Tomás responde: É necessário para a salvação restituir o que foi tirado?

Jesus_Zaqueu_Sao_Marcos_VenezaJesus e Zaqueu, mosaico, Basílica de São Marcos, Veneza

“… e se defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo. Jesus lhe disse: hoje a salvação entrou nesta casa…”

Lc 19, 8-9

Parece que não é necessário par a salvação restituir o que foi tirado:

1. Com efeito, o que é impossível não é de necessidade para a salvação. Ora, às vezes se torna impossível restituir o que foi tirado, quando se trata, por exemplo, de um membro ou da vida. Logo, não parece ser necessário para a salvação que alguém restitua o que tirou de outro.

2. Além disso, cometer pecado não é de necessidade para a salvação, pois, nesse caso, o homem estaria perplexo. Ora, por vezes, o que foi tirado não pode ser restituído sem pecado. Tal o caso de quem lesou a fama de outrem, dizendo a verdade. Logo, não é de necessidade para a salvação restituir o que foi tirado.

3. Ademais, não se pode fazer com que o que foi feito não tenha sido feito. Ora, por vezes, alguém perde a honra por ter sofrido ofensa injusta de outrem. Logo, não se pode restituir o que lhe foi tirado. Essa restituição não é, pois, de necessidade para a salvação.

4. Ademais, impedir a obtenção de um bem equivale a tirá-lo, pois “quando falta pouco para consegui-lo, é como não faltasse nada”, diz o Filósofo. Ora, quem impede alguém de alcançar uma prebenda ou um bem semelhante, não parece obrigado a restituir a prebenda, o que, por vezes, nem poderia fazer. Logo, não é de necessidade para a salvação restituir o que se tirou.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, declara Agostinho: “Não se perdoa o pecado, se não se restitui o roubado”.

Tomas_RespondoComo foi dito (art. prec.), a restituição é um ato da justiça comutativa, que consiste em uma certa igualdade.  A restituição exige, pois, a entrega da coisa mesma que foi injustamente tirada. Assim, por sua reposição se restaura a igualdade. Se algo, entretanto, foi tirado justamente, haveria desigualdade em caso de restituição, pois a justiça consiste na igualdade. Como observar a justiça é de necessidade para a salvação, por conseguinte é de necessidade para a salvação restituir o que foi injustamente tirado.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Se é impossível dar uma compensação equivalente, basta compensar o que é possível. É o que se vê claramente no tocante às “honras devidas a Deus e aos pais”, na expressão do Filósofo. Por isso, quando o que foi tirado não é restituível por algo de igual, deve-se dar a compensação que for possível. Assim, quem privou outrem de um membro deve compensá-lo em dinheiro ou por alguma honra, consideradas as condições de ambas as pessoas, conforme arbítrio de um homem de bem. Leia mais deste post

Tomás responde: É o sacramento da penitência necessário para a salvação?

Jesus e Zaqueu, mosaico na Basílica de São Marcos, Veneza

Parece que este sacramento não é necessário para a salvação:

1. Com efeito, sobre estas palavras do salmista: “Quem semeou nas lágrimas etc.” (Sl 125, 5), comenta a Glosa: “Não fiques triste, se tens boa vontade, porque então se colhe a paz”. Ora, a tristeza pertence à natureza da penitência, conforme o dito de Paulo: “Pois a tristeza segundo Deus produz um arrependimento que conduz à salvação”. Logo, a boa vontade, sem a penitência, é suficiente para a salvação.

2. Além disso, lê-se no livro dos Provérbios: “O amor encobre todas as faltas” (10, 12) e mais abaixo: “A misericórdia e a fé apagam os pecados” (15, 27). Ora, este sacramento só existe para apagar os pecados. Logo, tendo caridade, fé e misericórdia, qualquer um pode alcançar a salvação, mesmo sem o sacramento da Penitência.

3. Ademais, os sacramentos da Igreja foram instituídos por Cristo. Ora, lê-se que Cristo perdoou a mulher adúltera sem penitência. Logo, parece que a penitência não é necessária para a salvação.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Senhor diz: “Se vós não fizerdes penitência, vós todos perecereis igualmente” (Lc 13, 5).

Algo é necessário para a salvação de duas maneiras: de maneira absoluta e de maneira condicional. É absolutamente necessário para a salvação aquilo sem o que ninguém pode alcançar a salvação, como a graça de Cristo, o sacramento do Batismo, pelo qual se renasce em Cristo. O sacramento da Penitência é necessário sob condição, já que não é necessário para todos, mas somente para os que estão sob o jugo do pecado. Pois, lê-se no livro dos Paralipômenos: “Tu, Senhor, Deus dos justos, tu não instituíste a penitência para os justos Abraão, Isaac e Jacó, para estes que não te ofenderam”.

Mas “o pecado, tendo sido consumado, gera a morte”, diz a Carta de Tiago. Por isso, é necessário para a salvação do pecador que ele seja libertado do pecado. Isto não pode ser feito sem o sacramento da penitência, no qual atua o poder da paixão de Cristo por meio da absolvição do sacerdote juntamente com o ato do penitente, que coopera com a graça para a destruição do pecado, como, aliás, ensina Agostinho: “Quem te Leia mais deste post

Fragmentos: Os benefícios de Cristo segundo sua humanidade

(o apóstolo mostra que Cristo não pode nem acusar nem condenar aqueles pelos quais derramou seu sangue [cf. Rm 8, 31-39]); ao contrário, ele concede aos santos grandes benefícios segundo sua humanidade e segundo sua divindade. Segundo sua humanidade, Paulo menciona quatro benefícios:

1. Sua morte por nossa salvação …

2. Sua ressurreição, pela qual nos dá a vida: vida espiritual sobre esta terra, vida corporal no mundo futuro … Sublinha a ressurreição (“Que digo eu? Ressuscitado”), porque na hora atual devemos fazer memória antes do poder da ressurreição do que da fraqueza da paixão.

3. Sua própria exaltação pelo Pai, quando diz “que está à direita de Deus”, isto é, numa situação de igualdade com Deus Pai segundo a natureza divina e em posse dos melhores bens segundo a natureza humana. E isso vale para nossa própria glória, porque assim diz o Apóstolo: “Com ele nos ressuscitou e nos fez sentar nos céus em Jesus Cristo” (Ef 2, 6). Uma vez que somos seus membros nos sentamos com ele em Deus Pai …

4. Sua intercessão por nós, quando diz: “Ele interpela por nós”, como se ele fosse nosso advogado. “Temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo” (1Jo 2, 1). Cabe ao advogado não acusar ou condenar, mas, ao contrário, repelir a acusação e impedir a condenação. Ele intercede por nós de duas maneiras. Primeira, rezando por nós … e sua prece por nós é sua vontade de nossa salvação: “Quero que lá onde estou eles também estejam comigo” (Jo 17, 24). A outra maneira de interceder por nós é apresentar ao olhar do Pai a humanidade que assumiu por nós e os mistérios que nela viveu: “Ele entrou no céu a fim de estar agora diante da face de Deus em nosso favor”.

(In ad Romanos 8, 33-34, lect. 7, n. 719-720)

Tomás de Aquino, Santo Tomás, Suma Teológica, (186)

Tomás responde: Com sua descida aos infernos, Cristo libertou as almas do purgatório?

Friedrich Pacher, Cristo no Limbo (clique para ampliar)

Não por fazer perdi – por não fazer –
a vista do alto Sol, ao qual não miro,
por muito tarde o vir a conhecer.

Não é de pena lá nosso retiro,
mas só de escuridão, onde o lamento
não como grito soa, mas só suspiro.

De todo infante, é lá esse o lamento,
pelas garras da morte antes tolhido
de poder ser de humana culpa isento;

e lá estou eu co’ os que não têm vestido
as três santas virtudes, mas sem vício
as outras conheceram e as têm cumprido.

(Purgatório, Canto VII)

Parece que Cristo, com sua descida aos infernos, libertou as almas do purgatório:

1. Na verdade, diz Agostinho: “Como evidentes testemunhos fazem menção dos infernos e de suas dores, nenhum motivo existe que nos leve a acreditar que o Salvador para lá tenha descido senão de o livrar dessas dores não sei se todos os que lá encontrou ou se alguns que considerou dignos desse benefício. Não tenho dúvidas, porém, de que Cristo desceu aos infernos e concedeu esse benefício aos que sofriam com suas dores”. Mas não concedeu o benefício da libertação aos condenados, como foi dito acima (a. 6). Ora, além deles não há mais ninguém a suportar as dores da pena senão os que estão no purgatório. Logo, Cristo libertou as almas do purgatório.

2. Além disso, a própria presença da alma de Cristo não teve um efeito menor que o de seus sacramentos. Ora, pelos sacramentos de Cristo, libertam-se as almas do purgatório, principalmente pelo sacramento da Eucaristia. Logo, com mais razão, as almas foram libertadas do purgatório pela presença de Cristo, que desceu aos infernos.

3. Ademais, diz Agostinho que Cristo curou de modo completo todos os que curou nesta vida. E diz também o Senhor no Evangelho de João: “Curei completamente um homem num dia de sábado” (7, 23). Ora, aqueles que estavam no purgatório, Cristo os livrou da dívida da pena do dano, que os excluía da glória. Logo, também os livrou da dívida da pena do purgatório.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz Gregório: “Uma vez que nosso Criador e Redentor, ao penetrar nos claustros infernais, de lá retirou as almas dos eleitos, não permite ele que nós vamos para o lugar de onde, com sua descida, já libertou outros”. Ora, ele permite que nós vamos para o purgatório. Portanto, ao descer aos infernos, não libertou as almas do purgatório.

RESPONDO. Como já se disse, a descida de Cristo aos infernos teve caráter libertador pelo poder de sua paixão. Ora, a paixão dele não tem um poder temporal e transitório, mas para sempre, conforme diz a Carta aos Hebreus: “Por uma única oblação levou para sempre à perfeição os que santificou” (10, 14). Fica claro, assim, que a paixão de Cristo não teve então maior eficácia do que tem agora. Logo, aqueles que eram iguais aos que agora estão no purgatório não foram libertados do purgatório pela descida de Cristo aos infernos. Mas se Leia mais deste post

Tomás responde: Cristo deveria sofrer na cruz?

Caravaggio, Crucificação de São Pedro, 1600-1601 (clique para ampliar)

Parece que Cristo não deveria sofrer na cruz:

1. Com efeito, a realidade deve corresponder à prefiguração. Ora, no passado, todos os sacrifícios do Antigo Testamento ocorreram como figura de Cristo e neles os animais eram mortos pela espada, sendo depois cremados. Logo, parece que Cristo não deveria morrer na cruz, mas, de preferência, pela espada ou pelo fogo.

2. Além disso, Damasceno diz que Cristo não tinha de assumir “sofrimentos ignominiosos”. Ora, a morte de cruz parece absolutamente Leia mais deste post

Tomás responde: Haveria outro modo mais conveniente de libertação humana do que a paixão de Cristo?

Jacopo Tintoretto, 1565 (clique para ampliar)

Parece que haveria outro modo mais conveniente de libertação humana do que a paixão de Cristo, pois:

1. Com efeito, a natureza em sua operação imita a obra divina, pois é movida e regulada por Deus. Ora, a natureza não emprega dois meios quando apenas um é suficiente. Logo, como Deus poderia libertar o homem somente por meio de sua vontade, parece não ter sido conveniente que para a libertação humana acrescentasse a paixão de Cristo.

2. Além disso, o que se faz segundo a natureza realiza-se de modo mais conveniente do que o que se faz com violência, pois a violência é “de certo modo um rompimento ou um desvio do que se comporta conforme a natureza”, como se diz no livro Do Céu. Ora, a paixão de Cristo levou a uma Leia mais deste post

Tomás responde: O sacramento da Eucaristia é necessário para a salvação?

Tintoretto, A Última Ceia, 1592

Poderia parecer que a eucaristia é necessária à salvação, visto que:

1) Com efeito, o Senhor diz: “Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6, 54). Ora, neste sacramento se come a carne de Cristo e se bebe o seu sangue. Logo, sem ele o homem não pode ter a salvação da vida espiritual.

2) Além disso, este sacramento é um alimento espiritual. Ora, o alimento corporal é necessário para a saúde do corpo. Logo, também este sacramento é necessário à salvação espiritual.

3) Ademais, Leia mais deste post

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