm o uso de sua vontade e assim não têm nem fé nem caridade. Logo, as crianças não recebem no batismo a graça e as virtudes.

2. Além disso, sobre o texto do Evangelho de João “Fará até obras maiores”, diz Agostinho que, para que alguém, sendo ímpio, se torne justo, “Cristo age nele, mas não sem ele”. Ora, a criança, não tendo o uso do livre-arbítrio, não coopera com Cristo para sua justificação e às vezes até resiste, quanto está em seu poder. Logo, não é justificada pela graça e pelas virtudes.

3. Ademais, diz Paulo: “Para aquele que não realiza obras, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé é levada em conta de justiça, segundo o  propósito da graça de Deus”. Ora, a criança não “crê naquele que justifica o ímpio”. Logo, não alcança nem a graça da justificação nem as virtudes.

4. Ademais, o que se faz por intenção carnal, não tem efeito espiritual. Ora, às vezes as crianças são levadas ao batismo por intenção carnal, por exemplo: para que se curem corporalmente. Logo, não alcançam o efeito espiritual da graça e das virtudes.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, ensina Agostinho: “Renascendo as crianças morrem àquele pecado que contraíram nascendo. Por isso, vale delas o que diz Paulo: “Pelo batismo nós fomos sepultados com ele na sua morte” – e acrescenta: ‘a fim de que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, também nós levemos uma vida nova’”. Ora, a vida nova é a vida da graça e das virtudes. Logo, as crianças no batismo alcançam a graça e as virtudes.

Alguns autores antigos defenderam que o batismo não dá às crianças a graça e as virtudes, mas imprime-lhes o caráter de Cristo, por cuja força, quando chegam à idade perfeita, alcançam a graça e as virtudes.

Mas isso é evidentemente falso por dois motivos. Primeiro, porque, como os adultos, as crianças no batismo se tornam membros de Cristo. Segue-se que necessariamente recebem da cabeça o influxo da graça e das virtudes. Segundo, porque nesse caso as crianças que morrem depois do batismo, não chegariam à vida eterna, já que, como diz Paulo, “a graça de Deus é a vida eterna”. E assim terem sido batizadas não lhes teria adiantado nada para a salvação.

A causa do erro foi não terem sabido distinguir entre hábito e ato. Reconhecendo as crianças incapazes de atos de virtude, acreditaram que depois do batismo não tinham a virtude de nenhuma maneira. Mas essa impotência para atuar não ocorre nas crianças por falta dos hábitos, mas por um impedimento corporal, como também quem está dormindo, embora tenha o hábito das virtudes, está contudo impedido pelo sono de Leia mais deste post

Tomás responde: Os sacramentos são causa da graça?

El Greco (1541-1614), Pentecostes (1600), Museu do Prado, Madrid

É preciso afirmar que os sacramentos da Nova Lei, de alguma maneira, causam a graça. É conhecido que por eles o homem é incorporado a Cristo, como o Apóstolo diz sobre o batismo: “Vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo” (Gl 3, 27). Mas, ninguém se torna membro de Cristo, senão pela graça.

Alguns dizem que os sacramentos não são causa da graça por efetuarem algo, mas porque Deus, quando usamos os sacramentos, produz a graça na alma. Dão como exemplo o homem que, apresentando uma senha de chumbo, recebe cem reais por ordem do rei: não que a senha faça algo para ele obter aquela quantia de dinheiro; a única causa é a vontade do rei. Nesse sentido, diz Bernardo: “Como o cônego recebe sua investidura pelo livro, o abade pelo báculo, o bispo pelo anel, assim as diversas distribuições das graças são conferidas pelos sacramentos”.

Mas, considerando bem, tal explicação ainda permanece no âmbito do sinal. Pois a senha de chumbo é apenas um sinal da ordem do rei para que o portador da senha receba tal dinheiro. Semelhantemente o livro é um sinal da transmissão da dignidade de cônego. Dentro dessa perspectiva, os sacramentos da Nova Lei seriam meros sinais da graça. No entanto, a autoridade de muitos Santos confirma que os sacramentos da Nova Lei não só significam, mas causam a graça.

Deve-se, pois, entender de outro modo. Há duas maneiras de considerar a causa agente: como causa principal e como causa instrumental. A causa principal atua por força de sua forma à qual se assemelha o efeito, como o fogo que aquece com seu calor. A causa principal da graça só pode ser Deus, porque a graça é uma semelhança participada da natureza divina, como diz a Carta de Pedro: “Foram-nos concedidos os bens do mais alto valor que nos tinham sido prometidos, para que, graças a eles, entrásseis em comunhão com a natureza divina”. Entretanto, a causa instrumental não atua por força de sua forma própria, mas só pelo movimento que lhe imprime o agente principal. Em consequência, o efeito não se assemelha ao instrumento, mas ao agente principal, como o leito não se parece com o machado, mas com o projeto que está na mente do artesão. É deste modo que os sacramentos da Nova Lei causam a graça: por ordem de Deus são utilizados para causar a graça nos homens. Por isso Agostinho afirma: “Tudo isso (a saber: o gesto sacramental) realiza-se e passa, mas a força que atua por eles, (por ser de Deus), permanece perenemente”.Chama-se propriamente instrumento aquilo pelo qual alguém atua. Por isso se lê: “Ele nos salvou pelo banho do novo nascimento” (Tm 3, 5).

Suma Teológica III, q. 62, a.1

Santo Tomás de Aquino, Igreja, Teologia, Filosofia

Tomás responde: Os sacramentos são necessários à salvação humana?

Rogier van der Weyden, Os Sete Sacramentos (1445)

Parece que os sacramentos não são necessários à salvação humana:

1. Com efeito, o Apóstolo diz: “O exercício corporal é de escassa utilidade”. Ora, os sacramentos implicam um exercício corporal, pois seu significado é expresso por realidades sensíveis acompanhadas de palavras. Logo, os sacramentos não são necessários à salvação humana.

2. Além disso, na Carta aos Coríntios é dito: “A minha graça te basta”. Não bastaria, se os sacramentos fossem necessários à salvação. Logo, os sacramentos não são necessários à salvação humana.

3. Ademais, se a causa é suficiente, nada mais é preciso para produzir o efeito. Ora, a paixão de Cristo é causa suficiente de nossa salvação, pois diz o Apóstolo: “Se, quando éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com ele pela morte do seu Filho, com muito maior razão, reconciliados, seremos salvos por sua vida”. Logo, não se requerem os sacramentos para a salvação humana.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, Agostinho afirma: “Não se podem congregar sob nenhuma denominação religiosa, falsa ou verdadeira, se não se unem pela participação em manifestações ou sacramentos visíveis”. Ora, é necessário à salvação que os homens se reúnam sob a égide da verdadeira religião. Logo, os sacramentos são necessários à salvação humana.

Os sacramentos são necessários à salvação humana por três razões. A primeira provém da condição da natureza humana. É-lhe próprio proceder do corporal e sensível ao espiritual e inteligível. Ora, cabe à divina providência prover a cada um segundo sua condição e modo próprios. A sabedoria divina age, pois, harmoniosamente quando atribui ao homem os auxílios necessários à salvação sob os sinais corporais e sensíveis que se chamam sacramentos.

A segunda razão é tomada do estado em que de fato se encontra o homem: tendo pecado, submeteu-se às realidades corporais, pondo nelas seu afeto. Ora, aplica-se o remédio no lugar onde se sofre a doença. Era, pois, conveniente que Deus se servisse de sinais corporais para administrar ao homem um remédio espiritual que, proposto de maneira puramente espiritual, seria inacessível a seu espírito, entregue às realidades corporais.

A terceira razão se propõe, tendo em vista que a ação humana se desenvolve predominantemente no Leia mais deste post

Tomás responde: É a penitência um sacramento?

Raffaello Sanzio (1483-1520), São João Batista (1518)

Parece que a penitência não é um sacramento:

1. Com efeito, Gregório diz e encontra-se nos Decretos: “Os sacramentos são o batismo, a crisma, o corpo e o sangue de Cristo, que são chamados sacramentos porque, sob a veste de realidades corporais, o poder divino opera invisivelmente a salvação”. Ora, isto não acontece na penitência, porque aí não se utilizam realidades corporais sob as quais o poder divino atua a salvação. Logo, a penitência não é um sacramento.

2. Além disso, os sacramentos da Igreja são administrados pelos ministros da Igreja, conforme o dito de Paulo: “Considerem-nos portanto como servos de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1Cor 4, 1). Ora, a penitência não é administrada pelos ministros de Cristo, mas é inspirada interiormente por Deus aos homens, segundo o profeta: “Depois que me converteste, eu fiz penitência”. Logo, parece que a penitência não é um sacramento.

3. Ademais, nos sacramentos há um elemento que é o “sinal somente”, um outro que é “a realidade e o sinal” e um terceiro que é “a realidade somente”. Ora, isto não ocorre no sacramento da penitência. Logo, a penitência não é um sacramento.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, assim como o batismo purifica do pecado, assim também a penitência. Daí se entende o que Pedro disse a Simão: “Faça penitência, portanto, da tua maldade” (At 8, 22). Ora, o batismo é um sacramento. Logo, pela mesma razão a penitência.

Gregório, na passagem acima citada na primeira objeção, diz: “O sacramento consiste num rito feito de tal modo que recebemos aí simbolicamente o que devemos receber santamente”. Ora, é evidente que, na penitência, o rito se faz de tal maneira que significa algo de santo, tanto da parte do pecador penitente, quanto da parte do sacerdote que o absolve. Pois o pecador penitente, pelas palavras e ações mostra ter afastado seu coração do pecado. De igual modo, o sacerdote, pelas palavras e ações dirigidas ao penitente, significa o obra de Deus que perdoa o pecado. Por isso, é claro que a penitência na Igreja é um sacramento.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Pelo termo “realidades corporais” entendem-se, em sentido amplo, os atos sensíveis exteriores. Eles são na penitência o que é a água no batismo e o óleo do crisma na confirmação. Deve-se notar que nos sacramentos em que se confere uma graça superior que ultrapassa toda possibilidade da atividade humana, usa-se alguma Leia mais deste post

Tomás responde: Um leigo pode batizar?

Andrea del Verrocchio e Leonardo da Vinci, O Batismo de Cristo (1475)

Parece que um leigo não pode batizar:

1. Com efeito, batizar cabe propriamente à ordem sacerdotal. Ora, o que é próprio de uma ordem não pode ser confiado a quem não tem essa ordem. Logo, um leigo, que não recebeu as ordem, não poderia batizar.

2. Além disso, batizar é algo maior que outros sacramentais que completam o batismo, tais como a catequese, os exorcismos, a bênção da água batismal. Ora, os leigos não podem administrar esses sacramentais, mas só os sacerdotes. Logo, muito menos poderiam batizar.

3. Ademais, a penitência como o batismo é um sacramento de primeira necessidade. Ora, um leigo não pode absolver no foro penitencial. Logo, tampouco pode batizar.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Papa Gelásio e Isidoro dizem que “se concede ordinariamente aos cristãos leigos batizar em caso de extrema necessidade”.

Convém à misericórdia de quem “quer que todos os homens se salvem”, que permita encontrar-se facilmente o remédio necessário para a salvação. Ora, o batismo é o sacramento mais necessário de todos, pois é o novo nascimento do homem para a vida espiritual. Às crianças não se pode socorrer de outra maneira e os adultos só pelo batismo podem alcançar a plena remissão da culpa e da pena. Por isso, para que o homem não corra o risco de ficar privado de remédio tão necessário, ficou estabelecido que a matéria do batismo seja uma matéria comum, a água, que qualquer um pode obter, e o ministro da batismo seja também qualquer um, mesmo não ordenado, para que ninguém venha a sofrer a perda de sua salvação por falta do batismo.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Reserva-se à ordem sacerdotal batizar por motivo de conveniência e solenidade, mas isto não é Leia mais deste post

Tomás responde: Cristo está todo inteiro no sacramento da Eucaristia?

El Greco (Doménikos Theotokópoulos, 1541-1614),  A Última Ceia

Parece que Cristo não está todo neste sacramento:

1. Com efeito, Cristo começa a estar neste sacramento pela conversão do pão e do vinho. Ora, está claro que o pão e o vinho não podem converter-se nem na divindade de Cristo nem na sua alma. Logo, uma vez que Cristo está composto de três substâncias, a saber a divindade, a alma e o corpo, parece que Cristo não está todo neste sacramento.

2. Além disso, Cristo está neste sacramento como alimento dos fiéis, a modo de comida e de bebida. Ora, o Senhor diz: “A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida” (Jo 6, 56). Portanto, estão presentes neste sacramento somente a carne e o sangue de Cristo. Existem muitas outras partes do corpo de Cristo, por exemplo, os nervos, os ossos, etc. Logo, Cristo não está todo inteiro neste sacramento.

3. Ademais, um corpo de tamanho maior não pode estar todo inteiro Leia mais deste post

Tomás responde: O sacramento da Eucaristia é necessário para a salvação?

Tintoretto, A Última Ceia, 1592

Poderia parecer que a eucaristia é necessária à salvação, visto que:

1) Com efeito, o Senhor diz: “Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6, 54). Ora, neste sacramento se come a carne de Cristo e se bebe o seu sangue. Logo, sem ele o homem não pode ter a salvação da vida espiritual.

2) Além disso, este sacramento é um alimento espiritual. Ora, o alimento corporal é necessário para a saúde do corpo. Logo, também este sacramento é necessário à salvação espiritual.

3) Ademais, Leia mais deste post

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