Tomás responde: O furto é pecado mortal?

Giovanni_Battista_Tiepolo_Raquel_idolosGiovanni Battista Tiepolo (1696-1770), Raquel sentada sobre os ídolos

“Labão fora tosquiar o seu rebanho e Raquel roubou os ídolos domésticos que pertenciam a seu pai” (Gn 31, 19)

Parece que o furto não é pecado mortal:

1. Com efeito, se diz no livro dos Provérbios: “Não é grande falta, se alguém comete furto” (6,30). Ora, todo pecado mortal é grande falta. Logo, o furto não é pecado mortal.

2. Além disso, ao pecado mortal se deve a pena de morte. Ora, pelo furto, a Lei não inflige a pena capital, mas apenas a pena de dano, como se lê no livro do Êxodo: “Se alguém furtar um boi ou uma ovelha, restituirá cinco bois por um boi, e quatro ovelhas por uma ovelha” (22,1). Logo, o furto não é pecado mortal.

3. Ademais, pode-se furtar tanto coisas pequenas como grandes. Ora, parece absurdo que alguém seja punido de morte eterna por ter furtado uma pequena coisa, uma agulha ou uma pena, por exemplo. Logo, o furto não é pecado mortal.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, ninguém é condenado pelo julgamento divino, a não ser por pecado mortal. Ora, é condenado quem furta, de acordo com o livro de Zacarias: “Esta é a maldição que vai se estender por toda a terra, pois como está escrito, todo ladrão será condenado” (5, 3). Logo, o furto é pecado mortal.

Tomas_RespondoComo já ficou explicado, é pecado mortal o que vai contra a caridade, pois ela é a vida espiritual da alma. Ora, a caridade consiste principalmente no amor de Deus e, secundariamente, no amor do próximo, levando-nos a lhe querer e fazer o bem. Ora, pelo furto o homem causa dano ao próximo em seus bens, e se, a cada passo, os homens roubassem uns aos outros, pereceria a sociedade humana. Logo, o furto é pecado mortal, pois se opõe à caridade.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Por duas razões se diz que o furto não é uma grande falta. Primeiro, por causa da necessidade que leva a furtar, e que diminui ou suprime totalmente a falta, como se verá no artigo seguinte. Por isso, o texto citado ajunta: “Com efeito, furta para saciar a sua fome”. Em segundo lugar, em comparação com o adultério, que é punido de morte. Por isso, se diz a seguir: “Uma vez preso, o ladrão restituirá sete vezes o valor do que roubou, mas o adúltero perderá a sua vida”.

2. As penas da vida presente são mais medicinais do que retributivas. A retribuição está reservada ao julgamento divino, que se aplicará, segundo a verdade, aos pecadores. Por isso, no julgamento da vida presente, não se inflige a pena de morte por qualquer pecado mortal, mas somente por aqueles que causam dano irreparável ou comportam uma horrível deformidade. Assim, pelo furto, que não causa dano irreparável, o julgamento presente não aplica a pena de morte, a não ser que o furto seja acompanhado de circunstância particularmente agravante, como no sacrilégio, que é o furto de coisa sagrada; ou no peculato, que é o desvio do bem comum; como Agostinho explica no comentário ao Evangelho de João; ou no sequestro ou rapto de um homem, o qual é punido de morte, como se vê no livro do Êxodo (21, 16).

3. O que é mínimo pode ser tido por nada. Assim, nos pequenos furtos não se considera que haja verdadeiro dano; e quem rouba coisa de pouco valor pode presumir que não age contra a vontade do proprietário. Portanto, quem se apodera furtivamente dessas coisas mínimas, pode ser escusado de pecado mortal. Mas se há intenção de furtar e de causar dano ao próximo, poderá haver pecado mortal, mesmo em coisas mínimas, como se dá com o simples pensamento, quando há consentimento.

Suma Teológica II-II, q.66, a.6

Tomás responde: A negligência pode ser pecado mortal?

Gerard_Seghers_O_paciente_JóGerard Seghers (1591-1651), O Paciente Jó

Parece que a negligência não pode ser pecado mortal:

1. Com efeito, sobre o texto de Jó: “Tenho medo de minhas ações” (9, 28), a Glosa de Gregório diz que “um menor amor a Deus favorece a negligência”. Ora, onde há pecado mortal, o amor de Deus desaparece totalmente. Logo, a negligência não é um pecado mortal.

2. Além disso, sobre o texto do Eclesiástico: “Purifica-te de tua negligência com pouca penitência” (7, 34), se lê na Glosa: “Ainda que a oferenda seja pequena, expia a negligência de muitos pecados”. Ora, isso não sucederia se a negligência fosse pecado mortal. Logo, a negligência não é um pecado mortal.

3. Ademais, na lei estavam prescritos sacrifícios para expiar os pecados mortais, como está no Levítico. Ora, não foi prescrito nenhum sacrifício para expiar a negligência. Logo, a negligência não é um pecado mortal.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o livro dos Provérbios diz: “Quem negligencia a vida encontrará a morte”.

Tomas_RespondoComo já foi esclarecido, a negligência procede de certo relaxamento da vontade, o que impede que a razão seja solicitada a comandar o que deve ou na forma que deve. Por isso, a negligência pode ser pecado mortal por dois motivos: primeiro, por parte daquilo que é omitido por negligência. Se aquilo que se omite, seja ato, seja circunstância, é necessário par a salvação, a negligência será pecado mortal. Segundo, por parte da causa da negligência. Com efeito, se a vontade a respeito das coisas de Deus está relaxada a ponto de abandonar totalmente o amor de Deus, tal negligência é pecado mortal. Isto se dá, sobretudo, quando a negligência procede do desprezo. De outro modo, se a negligência consistir na omissão de um ato ou circunstância não necessários para a salvação, e isso não proceder do desprezo, mas da falta de fervor, que é impedido, às vezes, por um pecado venial, a negligência não é pecado mortal, mas venial.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Um menor amor de Deus pode ser tomado em dois sentidos: primeiro, por falta de fervor na caridade, e, assim, tem-se a negligência que é um pecado venial. Segundo, por falta da própria caridade, como quando se diz que é menor o amor de Deus daquele que o ama somente com amor natural. E, então, tem-se a negligência que é pecado mortal. Leia mais deste post

Tomás responde: A ignorância diminui o pecado?

Antonio Canova (1757-1822), Insegnare agli ignoranti (1795)

Parece que a ignorância não diminui o pecado:

1. Com efeito, o que é comum a todo pecado não diminui o pecado. Ora, a ignorância é comum a todo pecado. O Filósofo diz que “todo mau é ignorante”. Logo, a ignorância não diminui o pecado.

2. Além disso, um pecado acrescentado a um pecado faz um pecado maior. Ora, a ignorância, foi dito (q.76, a.2), é um pecado. Logo, não diminui o pecado.

3. Ademais, a mesma coisa que agrava o pecado não o diminui. Ora, a ignorância agrava o pecado, pois Ambrósio retomando a palavra do Apóstolo “Ignoras que a bondade de Deus…” afirma: “Pecas de maneira grave, se ignoras”. Logo, a ignorância não diminui o pecado.

4. Ademais, se alguma ignorância diminui o pecado, isso aparece sobretudo naquela que tolhe totalmente o uso da razão. Ora, tal ignorância não diminui o pecado, mas o aumenta, pois, o Filósofo diz que “o ébrio merece uma dupla punição”. Logo, a ignorância não diminui o pecado.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, tudo o que é razão para a remissão do pecado é assim, segundo a primeira Carta a Timóteo (1, 13): “Obtive misericórdia porque não sabia o que eu fazia”. Portanto, a ignorância diminui ou alivia o pecado.

Todo pecado é voluntário. A ignorância diminui o pecado na medida em que diminui o voluntário. Se não diminuir o voluntário, de modo algum diminuirá o pecado. Claro está que a ignorância que escusa totalmente o pecado, porque tolhe totalmente o voluntário, não diminui o pecado, mas o apaga completamente. A ignorância que não é causa do pecado, mas lhe é concomitante, nem diminui e nem aumenta o pecado. Assim, a ignorância que pode diminuir o pecado é somente aquela que é causa do pecado e contudo não escusa totalmente o pecado.

Às vezes acontece que tal ignorância é voluntária diretamente e por si, como quando alguém de propósito ignora algo para pecar mais livremente. Tal ignorância faz crescer, parece, o voluntário e o pecado. Se alguém, com efeito, quer, para dar-se a liberdade de pecar, sofrer o dano da ignorância, isso provém da intensidade da vontade de pecar. Mas, por vezes, a ignorância causa do pecado, é querida só indiretamente ou acidentalmente, como acontece com aquele que é ignorante por não ter querido trabalhar durante seus estudos, ou com aquele que se inebria e se torna indiscreto por ter tomado muito vinho. Essa ignorância diminui o voluntário, e por consequência, o pecado. Com efeito, quando alguma coisa não é Leia mais deste post

Tomás responde: A ignorância é um pecado?

A ignorância difere da nesciência em que significa a simples negação da ciência. Por isso, pode-se dizer daquele a quem falta a ciência de alguma coisa, que não a conhece. Desse modo Dionísio afirma haver nesciência nos anjos. A ignorância implica uma privação de ciência, a saber, quando a alguém falta a ciência daquelas coisas que naturalmente deveria saber. Entre essas coisas há as que se é obrigado a saber, isto é, aquelas sem o conhecimento das quais não se pode fazer corretamente o que é devido. Assim, todos são obrigados a saber, em geral, as verdades da fé e os preceitos universais da lei. E cada um em particular, o que diz respeito ao seu estado e sua função. Ao contrário, há coisas que não se é obrigado a saber, se bem que seja natural sabe-las, por exemplo, os teoremas da geometria, e exceto em certos casos, os acontecimentos contingentes.

Evidentemente todo aquele que negligencia ter ou fazer o que é obrigado ter ou fazer, peca por omissão. Portanto, por causa de uma negligência, a ignorância das coisas que se devia saber é um pecado. Mas não se pode imputar a alguém como negligência o não saber o que não se pode saber. Por isso, essa ignorância é chamada invencível, porque nenhum estudo a pode vencer. Como tal ignorância não é voluntária, porque não está em nosso poder rechaçá-la, por isso ela não é um pecado. Por aí se vê que a ignorância invencível nunca é um pecado. Mas a ignorância vencível é, se ela se refere ao que se deve saber. Mas, ela não o é, se se refere ao que não se é obrigado a saber.

Suma Teológica I-II, q.76, a.2

Santo Tomás de Aquino, Igreja, Teologia, Filosofia

Thomas shouts: Go Giants! (ou Tomás responde: Pode ser pecado a falta de atividade lúdica?)

Parece que a falta de atividade lúdica não pode ser pecado:

1. Com efeito, nenhum pecado pode ser imposto como penitência. Ora, Agostinho, referindo-se ao penitente, escreve: “Abstenha-se de divertimentos e espetáculos mundanos quem quiser obter a graça perfeita do perdão”. Logo, não há pecado na falta de atividade lúdica.

2. Além disso, nenhum pecado entra no elogio que se faz dos santos. Ora, alguns deles são elogiados por sua abstenção de brincadeiras, como se vê no livro de Jeremias: “Não procuro minha alegria frequentando a roda dos foliões” (15,17), e no de Tobias: “Nunca frequentei lugares de divertimentos nem tive comércio com pessoas levianas” (3,17). Logo, não pode existir pecado na falta de atividade lúdica.

3. Ademais, Andronico assim define a austeridade, que ele classifica como virtude: “Hábito pelo qual não oferecemos aos outros o prazer da nossa conversação nem deles o recebemos”. Ora, isso significa falta de espírito lúdico. Logo, essa falta constitui antes uma virtude que um vício.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Filósofo declara viviosa essa falta.

Nas ações humanas, tudo o que vai contra a razão é vicioso. Ora, é contra a razão ser um peso para os outros, não lhes proporcionando, por exemplo, nenhum prazer e impedindo o prazer deles. Por isso, diz Sêneca: “Comporta-se sabiamente, de sorte que ninguém te considere intratável nem te menospreze como vulgar”. Ora, os que se privam de toda diversão, nem eles dizem pilhérias e são molestos aos que as dizem não aceitando brincadeiras normais dos outros. E, por isso, tais pessoas são viciosas, “duras e mal educadas”, como diz o Filósofo.

Como, porém, a atividade lúdica é útil pelo descanso e pelo prazer que causa e, por outro lado, como o prazer e o descanso não os buscamos, no dia-a-dia, por eles mesmos, mas sim pela ação, como ensina Aristóteles, por isso a falta dessa atividade é menos viciosa que o seu exagero. Daí a afirmação do Filósofo: “Para o nosso prazer, poucos amigos bastam”, pois pata tempero da vida basta um pouco de prazer, como uma pitada de sal é suficiente para a comida.

Quanto às Leia mais deste post

Tomás responde: O pecado venial é disposição para o mortal?

Johann Heinrich Füssli, O pecado seguido da morte (1794-1796)

Parece que o pecado venial não é disposição para o mortal:

1. Com efeito, um contrário não dispõe para o outro. Ora, o pecado venial e mortal se distinguem como contrários, como foi dito (q.88, a.1). Logo, o pecado venial não é disposição para o mortal.

2. Além disso, um ato dispõe para algo semelhante a si mesmo na espécie; e por isso Aristóteles diz que “de atos semelhantes procedem disposições e habitus semelhantes”. Ora, o pecado mortal e venial distinguem-se pelo gênero ou pela espécie, como foi dito (a.2). Logo, o pecado venial não dispõe para o mortal.

3. Ademais, se o pecado se diz venial porque dispõe para o mortal, tudo o que dispõe para o pecado mortal é necessário que seja pecado venial. Ora, todas as boas obras dispõem-se para o pecado mortal, pois diz Agostinho que “a soberba arma ciladas às boas obras para que pereçam”. Logo, também as boas obras são pecados veniais, e isso é inconveniente.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o livro do Eclesiástico: “Quem despreza as coisas pequenas pouco a pouco cairá” (19, 1). Mas, aquele que peca venialmente, parece desprezar as coisas pequenas. Logo, pouco a pouco se dispõe a cair totalmente no pecado mortal.

O que dispõe é de certa maneira causa. Por isso, havendo dois modos de causa, são dois os modos de disposição. Há uma causa que move diretamente para o efeito, como o que é quente, aquece. Há também uma causa que move indiretamente removendo o impedimento, por exemplo, diz-se que quem remove uma coluna remove a pedra sobreposta. De dois modos, portanto, o ato do pecado dispõe para algo. Primeiro, diretamente, e assim dispõe para um ato semelhante segundo a espécie. Desse modo, primariamente e por si, o pecado venial por gênero não dispõe para o mortal por gênero, porque distinguem-se pela espécie. Mas, por esse modo o pecado venial pode dispor, por uma certa consequência, para o pecado que é mortal da parte de quem age. Aumentada a disposição ou o hábito pelos atos dos pecados veniais, o gosto de pecar pode crescer tanto que quem peca estabelece o seu fim no pecado venial, porque o fim de quem tem um hábito, enquanto tal, é agir de acordo com o hábito. E assim, muitas vezes, ao pecar venialmente se disporá para o pecado mortal.

Segundo, removendo o Leia mais deste post

Tomás responde: todos os pecados são iguais?

Hieronymus Bosch (1450-1516), Os sete pecados capitais, Museu do Prado, Madrid

Parece que todos os pecados são iguais:

1. Com efeito, pecar é fazer o que não é permitido. Ora, isso é algo que é sempre repreensível de modo igual e uniforme. Logo, nenhum pecado é mais grave do que o outro.

2. Além disso, todo pecado consiste em transgredir a regra da razão, a qual está para os atos humanos, como nas coisas materiais está a régua linear. Portanto, pecar é de certo modo não mais se as linhas. Ora, não seguir as linhas acontece igualmente e do mesmo modo, se se afasta mais longe ou se fica mais perto, porque nas privações não há mais e menos. Logo, todos os pecados são iguais.

3. Ademais, os pecados opõem-se às virtudes. Ora, todas as virtudes são iguais, diz-nos Cícero. Logo, todos os pecados são iguais.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Senhor disse a Pilatos, no Evangelho de João (19,11): “Aquele que me entregou a ti tem um pecado maior”. E é evidente que Pilatos teve algum pecado. Logo, um pecado é maior que o outro.

Os estóicos, e Cícero depois, pensaram que todos os pecados são iguais. Daí derivam também o erro de certos hereges que, admitindo a igualdade de todos os pecados, admitem igualmente a igualdade de todas as penas do inferno. E quanto se pode ver pelas palavras de Cícero, os estóicos eram movidos pelo fato de considerarem no pecado somente a privação, isto é, enquanto afastamento da razão. Por isso, julgando de modo absoluto que nenhuma privação poderia comportar mais ou menos, afirmaram que todos os pecados são iguais.

Mas, se se considera com cuidado, percebem-se dois gêneros de privação. Há uma privação pura e simples, que consiste num estado completo de corrupção. É assim que a morte é a privação da vida, e as trevas da luz. Tais privações não têm mais nem menos, pois nada resta do que havia. Não se está menos morto no primeiro dia, no terceiro ou no quarto, do que no final de um ano quando o cadáver está Leia mais deste post

Tomás responde: O sacramento da penitência é a “segunda tábua depois do naufrágio”?

Anthony van Dyck (1599-1641), Santo Ambrósio proíbe o imperador Teodósio de entrar na igreja, National Gallery, Londres

“No Natal de 390, o imperador teve de revestir-se de trajes penitenciais, confessar publicamente o seu pecado, fazer penitência e só então é readmitido  no seio da Igreja”

Parece que a penitência não é a segunda tábua após o naufrágio:

1. Com efeito, a respeito do texto: “Proclamam o seu pecado como Sodoma” (Is 3, 9), comenta a Glosa: “Esconder os pecados é a segunda tábua depois do naufrágio”. Ora, a penitência não esconde os pecados, mas antes os revela. Logo, a penitência não é a segunda tábua.

2. Além disso, o fundamento num edifício ocupa o primeiro lugar e não o segundo. Ora, a penitência no edifício espiritual é o fundamento, conforme a Carta aos Hebreus: “Sem lançar de novo o fundamento da penitência dos atos mortos” (6, 1). Por isso, ela deve preceder ao próprio batismo, conforme o que se lê: “Fazei penitência e receba cada um de vós o batismo” (At 2, 38). Logo, a penitência não deve ser considerada a segunda tábua.

3. Ademais, todos os sacramentos são, sob certo aspecto, tábuas, isto é, remédio contra o pecado. Ora, a penitência não ocupa o segundo lugar entre os sacramentos, antes o quarto, como aparece do que foi dito acima (q.65, a.2). Logo, a penitência não deve ser chamada segunda tábua depois do naufrágio.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, Jerônimo ensina: “a penitência é a segunda tábua depois do naufrágio”.

Aquilo que é essencial precede, por natureza, ao que é acidental, assim como a substância precede ao acidente. Com efeito, certos sacramentos são destinados, por sua natureza, à salvação do ser humano; assim o batismo, que é a geração espiritual, a confirmação que é o crescimento espiritual e a Eucaristia que é o alimento espiritual. A penitência, porém, é ordenada à salvação como que de maneira acidental e condicional, a saber, na hipótese do pecado. Se o homem não cometesse algum pecado mortal atual, não necessitaria da penitência, mas sim do batismo, da confirmação e da Eucaristia. De modo semelhante à vida corporal, onde o ser humano não necessitaria de remédio a não ser em caso de enfermidade, mas teria necessidade essencial para a vida da geração, do crescimento e do alimento. Por isso, a penitência ocupa o segundo lugar em relação ao estado de integridade, que é concedido e conservado pelos sacramentos indicados. Desta sorte, ela é chamada, de maneira metafórica, “segunda tábua depois do naufrágio”. Pois, o primeiro remédio para os que atravessam o mar é conservar-se salvo no navio; o segundo remédio, porém, é, tendo este quebrado, agarrar-se a uma tábua. Assim, pois, o primeiro remédio desta vida é que Leia mais deste post

Doutrina Católica: O pecado original (V)

Bula Ex omnibus afflictionibus de Pio V (1.10.1567)

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INTRODUÇÃO: Erros de Miguel Baius

Baius (Michel de Bay: 1513-1589), professor de teologia na Universidade de Louvain desde 1551, foi mandado como teólogo ao Concílio de Trento em maio de 1563. Assistiu às três últimas sessões e colaborou na redação do decreto sobre o purgatório e na elaboração do Catecismo Romano. Tinha um sugestivo método de ensino: reduzia ao máximo a parte escolástica, com preferência para o estudo da Escritura e dos Santos Padres, principalmente Santo Agostinho. Mas frequentemente esquecia a Tradição da Igreja e o desenvolvimento do dogma para deter-se muito literalmente em certas afirmações agostinianas, sem levar em conta a unidade harmônica do pensamento do santo. Não é de estranhar, portanto, que logo viesse a ter dificuldades com as autoridades eclesiásticas.

O erro fundamental de Baius está na concepção excessivamente otimista do estado primitivo do homem. O teólogo de Louvain reconhecia que a justificação e os dons concedidos a Adão não eram parte integrante da natureza humana, mas acrescentava que uma coisa e outra eram exigências da própria natureza do homem (cf. as proposições de n. 21, 23, 24, 26 e 78), e por isso pode-se dizer que eram naturais. Sem elas Deus não poderia criar o homem (prop. 55). Ora, Adão, por seu pecado pessoal, perdeu estes dons, e perdeu-os também para sua descendência, porque todo pecado pode ser transmitido (prop. 52), já que o voluntário não é da essência do pecado (prop. 46). Aqui Baius reage contra Pighi e Contarini, que identificavam o pecado original com o castigo nos descendentes de Adão. Segundo Baius, o pecado original é um pecado pessoal que se identifica com a concupiscência, porque o caráter de voluntário não é requisito para que haja pecado. Não é um mero castigo pela culpa de Adão, mas verdadeiro pecado pessoal. Como poderia Baius defender, depois do Concílio de Trento, que o pecado original se identificasse com a concupiscência? Respondia ele que Leia mais deste post

Tomás responde: É o sacramento da penitência necessário para a salvação?

Jesus e Zaqueu, mosaico na Basílica de São Marcos, Veneza

Parece que este sacramento não é necessário para a salvação:

1. Com efeito, sobre estas palavras do salmista: “Quem semeou nas lágrimas etc.” (Sl 125, 5), comenta a Glosa: “Não fiques triste, se tens boa vontade, porque então se colhe a paz”. Ora, a tristeza pertence à natureza da penitência, conforme o dito de Paulo: “Pois a tristeza segundo Deus produz um arrependimento que conduz à salvação”. Logo, a boa vontade, sem a penitência, é suficiente para a salvação.

2. Além disso, lê-se no livro dos Provérbios: “O amor encobre todas as faltas” (10, 12) e mais abaixo: “A misericórdia e a fé apagam os pecados” (15, 27). Ora, este sacramento só existe para apagar os pecados. Logo, tendo caridade, fé e misericórdia, qualquer um pode alcançar a salvação, mesmo sem o sacramento da Penitência.

3. Ademais, os sacramentos da Igreja foram instituídos por Cristo. Ora, lê-se que Cristo perdoou a mulher adúltera sem penitência. Logo, parece que a penitência não é necessária para a salvação.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Senhor diz: “Se vós não fizerdes penitência, vós todos perecereis igualmente” (Lc 13, 5).

Algo é necessário para a salvação de duas maneiras: de maneira absoluta e de maneira condicional. É absolutamente necessário para a salvação aquilo sem o que ninguém pode alcançar a salvação, como a graça de Cristo, o sacramento do Batismo, pelo qual se renasce em Cristo. O sacramento da Penitência é necessário sob condição, já que não é necessário para todos, mas somente para os que estão sob o jugo do pecado. Pois, lê-se no livro dos Paralipômenos: “Tu, Senhor, Deus dos justos, tu não instituíste a penitência para os justos Abraão, Isaac e Jacó, para estes que não te ofenderam”.

Mas “o pecado, tendo sido consumado, gera a morte”, diz a Carta de Tiago. Por isso, é necessário para a salvação do pecador que ele seja libertado do pecado. Isto não pode ser feito sem o sacramento da penitência, no qual atua o poder da paixão de Cristo por meio da absolvição do sacerdote juntamente com o ato do penitente, que coopera com a graça para a destruição do pecado, como, aliás, ensina Agostinho: “Quem te Leia mais deste post

Doutrina Católica: O pecado original (IV)

Concílio de Trento – Decreto Ut fides (sess. V – 17.6.1546)

Os decretos da quinta sessão contêm normas para o ensino da Sagrada Escritura nas catedrais, nos mosteiros e na pregação ao povo. A única parte dogmática é dedicada ao pecado original, tendo em vista particularmente a identificação luterana entre pecado original e concupiscência inata e constante do homem. Como o Batismo não apaga a concupiscência, Lutero entendia que ele também não destrói o pecado, nem haveria por que administrá-lo às crianças, porque elas não precisariam dele para entrar na vida eterna. Concordava, portanto, com os pelagianos ao declarar inútil o Batismo das crianças, mas por motivos opostos: os pelagianos, porque, segundo eles, Adão não teria transmitido a seus descendentes senão um mau exemplo; Lutero, porque as crianças são incapazes de concupiscência. Outros, como Erasmo, negavam que a passagem de Rm 5, 12 se referisse ao pecado original; outros ainda, hereges antigos (valentinianos, maniqueus e priscilianistas) negavam que o pecado original fosse transmitido aos filhos de pais cristãos.

Por tudo isso, não quis limitar-se o concílio aos erros particulares de Lutero, mas examinou a questão de modo global, em cinco densos cânones, aos quais juntou uma declaração que renova as constituições de Sixto IV (27.2.1477 e 4.9.1483) sobre a Imaculada Conceição, para manifestar explicitamente que não era sua intenção incluir no decreto sobre a universalidade do pecado original a Bem-Aventurada e Imaculada Virgem Maria.

DECRETO UT FIDES

Proêmio

Para que nossa fé católica, “sem a qual é impossível agradar a Deus” (Hb 11, 6), extirpados os erros, permaneça íntegra e incorrupta em sua pureza, e o povo cristão “não seja levado ao sabor de qualquer vento de doutrina” (Ef 4, 14) uma vez que aquela “antiga serpente” (Ap 12, 9; 20, 2), perpétua inimiga do gênero humano, entre os muitíssimos males que afligem a Igreja de Deus em nosso tempo, suscitou não só novas mas até velhas dissenções também sobre o pecado original e seu remédio: o sacrossanto, ecumênico e universal Concílio de Trento, legitimamente reunido no Espírito Santo, sob a presidência dos mesmos três Legados da Sé Apostólica, querendo desde já chamar novamente os Leia mais deste post

Doutrina Católica: A graça (II)

O Pelagianismo e o XVI Concílio de Cartago

 
I. O PELAGIANISMO
 

O primeiro ataque perigoso ao dogma católico do pecado original proveio do pelagianismo, que deitava raízes bem mais profundas: na negação da ordem sobrenatural e, portanto, da graça. Segundo os pelagianos Adão foi criado nas mesmas condições em que agora se acha o homem, ou seja, mortal e com todas as qualidades inerentes à natureza humana, sem nenhuma elevação sobrenatural à adoção divina e à participação da vida do Criador. Pelo pecado se tornou merecedor de castigo, mas a culpa – afirmam os pelagianos – permanece circunscrita só a ele, Adão, e não a seus descendentes, a não ser pelo mau exemplo. Além disso, tanto Adão como os seus descendentes possuem uma vontade livre, absolutamente independente de Deus e dotada de poderes ilimitados, quer para o bem, quer para o mal. São dois, portanto, os pilares e linhas mestras desta heresia: um naturalismo que exclui a ordem sobrenatural e a independência da vontade humana com relação a Deus.

É claro que os pelagianos falam também da graça, mas para eles ela não passa de dons externos, como a Revelação, a lei, o exemplo de Cristo e sobretudo a liberdade, que é a capacidade de fazer o bem, que Pelágio chama graça por excelência.

 
 
XVI Concílio de Cartago (1.5.418)
 
Depois da denúncia de Santo Agostinho, foi trabalho deste concílio mostrar a inconsistência das teses pelagianas.

TEXTO: Msi 4, 327-329

3. Igualmente foi decisão [deste concílio] que quem disser que a graça de Deus, pela qual o homem recebe a justificação [iustificatur] por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo, só vale para a remissão dos pecados já cometidos, mas não como ajuda para não cometê-los – seja anátema**.

[NOTA: Aqui a graça é designada por gratia qua iustificatur homo; no cânon 5, por gratia iustificationis. Pelo contexto deve-se entender a graça como um auxílio sobrenatural de Deus, essencialmente diferente da natureza. Compreende, portanto, a graça santificante e a graça atual.]

 

Graça e conhecimento

4. Igualmente, quem disser que a graça de Deus por Jesus Cristo Nosso Senhor só nos ajuda a não pecar, porque por ela nos é revelado e manifestado o sentido dos preceitos [intellegentia mandatorum] para sabermos o que devemos desejar, o que evitar, mas que por ela não nos é dado amar também e fazer o que Leia mais deste post

Tomás responde: É a penitência um sacramento?

Raffaello Sanzio (1483-1520), São João Batista (1518)

Parece que a penitência não é um sacramento:

1. Com efeito, Gregório diz e encontra-se nos Decretos: “Os sacramentos são o batismo, a crisma, o corpo e o sangue de Cristo, que são chamados sacramentos porque, sob a veste de realidades corporais, o poder divino opera invisivelmente a salvação”. Ora, isto não acontece na penitência, porque aí não se utilizam realidades corporais sob as quais o poder divino atua a salvação. Logo, a penitência não é um sacramento.

2. Além disso, os sacramentos da Igreja são administrados pelos ministros da Igreja, conforme o dito de Paulo: “Considerem-nos portanto como servos de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1Cor 4, 1). Ora, a penitência não é administrada pelos ministros de Cristo, mas é inspirada interiormente por Deus aos homens, segundo o profeta: “Depois que me converteste, eu fiz penitência”. Logo, parece que a penitência não é um sacramento.

3. Ademais, nos sacramentos há um elemento que é o “sinal somente”, um outro que é “a realidade e o sinal” e um terceiro que é “a realidade somente”. Ora, isto não ocorre no sacramento da penitência. Logo, a penitência não é um sacramento.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, assim como o batismo purifica do pecado, assim também a penitência. Daí se entende o que Pedro disse a Simão: “Faça penitência, portanto, da tua maldade” (At 8, 22). Ora, o batismo é um sacramento. Logo, pela mesma razão a penitência.

Gregório, na passagem acima citada na primeira objeção, diz: “O sacramento consiste num rito feito de tal modo que recebemos aí simbolicamente o que devemos receber santamente”. Ora, é evidente que, na penitência, o rito se faz de tal maneira que significa algo de santo, tanto da parte do pecador penitente, quanto da parte do sacerdote que o absolve. Pois o pecador penitente, pelas palavras e ações mostra ter afastado seu coração do pecado. De igual modo, o sacerdote, pelas palavras e ações dirigidas ao penitente, significa o obra de Deus que perdoa o pecado. Por isso, é claro que a penitência na Igreja é um sacramento.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Pelo termo “realidades corporais” entendem-se, em sentido amplo, os atos sensíveis exteriores. Eles são na penitência o que é a água no batismo e o óleo do crisma na confirmação. Deve-se notar que nos sacramentos em que se confere uma graça superior que ultrapassa toda possibilidade da atividade humana, usa-se alguma Leia mais deste post

Chestertoninas: O pecado e o gato

“Os modernos mestres da ciência, bem como os antigos mestres de religião, advogam a necessidade de se começar toda e qualquer investigação por um fato positivo. Eles começavam pelo pecado – fato esse tão positivo quanto as batatas. Quer o homem pudesse ou não ser banhado em águas miraculosas, não havia dúvida de que, de qualquer forma, essa ablução era necessária. No entanto, certos líderes religiosos em Londres, não meros materialistas, começaram atualmente a negar, não tanto a muito discutível água, mas a indiscutível sujeira. Alguns dos novos teólogos discutem o pecado original, que é a única parte da teologia cristã que pode ser realmente provada. Certos seguidores do Rev. R. J. Campbell, na sua quase excessiva e fastidiosa espiritualidade, admitem a pureza divina, que não pode ser vista nem mesmo em sonhos, mas negam essencialmente o pecado humano, que pode ser visto a toda hora nas ruas. Os maiores santos, assim como os céticos mais arraigados, tomavam, igualmente, o mal positivo como ponto de partida para a sua argumentação. Se é verdade (como de fato é) que um homem pode sentir uma estranha felicidade ao esfolar um gato, então o filósofo religioso pode fazer apenas uma dessas duas deduções: ou deve negar a existência de Deus, como fazem todos os ateus, ou deve negar a presente união entre Deus e esse homem, como todos os cristãos fazem. Os novos teólogos, no entanto, julgam ter encontrado uma solução altamente racional: negar o gato.”

G. K. Chesterton, Ortodoxia

Tomás de Aquino, Suma Teológica, Igreja, Cristo, Filosofia

Tomás responde: O pecado contra a natureza é uma espécie de luxúria?

Jan Gossaert (Mabuse)(1478-1532), Adão e Eva

Resolvi colocar este artigo da Suma depois de ler o artigo “Cale-se! Para onde está indo a liberdade de expressão?“, de Chuck Colson, no Mídia Sem Máscara.

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Parece que o pecado contra a natureza não é uma espécie de luxúria:

1. Com efeito, na lista das espécies de luxúria apresentada no artigo anterior, não se menciona esse vício. Logo, o vício contra  a natureza não é uma espécie de luxúria.

2. Além disso, a luxúria opõe-se a uma virtude e, como tal, está incluída na malícia. Ora, o vício contra a natureza não está contido na malícia, mas na bestialidade, como está claro no Filósofo. Logo, o vício contra a natureza não é uma espécie de luxúria.

3. Ademais, a luxúria tem como matéria os atos dirigidos à geração humana, como se viu acima (q.53 a.2). Ora, o vício contra a natureza consiste em atos dos quais não decorre geração. Logo, o vício contra a natureza não é uma espécie de luxúria.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, enumera-se o vício contra a natureza entre as outras espécies de luxúria, quando se diz: “E não se converteram de sua impureza, de seu desregramento e de sua devassidão” (2Cor 12, 21). E a Glosa comenta: “Impureza, isto é, luxúria contra a natureza”.

Há sempre uma espécie determinada de luxúria onde houver uma razão especial de deformidades, que torne o ato sexual indecente. Isso pode ocorrer de dois modos: primeiro, quando choca com a reta razão, como é o caso de todos os vícios de luxúria; depois, quando, além disso, se opõe à própria ordem natural do ato sexual próprio da espécie humana, o que constitui o chamado vício contra a natureza. Isso pode se dar de muitas formas.

Primeiramente, se se procura a ejaculação, sem conjunção carnal, só pelo prazer sexual, o que constitui o pecado da impureza, que outros chamam de masturbação.

Em segundo lugar, se se realiza o coito com Leia mais deste post

Tomás responde: O ato sexual pode existir sem pecado?

Raffaello Sanzio (1483-1520), As Três Graças, 1504-1505

Parece que não pode haver ato sexual sem pecado:

1. Com efeito, nada parece ser obstáculo à virtude como o pecado. Ora, todo ato sexual é um obstáculo máximo à virtude, pois Agostinho diz: “Creio que nada derruba tanto o ânimo varonil como as carícias femininas e as intimidades corporais”. Logo, parece que não há ato sexual sem pecado.

2. Além disso, onde houver algo excessivo que nos aparte do bem racional, aí haverá algo vicioso, pois tanto o excesso como a falta destroem a virtude, ensina o Filósofo. Ora, em todo ato sexual há um excesso de prazer, que absorve a razão de tal forma que “ela não consegue refletir sobre coisa alguma nesse momento”, diz o Filósofo e, adverte Jerônimo, nesse ato o espírito de profecia não tocava o coração dos profetas. Logo, nenhum ato sexual pode ocorrer sem pecado.

3. Ademais, a causa é mais importante que o efeito. Ora, o pecado original é transmitido às crianças pela concupiscência, sem a qual não pode existir o ato sexual, como demonstra Agostinho. Logo, nenhum ato sexual pode realizar-se sem pecado.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz Agostinho: “Já foi bastante explicado aos hereges, se é que eles querem compreender: não existe pecado no que não contraria a natureza, nem os costumes, nem a lei”. E ele está falando do ato carnal, que os antigos patriarcas praticavam com várias esposas. Logo, nem todo ato sexual é pecado.

RESPONDO. Nos atos humanos, o pecado consiste naquilo que contraria a ordem racional e essa ordem exige que se oriente cada coisa ao seu fim. Não há pecado, portanto, quando o homem usa de certas coisas respeitando o fim para o qual existem, na medida e na ordem convenientes, desde que esse fim seja, realmente, bom. Ora, como é realmente um bem conservar a natureza corpórea do indivíduo, assim também é um bem excelente conservar a natureza da espécie. E como o alimento está destinado à conservação da vida individual, assim também a atividade sexual está dirigida à conservação de todo o gênero humano. Razão por que Agostinho pode dizer: “O que é a comida para a vida individual é a relação sexual para o bem da espécie”. Portanto, como pode a alimentação ser sem pecado, feita na ordem e medida devidas, como o requer a saúde do corpo, também pode Leia mais deste post

Doutrina sobre o mal

Michelangelo Buonarroti (1475-1564), A Queda e a Expulsão do Paraíso, Capela Sistina (detalhe)

Obs: Por causa das limitações de edição do blog, inseri as notas no próprio texto, sempre no formato [Nota: “texto em itálico”].

Por  Paulo Faitanin

1. Ser e Participação
Segundo Tomás de Aquino, não existe maior mal, para a natureza humana, do que se privar, voluntária e conscientemente, da companhia de Deus. Este é o mal moral (mors, em latim significa costume, hábito), que se dá no contexto da liberdade e da responsabilidade humanas, como conseqüência de ações assentadas nos juízos da razão e na anuência da vontade.
O mal moral priva o homem da ordem ao fim próprio (conversão a Deus), dispõe-no contra o Criador e, também, contra a própria natureza humana, no mesmo instante em que se converte às criaturas. Eis o pecado (peccatum), que é um mal de culpa (malum culpae), ação que o homem comete deliberadamente contra Deus (por exemplo, a blasfêmia), contra si mesmo (por exemplo, o suicídio) ou outrem (por exemplo, o homicídio).

[Nota: Para a moral cristã, a ação que o homem pratica livremente contra um ser inferior na ordem da conservação de sua natureza não será um mal (como, por exemplo, matar uma ave para alimentar a família), pois estes bens estão dispostos para ordenadamente manter a vida do homem. Mas a disposição humana dos bens naturais, vegetais e animais poderá geral omal moral, se o homem agir por desordem de sua concupiscência, por falta da ordem devida ao fim próprio: a gula, por exemplo, é mal moral e nasce dessa desordem, enquanto pode significar dispor mal de um bem natural, que é o alimento, no comer pelo comer; a avareza é mal moral se o homem dispuser de qualquer bem natural desordenadamente com a finalidade do enriquecimento ilícito. E o mesmo se diga de qualquer vício humano]

Propriamente, não existirá mal moral que não seja contra Deus, que não nos afaste d’Ele e não deixe seqüelas na natureza humana. Neste horizonte, o mal de pena (malum poenae) será o mal físico que o homem sofre por conseqüência do pecado. Na perspectiva cristã, até pode acontecer alguém padecer mal físico sem que isto seja conseqüência do mal moral pessoal, ainda que o seja do mal da culpa original: o exemplo bíblico do sofrimento de Jó ilustra o caso. Contudo, nenhum exemplo elucida mais que o de Cristo, que, sendo Leia mais deste post

Tomás responde: Existe esperança nos condenados?

Vai-se por mim à cidade dolente,
vai-se por mim à sempiterna dor,
vai-se por mim entre a perdida gente.

Moveu justiça o meu alto feitor,
fez-me a divina potestade, mais
o supremo saber e o primo amor.

Antes de mim não foi criado mais
nada senão eterno, e eterna eu duro.
DEIXAI TODA ESPERANÇA, Ó VÓS QUE ENTRAIS.

(Inferno, Canto III)

Parece que existe a esperança nos condenados:

1. Com efeito, o diabo é condenado e é o chefe dos condenados, conforme se lê no Evangelho de Mateus: “Ide, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o diabo e seus anjos” (25, 41). Ora, o diabo tem esperança, segundo a palavra de Jó: “A esperança dele o frustrará” (40, 28). Logo, parece que os condenados têm esperança.

2. Além disso, a esperança, como a fé, pode ser formada e informe. Ora, a fé informe pode existir nos demônios e nos condenados, segundo a Carta de Tiago: “Os demônios Leia mais deste post

Tomás responde: A avareza é a raiz de todos os pecados?

Gustave Doré (1832-1883), Os avarentos. Dante conversa com o papa Adriano V (Divina Comédia, Purgatório, Canto XIX)

Parece que a avareza não é a raiz de todos os pecados:

1. Com efeito, a avareza é o imoderado apetite das riquezas e opõe-se à virtude da liberalidade. Ora, a liberalidade não é a raiz de todas as virtudes. Logo, a avareza não é a raiz de todos os vícios.

2. Além disso, o desejo dos meios procede do desejo do fim. Ora, as riquezas, objeto da avareza, só são desejadas como meios úteis, como diz o livro I da Ética. Logo, a avareza não é a raiz de todo pecado, mas procede de outra raiz anterior.

3. Ademais, freqüentemente a avareza, também chamada cupidez, tem sua origem em Leia mais deste post

Tomás responde: Todos os pecados humanos vêm da sugestão do diabo?

Fra Angelico, O Juízo Final (1432-1435), detalhe

Parece que todos os pecados humanos vêm da sugestão do diabo:

1. Com efeito, Dionísio afirma que a multidão dos demônios é a causa de todos os males para si mesmos e para os outros.

2. Além disso, segundo o Evangelho de João: “quem comete o pecado é escravo do pecado” (8, 34). Ora, como diz a segunda Carta de Pedro: “Alguém se entrega à escravidão daquele por quem foi vencido” (2, 19). Logo, aquele que comete o pecado é vencido pelo diabo.

3. Ademais, Gregório diz que o pecado do diabo é irreparável, porque ele caiu sem sugestão de ninguém. Por conseguinte, se os homens pecam pelo livre-arbítrio e sem sugestão de ninguém Leia mais deste post