A necessidade da Graça II – Sem a graça pode o homem querer e fazer o bem?

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Parece que o homem pode querer e fazer o bem sem a graça:

1. Com efeito, está no poder do homem aquilo sobre o quê ele é senhor. Ora, como foi dito acima (I-II, q.1, a.1 e q.13, a.6), o homem é senhor de seus atos e principalmente do ato do querer. Logo, o homem pode querer e fazer o bem por si mesmo, sem o auxílio da graça.

2. Além disso, cada um tem mais poder sobre aquilo que é conforme à sua natureza do que sobre aquilo que é estranho a essa natureza. Ora, o pecado, como disse Damasceno, é contrário à natureza, e o ato da virtude, como foi dito, está de acordo com a natureza humana. Logo, o ser humano por si mesmo pode pecar, e com maior razão pode querer e fazer o bem por si mesmo.

3. Ademais, o bem do intelecto é o verdadeiro, disse o Filósofo. Ora, o intelecto pode conhecer o verdadeiro por si mesmo, uma vez que toda coisa pode realizar por si mesma a operação natural. Logo, com maior razão pode o homem querer e fazer por si mesmo o bem.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, como disse o Apóstolo: “Não pertence àquele que quer, o querer, nem ao que corre, o correr, mas a Deus que é misericordioso” (Rm 9, 16). E Agostinho diz que “sem a graça ninguém pode absolutamente fazer o bem: seja pensando, querendo, amando, ou agindo.

tomas_respondoA natureza humana pode ser considerada em dois aspectos diferentes: em sua integridade, tal como existiu em nosso primeiro pai antes do pecado; ou no estado de corrupção no qual estamos depois do pecado original. Nos dois estados, ela tem necessidade para fazer e querer o bem, de qualquer ordem que seja, do auxílio divino, considerado como primeiro movente, como foi dito. No estado de integridade, com respeito à capacidade da potência operativa, o homem podia, com suas forças naturais, querer e fazer o bem proporcionado à sua natureza, como é o bem da virtude adquirida, mas não um bem que a  ultrapassa, como é o bem da virtude infusa. No estado de corrupção, o homem falha naquilo que lhe é possível pela sua natureza, a tal ponto que ele não pode mais por suas forças naturais realizar totalmente o bem proporcionado à sua natureza. Entretanto, o pecado não corrompeu totalmente a natureza humana a ponto de privá-la de todo bem que lhe é natural. Assim, mesmo neste estado de corrupção o homem pode ainda fazer, por sua potência natural, algum bem particular, como construir casas, plantar vinhas, e outros trabalhos do mesmo gênero. Mas ele não é capaz de realizar em sua totalidade o bem que lhe é conatural, sem alguma falha. Ele parece um enfermo que pode ainda executar sozinho alguns movimentos, mas não pode mover-se perfeitamente como alguém em boa saúde, enquanto não obtiver a cura com a ajuda da medicina. Leia mais deste post

A necessidade da Graça I – Sem a graça pode o homem conhecer alguma verdade?

El_Greco_Pentecostes

 El Greco, Pentecostes

Parece que sem a graça o homem não pode conhecer verdade alguma:

1. Porque, sobre o texto da primeira Carta aos Coríntios: “Ninguém pode dizer Senhor Jesus, senão no Espírito Santo” (12, 3), diz a Glosa Ambrosiana: “Toda verdade, seja dita por quem for, vem do Espírito Santo”. Ora, o Espírito Santo habita em nós pela graça. Logo, sem a graça não podemos conhecer a verdade.

2. Além disso, Agostinho diz: “As mais certas doutrinas são como coisas que o sol ilumina para que possam ser vistas. Deus é que ilumina. A razão está para o  espírito como a vista para os olhos. E os olhos do espírito são os sentidos da alma”. Ora, os sentidos corporais, por mais puros que sejam, não podem ver um objeto se não estiverem iluminados pelo sol. Logo, a mente humana, seja qual for sua perfeição, não pode chegar por seu raciocínio à verdade sem a iluminação divina. Esta pertence ao auxílio da graça.

3. Ademais, a mente humana não pode entender a verdade a não ser raciocinando, como diz Agostinho. Ora, o Apóstolo diz: “Não somos capazes de pensar alguma coisa que , de fato, venha de nós” (2 Cor 3, 5). Logo, o homem não pode conhecer a verdade por si mesmo sem o auxílio da graça.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, Agostinho diz: “Não aprovo o que disse nesta oração: Ó Deus, quisestes que a verdade fosse conhecida somente pelos puros. Pode-se, entretanto, responder que muitos impuros conhecem muitas verdades”. Ora, é pela graça que o homem se torna puro, segundo o Salmo: “Um coração puro cria em mim, ó Deus; e um espírito reto renova em minhas entranhas” (50, 2). Logo, sem o auxílio da graça o homem não pode por si mesmo conhecer a verdade.

tomas_respondo Conhecer a verdade é o exercício ou o ato da luz intelectual, porque segundo o Apóstolo: “Tudo o que se torna manifesto é luz” (Ef 5, 13). O exercício implica em movimento: tomando movimento num sentido amplo, de tal modo que o entender e o querer podem ser ditos um movimento, como o Filósofo deixa claro. Vemos nos corpos que o movimento não exige apenas sua forma que é o princípio do movimento ou da ação; mas também requer-se a moção do primeiro movente. O primeiro movente na ordem dos corpos é o corpo celeste. Assim, mesmo que o fogo tivesse o calor perfeito, não queimaria sem a moção do corpo celeste. Fica claro, do mesmo modo, que os movimentos dos corpos dependem do movimento do corpo celeste, considerado como primeiro movente corporal. Assim todos os movimentos, corporais ou espirituais, dependem do primeiro movente absoluto que é Deus. É por isso que, seja qual for a perfeição de uma natureza corporal ou espiritual, não poderá chegar a produzir o seu ato se não for movido por Deus. Esta moção é conforme à razão de sua providência e não à necessidade da natureza, como é a moção do corpo celeste. Além disso, não é apenas a moção que vem de Deus, considerado como primeiro movente, mas também vem dele, como do ato primeiro, toda perfeição formal. Assim, a ação do intelecto e de qualquer ente criado depende de Deus, de duas maneiras: primeiro, enquanto d’Ele recebe a forma pela qual age; depois, enquanto é movido por Ele para agir.
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Chestertoninas: Como discutir com um oponente

“Aqui, neste momento, encontra-se talvez seu [de Santo Tomás de Aquino] único momento de paixão pessoal, com exceção daquela efusão solitária durante as dificuldades da sua juventude. E mais uma vez ele está lutando contra seus inimigos com uma tocha ardente. No entanto, mesmo neste isolado apocalipse de fúria, há uma frase que poderia ser recomendada às pessoas de todos os tempos que às vezes ficam irritadas por muito menos. Se há uma frase que poderia ser esculpida em mármore para representar a racionalidade mais calma e resistente, é a frase que surgiu juntamente com todo o resto desta lava derretida. Se há uma frase que passou para a história como típica de Tomás de Aquino, é a frase sobre o seu próprio argumento: “Não se baseia em documentos da fé, mas nas razões e nas afirmações dos próprios filósofos”. Que bom teria sido se todos os doutores ortodoxos da Igreja, quando enraivecidos, tivessem sido tão razoáveis quanto Aquino! Que bom seria se todos os apologistas cristãos se lembrassem daquela máxima e a escrevessem em letras grandes na parede antes de pregar ali suas teses. No auge da sua fúria Tomás de Aquino entende o que muitos defensores da ortodoxia não conseguem entender. É inútil dizer a um ateu que é ateu; ou atirar contra um negador da imortalidade a infâmia da sua negação; ou imaginar que alguém pode forçar um adversário a admitir que está equivocado demonstrando que está equivocado segundo os princípios de outra pessoa e não de acordo com seus próprios princípios. Após o grande exemplo de Santo Tomás, foi estabelecido o princípio — ou deveria ter sido estabelecido para sempre — de que, ou não devemos discutir com uma pessoa de forma alguma, ou devemos fazê-lo em seu próprio terreno e não no nosso. Podemos fazer outras coisas em vez de discutir, de acordo com nossa concepção de ações moralmente admissíveis; mas, se nós discutimos, devemos fazê-lo “com as razões e as afirmações dos próprios filósofos”. Este é o senso comum contido em uma frase atribuída a um amigo de Tomás, o grande São Luis, rei de França, que as pessoas superficiais citam como exemplo de fanatismo e cujo significado é: ou te dedicas a discutir com um infiel como somente um verdadeiro filósofo pode discutir, ou então “crava-lhe uma espada no corpo o mais profundamente possível”. Um verdadeiro filósofo (mesmo um da escola contrária) seria o primeiro a concordar que São Luis foi inteiramente filosófico neste assunto.”

G. K. Chesterton, Santo Tomás de Aquino

Tomás responde: Cristo foi o primeiro a ressuscitar?

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Ressurreição de Lázaro
Mosaico do século IV na igreja de Sant’Apollinare Nuovo, em Roma

Parece que Cristo não foi o primeiro a ressuscitar:

1. Na verdade, lê-se que no Antigo Testamento algumas pessoas foram ressuscitadas por Elias e Eliseu, conforme diz a Carta aos Hebreus: “Mulheres encontraram seus mortos, pela ressurreição” (11, 35). Também Cristo, antes de sua paixão, ressuscitou três mortos. Portanto, Cristo não foi o primeiro a ressurgir.

2. Além disso, o Evangelho de Mateus narra que, entre outros milagres que ocorreram na paixão de Cristo, “os túmulos se abriram, os corpos de muitos santos já falecidos ressuscitaram” (27, 52). Portanto, Cristo não foi o primeiro a ressuscitar.

3. Ademais, assim como Cristo é, por sua ressurreição, a causa de nossa ressurreição, também é a causa, por sua graça, de nossa graça, conforme diz o Evangelho de João: “De sua plenitude todos nós recebemos” (1, 16). Ora, outros receberam a graça antes de Cristo, como todos os Patriarcas do Antigo Testamento. Logo, alguns também chegaram à ressurreição dos corpos antes de Cristo.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz a primeira Carta aos Coríntios: “Cristo ressuscitou dos mortos, primícias dos que morreram” (15, 20), e comenta a Glosa: “Porque ressuscitou antes, no tempo e em sua dignidade”.

tomas_respondoA ressurreição é um retorno da morte para a vida. De dois modos pode alguém ficar livre da morte. Primeiro, somente da morte atual, quando alguém de algum modo começa a viver, depois de ter morrido. Segundo, quando alguém se livra não apenas da morte, mas também da necessidade e, mais ainda, da possibilidade de morrer. Essa é a verdadeira e perfeita ressurreição. De fato, enquanto alguém vive sujeito à necessidade de morrer, de certo modo a morte tem domínio sobre ele, como diz a Carta aos Romanos: “O vosso corpo, sem dúvida, está destinado à morte por causa do pecado” (8, 10). E o que tem possibilidade de existir, em certo sentido já existe, ou seja, potencialmente. É claro então que a ressurreição que livra alguém apenas da morte atual é considerada uma ressurreição imperfeita.

Falando, portanto, da ressurreição perfeita, Cristo é o primeiro a ressurgir, pois, ao ressuscitar, ele foi o primeiro a chegar à vida plenamente imortal, conforme diz a Carta aos Romanos: “Ressuscitado de entre os mortos, Cristo não morre mais” (6, 9). Falando, porém, de uma ressurreição imperfeita, alguns ressuscitaram antes de Cristo, para serem uma espécie de sinal da ressurreição dele.

É clara assim a Leia mais deste post

Os cinco remédios de Santo Tomás de Aquino contra a tristeza

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Carlo de Marchi, vicario de la región de Italia Centro-Sur, recopiló estas ideas de Santo Tomás en lenguaje informal en un congreso en Florencia.

Cada uno de nosotros ha atravesado días tristes, días en los cuales no se logra superar una cierta pesadez interior que contamina el ánimo y dificulta las relaciones con los demás. 

¿Existe algún truco para superar el malhumor y recuperar la sonrisa? Santo Tomás de Aquino propone cinco remedios de sorprendente eficacia contra la tristeza

1. El primer remedio es concederse un placer.
Es como si el famoso teólogo hubiese intuido ya hace siete siglos la idea, tan difundida hoy, de que el chocolate es antidepresivo. Quizá parezca una idea materialista, pero es evidente que una jornada llena de amarguras puede terminar bien con una buena cerveza.

Que algo así sea contrario al Evangelio es difícilmente demostrable: sabemos que el Señor participaba con gusto en banquetes y fiestas, y tanto antes como después de la Resurrección disfrutó con gusto de las cosas bellas de la vida.

Incluso un Salmo afirma que el vino alegra el corazón del hombre (aunque es preciso aclarar que la Biblia condena claramente las borracheras).

2. El segundo remedio es el llanto.
A menudo, un momento de melancolía es más duro si no se logra encontrar una vía de escape, y parece como si la amargura se acumulase hasta impedir llevar a cabo la tarea más pequeña. El llanto es un lenguaje, un modo de expresar y deshacer el nudo de un dolor que a veces nos puede asfixiar. También Jesús lloró.

El Papa Francisco señala que «ciertas realidades de la vida se ven solamente con ojos que han sido limpiados por las lágrimas. Invito a cada uno de vosotros a preguntarse: ¿Yo he aprendido a llorar?»

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Tomás responde: Deve-se usar canto no louvor a Deus?

Jan_van_Eyck_-_The_Ghent_Altarpiece_-_Singing_Angels_(detail)Jan van Eyck (1390-1441), O Retábulo de Ghent, Anjos Cantores (detalhe).

Parece que não se deve usar cantos no louvor a Deus:

  1. Com efeito, diz o Apóstolo: “Ensinando e exortando uns aos outros, em salmos, hinos e cânticos espirituais” (Cl 3, 16). Ora, nada devemos assumir no culto divino a não ser o que está transmitido pela autoridade da Escritura. Logo, nos louvores divinos não devemos usar cânticos vocais, mas somente cânticos espirituais.
  2. Além disso, comentando Jerônimo este texto paulino: “Cantando e louvando o Senhor em vossos corações”; escreve: “Ouçam os jovens que têm o ofício de cantar salmos na Igreja: não devem cantar para Deus só com palavras, mas com o coração; não imitando aqueles artistas que, para preparar as gargantas e suavizar as vozes, enchem-se de medicamentos especiais; para trazer para a Igreja melodia e cantos teatrais”. Logo, no louvor divino não se deve cantar.
  3. Ademais, louvar a Deus compete aos grandes e aos pequenos, como se lê no livro do Apocalipse: “Louvai a Deus, todos os seus servos e os que o temem, pequenos e grandes” (19, 5). Ora, os de maior dignidade da Igreja não devem cantar, segundo determinam Gregório e as Decretais: “Pelo presente decreto, ordeno que nesta sede os ministros do altar não devem cantar”. Logo, não é conveniente cantar no louvor divino.
  4. Ademais, na Antiga Lei louvava-se a Deus com instrumentos musicais e vozes humanas segundo o Salmista: “Cantai ao Senhor com a cítara; cantai-lhe salmos com a harpa de dez cordas; cantai ao Senhor um cântico novo”(32, 2-3). Ora, instrumentos musicais, como a cítara e a harpa, não são usados na Igreja para o louvor divino, para que não se pense que ela retorna ao judaísmo. Logo, por razão semelhante, nem o canto deve ser usado nos louvores divinos.
  5. Ademais, o louvor da alma é superior ao louvor dos lábios. Ora, o louvor da alma é impedido pelo canto, já porque cantando a atenção é desviada do sentido das palavras ao se prestar atenção na melodia; já porque essas palavras são menos entendidas do que se fossem proferidas sem canto. Logo, não se deve cantar nos louvores divinos.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, há o exemplo de Ambrósio, que introduziu o canto na igreja de Milão, segundo relata Agostinho nas Confissões.

tomas_respondoComo anteriormente foi dito, o louvor pela voz é necessário para estimular a afeição humana para Deus. Por isso, qualquer coisa que seja útil para isso, é assumida convenientemente no louvor divino. Também é verdade que, segundo as diferenças das melodias, as pessoas são levadas a sentimentos diferentes. A essa conclusão chegaram Aristóteles e Boécio. Por isso, foi salutar a introdução do canto nos louvores divinos para que os espíritos mais fracos fossem mais incentivados à devoção. A respeito, escreve Agostinho: “Inclino-me a aprovar a prática do canto na Igreja para que, pelo deleite auditivo, as almas fracas se elevem em piedoso afeto”. E diz de si mesmo: “Chorei ouvindo os teus hinos e cânticos, profundamente emocionado pelas vozes de tua Igreja, que suavemente canta!”.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que: Leia mais deste post

Tomás responde: O vendedor está obrigado a revelar os defeitos da sua mercadoria?

Pietro_Longhi_O_CharlataoPietro Longhi (1702-1785), O Charlatão (1757)

Parece que o vendedor não está obrigado a revelar os defeitos da sua mercadoria:

  1. Com efeito, o vendedor não obriga o comprador a fazer uma aquisição, mas se limita apenas a submeter a mercadoria à sua apreciação. Ora, cabe à mesma pessoa apreciar e conhecer. Logo, não se deve culpar o vendedor, se o comprador se engana em seu juízo, faz uma compra precipitada, sem fazer uma cuidadosa inspeção do estado da mercadoria.
  2. Além disso, parece insensato que alguém faça algo que venha impedir sua própria atividade. Ora, revelar os defeitos da mercadoria é impedir a realização da venda. Assim Túlio põe na boca de uma personagem: “Haverá algo de mais absurdo do que o proprietário lançar o pregão: Estou vendendo uma casa empestada?” Logo, o vendedor não está obrigado a revelar os defeitos de sua mercadoria.
  3. Ademais, é mais necessário conhecer o caminho da virtude do que os defeitos das mercadorias à venda. Ora, ninguém está obrigado a dar conselho a quem encontra e dizer-lhe a verdade no que toca à virtude, embora não deva dizer falsidade a ninguém. Logo, muito menos está o vendedor na obrigação de manifestar os defeitos de sua mercadoria, como quem quer dar conselho ao comprador.
  4. Ademais, se alguém devesse revelar os defeitos do que vende só poderia ser para diminuir-lhe o preço. Ora, às vezes, esse preço baixaria, por outro motivo, sem nenhum defeito da mercadoria. Por exemplo, se o vendedor, ao levar seu trigo aonde há carestia dele, percebe que muitos outros vendedores poderão vir a fazer o mesmo. Estando a par disso, os compradores pagariam preço menor. Ora, ao que parece, o vendedor não está no dever de adverti-los. Logo, pela mesma razão, não está obrigado a esclarecê-los sobre os defeitos de sua mercadoria.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, Ambrósio ensina: “Nos contratos, manda-se que se declarem os defeitos das mercadorias que se vendem; e se o vendedor não o faz, ainda que tenham passado ao domínio do comprador, pode haver anulação por uma ação de dolo”.

tomas_respondoÉ sempre ilícito expor alguém à ocasião de perigo ou de dano, embora não seja necessário que se dê auxílio ou conselho capazes de assegurar a outrem uma vantagem qualquer. Isso só é necessário em casos determinados, por exemplo, quando se tem o encargo de alguém ou não se pode socorrê-lo de outro modo. Ora, o vendedor que propõe sua mercadoria ao comprador, lhe oferece, pelo fato mesmo, uma ocasião de dano ou perigo, se essa mercadoria tem defeitos, donde podem ocorrer esse dano ou perigo. Dano, se por seu defeito, a mercadoria tem menor valor, sem que o vendedor lhe tenha baixado o preço. Perigo, se o defeito venha a impedir o uso do objeto ou o torna difícil ou nocivo; quando se vende, por exemplo, um cavalo manco como um animal veloz, ou uma casa em ruínas como sólida, ou se propõem como sadios, alimentos avariados e contaminados. Se esses vícios são ocultos e o vendedor não os manifesta, a venda será ilícita e dolosa, e ele terá a obrigação de reparar o dano. Leia mais deste post

Tomás responde: A justificação do ímpio exige um ato do livre-arbítrio contra o pecado?

Louis_Carmontelle_D'HolbachLouis Carmontelle (1717-1806), Retrato do Barão d’Holbach (1766), um defensor do ateísmo no séc. XVIII

Dizem (os ímpios) entre si, em seus falsos raciocínios:

“Breve e triste é a nossa vida, o remédio não está no fim do homem,
não se conhece quem tenha voltado do Hades.
Nós nascemos do acaso e logo passaremos como quem não existiu;
fumo é o sopro de nosso nariz, e o pensamento, centelha do coração que bate.
Extinta ela, o corpo se tornará cinza e o espírito se dispersará como o ar inconsistente.
Com o tempo, nosso nome cairá no esquecimento e ninguém se lembrará de nossas obras;
nossa vida passará como uma nuvem – sem traços -, se dissipará como a neblina
expulsa pelos raios do sol e, por seu calor, abatida.
Nossa vida é a passagem de uma sombra, e nosso fim, irreversível;
o selo lhe é aposto, não há retorno.
Vinde, pois, desfrutar dos bens presentes e gozar das criaturas com ânsia juvenil.
Inebriemo-nos com o melhor vinho e com perfumes,
não deixemos passar a flor da primavera,
coroemo-nos com botões de rosas, antes que feneçam;
nenhum prado ficará sem provar da nossa orgia,
deixemos em toda parte sinais de alegria pois esta é a nossa parte e nossa porção!”

Sabedoria 2, 1-9

 

Parece que para a justificação do ímpio não se requer um ato do livre-arbítrio contra o pecado:

1. Com efeito, a caridade sozinha basta para tirar o pecado, segundo o livro dos Provérbios: “A caridade cobre todos os pecados” (10, 12). Ora, o objeto da caridade não é o pecado. Logo, a justificação do ímpio não exige um ato do livre-arbítrio contra o pecado.

2. Além disso, aquele que tende para avançar não deve olhar para trás. O Apóstolo escreve: “Esquecendo do que está atrás de mim, e lançando-me para a frente, corro direto para a recompensa que me destinou a vocação celeste” (Fil 3, 13). Ora, para aquele que tende para a justiça, os pecados passados estão trás dele. Logo, deve esquecê-los e não tem de fazer um ato do livre-arbítrio para voltar-se para eles.

3. Ademais, na justificação do ímpio, um pecado não é perdoado sem o outro. “É ímpio esperar de Deus um perdão incompleto”. Se, portanto, para a justificação do ímpio, o livre-arbítrio deveria voltar-se contra seus pecados, seria preciso que se lembrasse de todos os seus pecados. Isto parece inconveniente, porque uma tal revisão exigiria muito tempo, e depois, porque se esquecesse alguns desses pecados, não se poderia obter o perdão. Portanto, a justificação do ímpio não requer um ato do livre-arbítrio contra o pecado.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o Salmo: “Confessei contra mim ao Senhor a minha injustiça, e tu me perdoaste a impiedade do meu pecado” (31, 5).

Tomas_RespondoComo já foi dito, a justificação do ímpio é um movimento no qual a alma humana, sob a moção divina, passa do estado de pecado para o estado de justiça. É preciso, portanto, que a alma humana se refira aos dois extremos no ato do livre-arbítrio, como se comporta um corpo movido por um motor para dois términos do movimento. Ora, no movimento local, vemos a coisa movida afastar-se do ponto de partida e aproximar-se do ponto de chagada. Igualmente, a alma humana no momento da justificação, afasta-se do pecado por um ato do livre-arbítrio e encaminha-se para a justiça. Mas afastamento e aproximação no ato do livre-arbítrio entende-se como a detestação e o desejo. Agostinho, no comentário De João expondo: “O mercenário foge”… “Os movimentos de nossas almas são nossos afetos. A alegria é dilatação da alma. O temor é sua fuga. Aproxima-se quando deseja. Foge-se quando teme.” É preciso, portanto, que na justificação do ímpio haja um duplo movimento do livre-arbítrio: um que pelo desejo tende para a justiça de Deus e o outro que o faz detestar o pecado.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. É próprio da mesma virtude buscar um dos termos opostos e afastar-se do outro. É por isso que a caridade à qual pertence o amar a Deus, pertence também o detestar os pecados que separam a alma de Deus. Leia mais deste post

Tomás responde: Deve-se louvar a Deus oralmente?

Diego_Velázquez_Tentacao_Sto_TomasDiego Velázquez (1599-1660), Tentação de Santo Tomás de Aquino (1632)

Parece que Deus não deve ser louvado oralmente:

1. Com efeito, diz o Filósofo: “Não é o louvor que merecem os melhores, mas coisas maiores e melhores”. Ora, Deus está sobre tudo o que é melhor. Logo, a Deus não se deve o louvor, mas algo maior. Por isso, o livro do Eclesiástico diz: “Deus está acima de todo louvor” (43,33).

2. Além disso, sendo ato de religião, o louvor pertence ao culto divino. Ora, presta-se mais culto a Deus pelo espírito do que pelos lábios; por isso, o Senhor aplica o texto do livro de Isaías contra alguns: “Este povo me louva pelos lábios, mas o coração está longe de mim” (Mt 15, 7-8). Logo, o louvor de Deus deve ser mais do coração que dos lábios.

3. Ademais, os homens louvam-se oralmente para se estimularem a ser melhores: o louvor aos maus leva-os a serem mais soberbos; o louvor aos bons provoca-os a serem melhores. Lê-se, no livro dos Provérbios: “Como a prata é provada no crisol, assim os homens, pelos lábios daqueles que os louvam” (27, 21). Ora, Deus não é estimulado pelas palavras dos homens a coisas melhores, por se imutável e por ser o Sumo Bem, nada lhe poderá ser acrescido. Logo, Deus não deve ser louvado pelos lábios.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o Salmista: “Minha boca louvará com lábios jubilosos” (62, 6).

Tomas_RespondoUsamos das palavras para Deus e para os homens por razões diferentes. Delas usamos para os homens a fim de transmitir-lhes os nossos pensamentos, pois não podem conhecê-los. Assim, para os homens usamos dos louvores das nossas bocas, para que quem é louvado saiba, e os outros também, a boa opinião que dele temos, para que aquele que é louvado seja estimulado a melhorar, e também os que venham a conhecer esses louvores sejam levados a terem dele boa opinião, a reverenciá-lo e a imitá-lo.

Para Deus, porém, que penetra nos corações, usamos das palavras, não para manifestar-Lhe os nossos pensamentos, mas para que nós mesmos e aqueles que nos ouvem, sejamos induzidos a reverenciar a Deus. Por isso, o louvor oral é necessário, não por causa de Deus, mas por causa dos que louvam, cuja afeição para Deus aumenta pelo louvor. A respeito, diz o Salmista: “O sacrifício de louvor me dá glória e aí está o caminho pelo qual mostrarei a salvação de Deus” (49, 23). Na medida em que pelo louvor divino o coração do homem se eleva a Deus, afasta-se de tudo o que lhe é contrário, segundo o livro de Isaías: “Com o meu louvor pôr-te-ei um freio para que não pereças” (48, 9). O louvor oral induz também os outros a terem mais afeição a Deus. Diz a respeito o Salmista: “Sempre tenho o teu louvor nos meus lábios” (33,2) e “Ouçam os mansos, se alegrem, e comigo magnifiquem a Deus” (vv. 3-4).

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. De dois modos podemos falar de Deus: de um modo, quanto à sua essência, que é incompreensível, inefável e, por isso, está acima de todo louvor. Segundo esta consideração, a Deus se deve reverência e o culto de latria. Comentando um salmo, escreve Jerônimo quanto à reverência: “Diante de ti, ó meu Deus, cale-se todo louvor”, e, quanto ao culto de latria: “Que sejam cumpridas as promessas a ti feitas”. De outro modo, quanto aos seus efeitos, que se ordenem ao nosso bem. Sob esse aspecto, deve Deus ser louvado. Donde dizer Isaías: “Lembrarei as misericórdias do Senhor, e o louvarei por tudo que ele nos fez” (63, 7). E Dionísio: “Considerai que todo hino santo dos Teólogos (isto é, o louvor divino) aplica a Deus nomes distintos ao manifestar e louvar os benefícios da tearquia, isto é, da divindade”. Leia mais deste post

AGORA COMPLETO: ferramenta de pesquisa no índice da Suma Teológica

livros

Finalmente terminei de cadastrar todos os artigos da Suma Teológica na ferramenta de pesquisa desenvolvida pelo amigo Zé Cláudio ( http://zcla.wordpress.com/ ). A obra é dividida em 3 partes (a segunda com 2 seções), 512 questões e 2669 artigos, contando a edição da Loyola com 9 volumes com mais de 500 páginas cada um. Nada mais útil, portanto, que uma ferramenta de pesquisa para facilitar a busca por assuntos específicos em obra tão vasta. Na ferramenta que disponibilizamos você pode:

– Pesquisar por partes ou questões específicas, incluindo ou excluindo as que desejar.

– Pesquisar por palavras-chave, incluindo e excluindo palavras à vontade, para refinar a busca.

– Utilizar palavras inteiras ou parciais, indepedentemente de acentuação. “F5” limpa os campos, e você ainda tem as opções de realçar as palavras pesquisadas e obter os resultados nos formatos “Tabela” ou “Hierárquico”.

Para quem tem a Suma, o volume e a página indicados são os da 2ª edição das Edições Loyola, 2003. Quem não tem e deseja conhecer algum artigo em particular, utilize a página de CONTATO para solicitar sua publicação no blog.

Para acessar a ferramenta, clique em “ÍNDICE DA SUMA TEOLÓGICA” no canto superior direito da página inicial do blog.

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Tomás responde: A discriminação das pessoas é pecado?

Fariseu_publicanoO fariseu e o publicano, afresco na Abadia de Ottobeuren

“Ó Deus, eu te dou graças porque não sou como o resto dos homens…”

Oração  do fariseu (Lc 18, 11)

Parece que a discriminação das pessoas não é pecado:

1. Com efeito, o termo “pessoa” exprime a dignidade. Ora, ter em consideração a dignidade das pessoas pertence à justiça distributiva. Logo, a discriminação das pessoas não é pecado.

2. Além disso, na esfera humana, as pessoas são mais importantes do que as coisas, porque estas são ordenadas àquelas, e não inversamente. Ora, a discriminação das coisas não é pecado. Menos ainda, a discriminação das pessoas.

3. Ademais, em Deus, não pode haver injustiça nem pecado. Ora, parece que Deus faz discriminação das pessoas, pois de dois homens da mesma condição, salva um pela graça, e deixa o outro no pecado, segundo o que se diz no Evangelho de Mateus: “Duas pessoas estarão em uma mesma cama; uma será tomada, outra será deixada” (24, 40). Logo, a discriminação das pessoas não é pecado.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, na lei divina só se proíbe o pecado. Ora, a discriminação às pessoas se proíbe no livro do Deuteronômio: “Não fareis discriminação de qualquer pessoa” (1, 17). Logo, a discriminação das pessoas é pecado.

Tomas_RespondoA discriminação das pessoas se opõe à justiça distributiva. Com efeito, a igualdade da justiça distributiva consiste em dar às diferentes pessoas atribuições diversas, em proporção com a dignidade dessas pessoas. Levando em consideração essa prerrogativa própria da pessoa, que lhe torna devido o que lhe é atribuído, não se faz discriminação da pessoa, mas da causa. Por isso, a propósito da palavra da Carta aos Efésios: “Em Deus não há discriminação de pessoas” (6, 9), a Glosa diz: “O juiz justo discerne causas, não pessoas”. Por exemplo, quem promove alguém ao magistério, porque tem a ciência suficiente, toma em consideração a causa devida e não a pessoa. Quando se considera naquele a quem se atribui uma vantagem, não a causa que torna proporcionada e devida a ele essa atribuição, mas apenas o fato de ser tal homem, Pedro ou Martinho, por exemplo, nesse caso, há discriminação de pessoa. Com efeito, o bem lhe é atribuído não por uma causa que o faz digno, mas porque só se visa simplesmente a pessoa.

À pessoa, porém, se refere toda condição alheia à causa que a tornaria digna desse dom; por exemplo, quando se promove alguém à prelatura ou ao magistério, por ser rico ou parente seu, seria praticar discriminação de pessoa. Pode, contudo, uma condição da pessoa torná-la digna de uma coisa e não de outra. Assim, o parentesco torna digno de ser instituído herdeiro do patrimônio e não de ser investido de uma prelatura eclesiástica. Portanto, a mesma condição pessoal, considerada em um caso, vem a ser discriminação de pessoa, e em outro, não. Leia mais deste post

Tomás responde: É necessário para a salvação restituir o que foi tirado?

Jesus_Zaqueu_Sao_Marcos_VenezaJesus e Zaqueu, mosaico, Basílica de São Marcos, Veneza

“… e se defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo. Jesus lhe disse: hoje a salvação entrou nesta casa…”

Lc 19, 8-9

Parece que não é necessário par a salvação restituir o que foi tirado:

1. Com efeito, o que é impossível não é de necessidade para a salvação. Ora, às vezes se torna impossível restituir o que foi tirado, quando se trata, por exemplo, de um membro ou da vida. Logo, não parece ser necessário para a salvação que alguém restitua o que tirou de outro.

2. Além disso, cometer pecado não é de necessidade para a salvação, pois, nesse caso, o homem estaria perplexo. Ora, por vezes, o que foi tirado não pode ser restituído sem pecado. Tal o caso de quem lesou a fama de outrem, dizendo a verdade. Logo, não é de necessidade para a salvação restituir o que foi tirado.

3. Ademais, não se pode fazer com que o que foi feito não tenha sido feito. Ora, por vezes, alguém perde a honra por ter sofrido ofensa injusta de outrem. Logo, não se pode restituir o que lhe foi tirado. Essa restituição não é, pois, de necessidade para a salvação.

4. Ademais, impedir a obtenção de um bem equivale a tirá-lo, pois “quando falta pouco para consegui-lo, é como não faltasse nada”, diz o Filósofo. Ora, quem impede alguém de alcançar uma prebenda ou um bem semelhante, não parece obrigado a restituir a prebenda, o que, por vezes, nem poderia fazer. Logo, não é de necessidade para a salvação restituir o que se tirou.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, declara Agostinho: “Não se perdoa o pecado, se não se restitui o roubado”.

Tomas_RespondoComo foi dito (art. prec.), a restituição é um ato da justiça comutativa, que consiste em uma certa igualdade.  A restituição exige, pois, a entrega da coisa mesma que foi injustamente tirada. Assim, por sua reposição se restaura a igualdade. Se algo, entretanto, foi tirado justamente, haveria desigualdade em caso de restituição, pois a justiça consiste na igualdade. Como observar a justiça é de necessidade para a salvação, por conseguinte é de necessidade para a salvação restituir o que foi injustamente tirado.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Se é impossível dar uma compensação equivalente, basta compensar o que é possível. É o que se vê claramente no tocante às “honras devidas a Deus e aos pais”, na expressão do Filósofo. Por isso, quando o que foi tirado não é restituível por algo de igual, deve-se dar a compensação que for possível. Assim, quem privou outrem de um membro deve compensá-lo em dinheiro ou por alguma honra, consideradas as condições de ambas as pessoas, conforme arbítrio de um homem de bem. Leia mais deste post

Tomás de Aquino e o Concílio Vaticano II

28 de janeiro – Santo Tomás de Aquino, presbítero e Doutor da Igreja

TOMAS AQUINO

Memória

 Nasceu por volta do ano 1225, da família dos Condes de Aquino. Estudou primeiramente no mosteiro de Monte Cassino e depois em Nápoles. Ingressou na Ordem dos Frades Pregadores e completou os estudos em Paris e em Colônia, tendo tido como professor Santo Alberto Magno. Escreveu muitas obras de grande erudição, e, como professor, lecionou disciplinas filosóficas e teológicas, o que lhe valeu grande reputação. Morreu nas proximidades de Terracina, a 7 de março de 1274. Sua memória é celebrada a 28 de janeiro, data em que seu corpo foi trasladado para Toulouse (França), em 1369.

Ofício das Leituras

Segunda leitura

Das Conferências de Santo Tomás de Aquino, presbítero

(Colatio 6 super Credo in Deum)              (Séc.XIII)

 Na cruz não falta nenhum exemplo de virtude

Que necessidade havia para que o Filho de Deus sofresse por nós? Uma necessidade grande e, por assim dizer, dupla: para ser remédio contra o pecado e para exemplo do que devemos praticar.

Foi em primeiro lugar um remédio, porque na paixão de Cristo encontramos remédio contra todos os males que nos sobrevêm por causa dos nossos pecados.

Mas não é menor a utilidade em relação ao exemplo. Na verdade, a paixão de Cristo é suficiente para orientar nossa vida inteira. Quem quiser viver na perfeição, nada mais tema fazer do que desprezar aquilo que Cristo desprezou na cruz e desejar o que ele desejou. Na cruz, pois, não falta nenhum exemplo de virtude.

Se procuras um exemplo de caridade: Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos (Jo 15,13). Assim fez Cristo na cruz. E se ele deu sua vida por nós, não devemos considerar penoso qualquer mal que tenhamos de sofrer por causa dele.

Se procuras um exemplo de paciência, encontras na cruz o mais excelente! Podemos reconhecer uma grande paciência em duas circunstâncias: quando alguém suporta com serenidade grandes sofrimentos, ou quando pode evitar os sofrimentos e não os evita. Ora, Cristo suportou na cruz grandes sofrimentos, e com grande serenidade, porque atormentado, não ameaçava (1Pd 2,23); foi levado como ovelha ao matadouro e não abriu a boca (cf. Is 53,7; At 8,32).

É grande, portanto, a paciência de Cristo na cruz. Corramos com paciência ao combate que nos é proposto, com os olhos fixos em Jesus, que em nós começa e completa a obra da fé. Em vista da alegria que lhe foi proposta, suportou a cruz, não se importando com a infâmia (cf. Hb 12,1-2).

Se procuras um exemplo de humildade, contempla o crucificado: Deus quis ser julgado sob Pôncio Pilatos e morrer.

Se procuras um exemplo de obediência, segue aquele que se fez obediente ao Pai até à morte: Como pela desobediência de um só homem, isto é, de Adão, a humanidade toda foi estabelecida numa condição de pecado, assim também pela obediência de um só, toda a humanidade passará para uma situação de justiça (Rm 5,19).

Se procuras um exemplo de desprezo pelas coisas da terra, segue aquele que é Rei dos reis e Senhor dos senhores, no qual estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência (Cl 2,3), e que na cruz está despojado de suas vestes, escarnecido, cuspido, espancado, coroado de espinhos e, por fim, tendo vinagre e fel como bebida para matar a sede.

Não te preocupes com as vestes e riquezas, porque repartiram entre si as minhas vestes (Jo 19,24); nem com honras, porque fui ultrajado e flagelado; nem com a dignidade, porque tecendo uma coroa de espinhos, puseram-na em minha cabeça (cf. Mc 15,17); nem com os prazeres, porque em minha sede ofereceram-me vinagre (Sl 68,22).

 

Responsório             Sb 7,7-8; 9,17

 R. Pedi e foi-me dada inteligência,

roguei e recebi sabedoria.

* Aos tronos e ao poder a preferi;

a ela comparadas, as riquezas

perderam para mim todo o valor.

V. Quem pode conhecer vossos desígnios

se vós não lhe doais sabedoria,

enviando, das alturas celestiais,

o vosso Santo Espírito, Senhor? * Aos tronos. 

 

Oração

Ó Deus, que tornastes Santo Tomás de Aquino um modelo admirável, pela procura da santidade e amor à ciência sagrada, dai-nos compreender seus ensinamentos e seguir seus exemplos. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

 

Tomás em quadrinhos

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O que é que a Suma tem?

suma_teo_2

Agora é possível pesquisar no blog Suma Teológica as questões e os artigos que compõem essa maravilhosa obra de Santo Tomás de Aquino. O que diz Santo Tomás sobre Deus, Cristo, pecado, espírito, fé, céu, inferno e tantas outras coisas mais? Afinal, são 512 questões e 2669 artigos com os mais variados temas. Como leitor da Suma, logo me deparei com a enorme dificuldade em localizar os assuntos que me interessavam, por isso resolvi fazer um índice em formato digital com um mecanismo de busca que facilitasse a pesquisa, que agora também disponibilizo aos leitores do blog. Basta clicar em “Pesquisar questões e artigos da Suma Teológica”, no canto superior direito da página, para abrir a ferramenta de pesquisa.  Características:

– Pode-se pesquisar por partes e questões específicas e também por palavras-chave, incluindo-as e excluindo-as à vontade para refinar a busca.

– Aceita palavras parciais.

– Não leva em conta a acentuação.

– Para fazer a pesquisa clique em “Pesquisar” ou tecle “Enter”. Questões, artigos e palavras podem ser incluídas ou excluídas em qualquer tempo, para refinar a pesquisa.

– Use F5 para limpar os campos.

– Funciona no Chrome, Firefox e na última versão do Explorer.

Os volumes e as páginas são das Edições Loyola (foto acima). Se alguém ainda não conhece essa obra e ficou curioso com o vídeo da Padre Paulo Ricardo no post anterior, aproveite para conhecê-la. Pesquisar com os campos em branco retorna todos os artigos cadastrados até o momento. Caso alguém se interesse por algum artigo específico, posso publicá-lo aqui no blog, mas somente depois que o indice estiver completo.

Abraço a todos.

David

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Santo Tomás de Aquino está ultrapassado?

Artigo do Padre Paulo Ricardo

Embora o Magistério lhe atribua o título de Doctor Angelicus, por sua inigualável contribuição à teologia, Santo Tomás de Aquino vem caindo no esquecimento ano após ano. Em alguns casos, chega-se a considerá-lo matéria ultrapassada, sobre a qual não valeria mais a pena discutir. Os estudos teológicos, com efeito, deveriam ser pautados apenas pelos conceitos modernos de investigação, não por teses medievais.

Mas essa, sem sombra de dúvida, não é a posição da Igreja Católica. O Concílio Vaticano II, superando qualquer outra afirmação conciliar já feita – mesmo as de Trento -, deu a Santo Tomás de Aquino o posto de “o guia” da teologia e da filosofia. Por duas vezes, os padres conciliares se referem a ele nesses termos. A Declaração Gravissimum Educationis, que versa sobre a educação cristã, por exemplo, diz o seguinte: “se veja mais profundamente como a fé e a razão conspiram para a verdade única, segundo as pisadas dos doutores da Igreja, mormente de S. Tomás de Aquino”01. E assim também a Optatam totius, sobre a formação dos sacerdotes: “Depois, para aclarar, quanto for possível, os mistérios da salvação de forma perfeita, aprendam a penetrá-los mais profundamente pela especulação, tendo por guia Santo Tomás, e a ver o nexo existente entre eles”02.

Contudo, apesar das claras admoestações do Concílio, bastou que Paulo VI dissesse “Ite, missa est”, para que Santo Tomás de Aquino fosse varrido do mapa. A impressão que se tinha era que Leia mais deste post

Santo Tomás de Aquino e a fé como perfeição da inteligência

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Santo Tomás de Aquino y la fe como perfección de la inteligencia

Los preámbulos de la fe y el atrio de los gentiles

* Una clara distinción entre razón y fe: se distinguen tanto por sus contenidos (aun cuando el objeto final de las dos sea Dios) por el método del que se valen para acceder a los mencionados contenidos: la razón se vale de la abstracción, mientras que la fe se vale de la revelación.

* Frente a Averroes mantiene que no hay contradicción entre ambas, pero sí una zona de confluencia. Santo Tomás niega la teoría de la doble verdad pero admite que hay dos tipos de verdades independientes entre sí: 1) Los artículos de fe, verdades a las que sólo se puede acceder a través de la fe. 2) Verdades que son dominio de la razón cuyo objeto de estudio es el mundo natural.

* Junto a estos dos tipos de verdades que son materia exclusiva de la fe o materia exclusiva de la razón Santo Tomás admite un tercer tipo de verdades a las que se puede acceder desde los dos ámbitos: ese tercer tipo de verdades las llama preámbulos de la Fe y son verdades tales como que Dios existe, que es uno, que es creador del mundo, etcétera.

La teología como ciencia

* Tomás se apoya en la distinción, común en el periodo clásico griego, entre “opinión” (dóxa) y “ciencia” (epistéme). Sólo le interesa lo segundo, que podemos llamar Leia mais deste post

Padre Paulo Ricardo e Santo Tomás: por que rezar?

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Tomás responde: Cristo, após a ressurreição, deveria conviver continuamente com os discípulos?

Tintoretto_Noli_me_tangereJacopo Tintoretto, Noli Me Tangere

Parece que Cristo, após a ressurreição, deveria conviver continuamente com os discípulos:

1. Na verdade, ele apareceu aos discípulos após a ressurreição para os confirmar na fé da ressurreição e para levar a consolação aos confundidos, conforme diz o Evangelho de João: “Vendo o Senhor, os discípulos ficaram tomados de intensa alegria”. Ora, teriam maior confirmação na fé e maior consolo se continuamente tivesse se  apresentado diante deles. Logo, parece que deveria ter convivido continuamente com eles.

2. Além disso, ao ressuscitar dos mortos, Cristo não subiu logo aos céus, mas depois de quarenta dias, segundo o livro dos Atos dos Apóstolos. Ora, naquele intervalo de tempo, não poderia ter nenhum outro lugar mais conveniente para estar do que entre seus discípulos reunidos. Logo, parece que deveria ter convivido continuamente com eles.

3. Ademais, lê-se que no próprio domingo da ressurreição Cristo apareceu cinco vezes, como diz Agostinho: primeiro, “às mulheres junto ao sepulcro; depois, no caminho, quando voltavam do sepulcro; terceiro, a Pedro; quarto, aos dois discípulos a caminho de uma aldeia; quanto, a diversas pessoas em Jerusalém, quando Tomé não estava presente”. Portanto, parece que também nos demais dias antes de sua ascensão ele deveria ter aparecido pelo menos algumas vezes.

4. Ademais, o Senhor dissera aos discípulos antes de sua paixão: “Depois de ressuscitado, eu vos precederei na Galiléia”. O mesmo que disseram às mulheres o anjo e o próprio Senhor após a ressurreição. Contudo, foi visto por eles, antes, em Jerusalém, tanto no próprio dia da ressurreição, conforme dito acima, como também no oitavo dia, segundo se lê no Evangelho de João. Portanto, parece que, após a ressurreição, não conviveu com os discípulos como seria conveniente.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz João que “oito dias mais tarde” Cristo apareceu aos discípulos. Portanto, não convivia com eles continuamente.

Tomas_RespondoA respeito da ressurreição, duas coisas deviam ser declaradas aos discípulos, ou seja, a realidade mesma da ressurreição e a glória do ressuscitado. Ora, para manifestar a realidade da ressurreição, era suficiente que lhes aparecesse algumas vezes, quando com eles conversou em tom familiar, com eles comeu e bebeu e quando permitiu que eles o tocassem. Mas, para manifestar a glória do ressuscitado, não quis conviver continuamente com os discípulos, como fizera antes, para que não parecesse ter ressuscitado para uma vida igual à que tivera antes. Por isso, lhes diz: “Eis as palavras que eu vos dirigi quando ainda estava convosco”. Ora, nessa ocasião, estava presente entre eles de modo corporal; anteriormente, porém, estivera com eles não apenas com sua presença corporal, mas também na aparência de um mortal. Por isso, diz Beda, ao comentar as supracitadas palavras: “Quando ainda estava convosco, ou seja, quando ainda estava na carne mortal, na qual vós ainda estais. Mas agora ressuscitara com a mesma carne que eles, mas não era mais igualmente mortal”.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. A frequente aparição de Cristo era suficiente para confirmar os discípulos a respeito da realidade da ressurreição. Já uma contínua convivência poderia Leia mais deste post

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