Tomás responde: Cristo deveria nascer em Belém?

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Parece que Cristo não deveria nascer em Belém:

1. Com efeito, Isaías diz: “A lei virá de Sião e a palavra de Deus de Jerusalém” (2, 3). Ora, Cristo é a verdadeira Palavra de Deus. Logo, tinha de vir ao mundo em Jerusalém.

2. Além disso, está escrito a respeito de Cristo, diz o Evangelho de Mateus, que “será chamado nazareno” (2, 23). Isso está tomado da profecia de Isaías: “uma flor nascerá de sua raiz” (11, 1). Ora, ‘Nazaré’ quer dizer flor. Mas alguém é denominado sobretudo do lugar em que nasceu. Logo, parece que deveria ter nascido em Nazaré, onde também foi concebido e criado.

3. Ademais, o Senhor veio ao mundo para anunciar a fé na verdade, como diz o Evangelho de João: “Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade” (18, 37). Ora, tal missão teria resultado mais fácil se tivesse nascido na cidade de Roma que então dominava o mundo. Por isso Paulo, na Carta aos Romanos, diz: “No mundo inteiro se proclama a vossa fé” (1, 8). Logo, parece que não devia nascer em Belém.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, está escrito em Miquéias: “E tu, Bet-Lehem Efrata (…) de ti sairá para mim aquele que há de governar Israel” (5, 2).

Tomas_RespondoCristo quis nascer em Belém por dois motivos. Primeiro, porque “é da descendência de David segundo a carne”, como se diz na Carta aos Romanos (1, 3). É a David que foi feita uma promessa especial a respeito de Cristo, segundo o livro dos Reis: “Oráculo do homem posto no alto, do Messias do Deus de Jacó” (2Re 23, 1). Por isso quis nascer em Belém, onde nascera também David, para que, pelo lugar mesmo do nascimento, aparecesse a realização da promessa que lhe tinha sido feita. É o que mostra o evangelista ao dizer: “Porque era da casa e da família de David” (Lc 2, 4).

E em segundo lugar, porque, como diz Gregório: “Belém quer dizer ‘casa do pão’. E o próprio Cristo afirma: “Eu sou o pão vivo, que desceu do céu”.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que

1. David nasceu em Belém, mas escolheu Jerusalém para estabelecer nela a sede de seu reino e ali edificar o templo de Deus. Assim, Jerusalém viria a ser ao mesmo tempo a cidade real e sacerdotal. Mas o sacerdócio de Cristo, e o seu reino, se realizaram principalmente em sua paixão. Por isso era conveniente que, para nascer, escolhesse Belém e para a paixão Jerusalém. Leia mais deste post

What Child is This? (c/ tradução)

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What Child Is This?

Que criança é essa?

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What child is this who, laid to rest

Que criança é essa que, colocado a descansar

On Mary’s lap, is sleeping?

No colo de Maria, está dormindo?

Whom angels greet with anthems sweet,

Que os anjos saúdam docemente com cânticos,

While shepherds watch are keeping?

Enquanto pastores continuam Leia mais deste post

Menino Jesus do Espinho

Uma piedosa lenda de Natal conta que o Menino Jesus sentado num troneto brincou tecendo uma coroa de espinhos.

E um espinho machucou seu dedo indicador da mão direita.

Nesse momento, com ciência profética, Ele previu os sofrimentos que haveria de aceitar para redimir o genro humano.

Em sua doçura de criança e na candura de sua inocência infinita Ele pressentiu as dores lancinantes de sua Paixão e Morte na Cruz.

Leia a matéria completa no excelente site “Contos e lendas da era medieval“.

Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino, Igreja, Teologia, Filosofia

Tomás responde: Foi conveniente que os magos viessem adorar e venerar a Cristo?

Bernardo Cavallino, Adoração dos Magos (séc. XVII)

Parece que não foi conveniente que os magos viessem adorar e venerar a Cristo:

1. Com efeito, cada rei deve receber a homenagem de seus súditos. Ora, os magos não pertenciam ao reino dos judeus. Logo, quando conheceram pela visão da estrela que tinha nascido o Rei dos Judeus, parece que não era conveniente que viessem adorá-lo.

2. Além disso, é imprudente anunciar um rei estrangeiro enquanto vive o próprio rei. Ora, Herodes reinava no reino dos judeus. Logo, os magos procederam com imprudência ao anunciar o nascimento do rei.

3. Ademais, um sinal do céu é mais seguro do que uma indicação humana. Ora, os magos vieram do Oriente à Judéia guiados por um sinal do céu. Logo, agiram sem prudência ao buscar uma indicação humana, abandonando a guia da estrela, quando perguntaram: “Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?”

4. Ademais, a oferenda de dons e a homenagem da adoração são devidas só aos reis que estão reinando. Ora, os magos não encontraram Cristo revestido da dignidade real. Logo, não foi conveniente apresentar-lhe dons e render-lhe homenagem real.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, afirma Isaías: “As nações vão caminhar para a tua luz e os reis para a claridade da tua aurora” (60, 3). Ora, os que são conduzidos pela luz divina não erram. Logo, os magos não incorreram em erro ao prestar homenagem a Cristo.

 

Como já foi dito, os magos são as primícias dos pagãos a crerem em Cristo. Neles apareceram, numa espécie de presságio, a fé e a devoção dos pagãos vindos a Cristo de lugares remotos. Por isso, sendo a fé e a devoção dos pagãos isenta de erro por inspiração do Espírito Santo, também deve-se crer que os magos, inspirados pelo Espírito Santo, se comportaram sabiamente ao prestarem homenagem a Cristo.

 

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Como diz Agostinho: “Muitos reis dos judeus nasceram e morreram sem que os magos os tivessem procurado para adorá-los. Não é, pois a um rei dos judeus como então costumavam ser, que estes estrangeiros, vindos de tão longe, e totalmente alheios a este reino, julgavam estar prestando tão grande Leia mais deste post

Tomás responde: Era necessário que fosse anunciado à Bem-aventurada Virgem o que iria realizar-se nela?

Domenico Beccafumi, Anunciação (1545-1546)

Parece que não era necessário que fosse anunciado à Bem-aventurada Virgem o que iria realizar-se nela:

1. Com efeito, parece que a anunciação só seria necessária para obter o consentimento da virgem. Ora, tal consentimento não perece ter sido necessário, porque a concepção de uma virgem já estava anunciada de antemão pela profecia de predestinação que “se realiza sem a nossa decisão”, como diz uma Glosa. Logo, não era necessário que se realizasse tal anunciação.

2. Além disso, a bem-aventurada Virgem acreditava na encarnação, pois sem essa fé ninguém poderia estar em estado de salvação, porque, como diz a Carta aos Romanos: “A justiça de Deus é dada pela fé em Jesus Cristo” (3,22). Ora, quando alguém crê algo com certeza não precisa de ulteriores explicações. Logo, não era necessário à bem-aventurada Virgem que lhe fosse anunciada a encarnação do Filho.

3. Ademais, assim como a bem-aventurada Virgem concebeu a Cristo corporalmente, assim também toda alma santa o concebe espiritualmente; por isso diz o apóstolo na Carta aos Gálatas: “Meus filhinhos a quem de novo dou à luz, até que se forme Cristo em vós” (4, 19). Ora, aos que devem conceber Cristo espiritualmente não lhes é anunciada tal concepção. Logo não havia por que anunciar à bem-aventurada Virgem que iria conceber no seu seio o Filho de Deus.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o anjo, segundo o Evangelho de Lucas, lhe disse: “Eis que conceberás em teu seio e darás à luz um filho” (1, 31).

RESPONDO. Era conveniente que fosse anunciado à bem-aventurada Virgem que iria conceber Cristo:

1º. Para que fosse guardada a ordem que convinha à união do Filho de Deus com a Virgem, ou seja, que o seu espírito fosse preparado antes que ela o concebesse corporalmente. Por isso Agostinho diz: “Maria foi mais feliz de receber a fé em Cristo do que de conceber a carne de Cristo”. E acrescenta a seguir: “De nada teria servido a Maria a intimidade materna, se não tivesse sido mais feliz por levar a Cristo em seu coração do que em seu corpo”.

2º. Para que pudesse ser firme testemunha deste mistério, uma vez que fora instruída por Deus a respeito dele.

3º. Para que oferecesse a Deus os Leia mais deste post

Natal

Gerard van Honthorst, Adoração dos Pastores, 1622

Essa é a trindade de verdades reveladas simbolizadas aqui pelos três tipos nas antigas histórias do Natal: os pastores, os reis e o outro rei que declarou guerra contra as crianças. Não é simplesmente verdadeiro dizer que outras religiões e filosofias são, sob esses aspectos, suas rivais. Não é verdadeiro dizer que alguma delas reúna essas características; não é verdadeiro dizer que alguma delas pretenda reuni-las. O budismo pode professar ser igualmente místico; mas não professa ser igualmente militar. O islamismo professa ser igualmente militar; mas não professa ser igualmente metafísico e sutil. O confucionismo pode professar que satisfaz a necessidade que têm os filósofos de ordem e razão; mas não professa satisfazer a necessidade que os místicos têm do milagre, do sacramento e da consagração de coisas concretas. Há muitas evidências dessa presença de um espírito ao mesmo tempo universal e único. Uma delas servirá neste ponto, aquela que é o assunto deste capítulo: nenhuma outra história, nenhuma lenda pagã, ou anedota filosófica, ou evento histórico de fato nos afeta com aquela impressão peculiar e até pungente produzida em nós pela palavra Belém. Nenhum outro nascimento de um deus, nenhuma outra infância de um sábio nos parece ser o Natal nem algo parecido com o Natal. Ou é demasiado frio ou demasiado frívolo, ou demasiado formal e clássico, ou demasiado simples e selvagem, ou demasiado oculto e complicado. Ninguém dentre nós, sejam quais forem nossas opiniões, jamais iria buscar uma cena dessas com a sensação de estar indo para casa. Poderíamos admirá-la por ela ser poética, ou por ser filosófica, ou por muitas outras coisas isoladas; mas não por ela ser o que é. A verdade é que há um caráter muito peculiar e individual envolvendo o fascínio que essa história exerce sobre a natureza humana; em sua substância psicológica ela não é nada parecida com uma lenda ou com a biografia de um grande homem. No exato sentido comum, ela não dirige nossa mente para a grandeza: para aquelas amplificações e exageros de seres humanos transformados em deuses e heróis, mesmo pelas espécies mais sadias de veneração dos heróis. Ela não opera exatamente para fora, com intrepidez, visando as maravilhas que se podem encontrar nos confins da terra. Ela é antes algo que nos surpreende pelas costas, desde a parte oculta e pessoal de nosso ser; como aquilo que às vezes nos pega desprevenidos na emoção de pequenos objetos ou nas atitudes piedosas de gente pobre. É mais propriamente como se alguém tivesse descoberto um quarto interno no recesso mais íntimo de sua própria casa, de cuja existência nunca se suspeitara, e houvesse visto uma luz provindo lá de dentro. É como se alguém houvesse encontrado algo no fundo do seu coração que o cooptasse para o bem. Não é algo feito daquilo que o mundo chamaria de materiais resistentes; ou melhor, é algo feito de materiais cuja resistência reside naquela leveza alada com que eles nos tocam de leve e vão embora. É tudo aquilo dentro de nós que não passa de uma breve ternura e que ali se torna eterno; tudo aquilo não significa mais que um enternecimento momentâneo que de alguma estranha maneira se transforma em fortalecimento e repouso; é a palavra perdida e o discurso interrompido que se tornam positivos e são suspensos intactos, à medida que os estranhos reis desaparecem num país distante e nas montanhas já não se ouvem os pés dos pastores; e permanecem apenas a noite e a caverna com pregas sobre pregas cobrindo algo mais humano que a humanidade.

 

G. K. Chesterton, O Homem Eterno, Mundo Cristão, 1ª edição, 2010

Cur Deus homo

Agnolo Bronzino, o nascimento de Jesus, 1535-40

Conformes ao propósito dessa iniciação, gostaríamos de fazer descobrir outra face de sua aproximação ao mistério. Sem refazer todo o seu percurso, seria mais esclarecedor retomar aqui a questão que os teólogos se punham desde muito tempo: Cur Deus homo? Por que Deus se fez homem?

Já evocamos a parte mais conhecida da resposta de Mestre Tomás, mas não conseguimos esgotar tudo o que disse sobre esse assunto. Como ele se recusa a falar de uma necessidade pura e simples da encarnação  – uma vez que não podemos limitar a onipotência de Deus, que poderia nos salvar de qualquer outro modo -, procura antes as razões de conveniência que podem ajudar a entender alguma coisa do incompreensível amor que levou Deus a tal extremo. Depois de Santo Agostinho, de Santo Anselmo e de tantos outros, os quais a Escritura orientava nessa direção, ele apela naturalmente à cura da ferida causada pelo pecado (remedium peccati), à restauração (reparatio) da humanidade na amizade com Deus, à satisfação pelo pecado, que aparecem como os motivos mais manifestos. É assim que o tema da satisfação, presente nas Sentenças e perfeitamente formulado no Compendium theologiae, persiste ainda na Suma Teológica:

 

A encarnação liberta o homem da servidão, o que, como Agostinho diz, “teve de ser feito de tal sorte que o demônio fosse vencido pela justiça do homem Jesus Cristo”. E isso se fez pela satisfação de Cristo por nós. Um simples homem não poderia satisfazer por todo o gênero humano; Deus não o devia; portanto era necessário que Jesus Cristo fosse Deus e homem (Homo autem Purus satisfacere non poterat, Deus autem satisfacere non debebat). [O balanço das fórmulas bastaria para revelar o sinal de origem, Anselmo foi nisso apenas um intermediário. Longe de dissimulá-lo, Tomás o anuncia, e após citar Agostinho continua com Leão:] “A fraqueza é assumida pela força, a humildade pela majestade; para que, conforme era necessário para nossa cura, um só e o mesmo mediador entre Deus e os homens (1Tm 2,5) pudesse morrer como homem e ressurgir como Deus. Se não fosse verdadeiro Deus, não poderia trazer-nos o remédio; se não fosse verdadeiro homem, não nos daria o exemplo”.(P3Q1A2)

 

Não obstante sua pertinência e sua persistência, o tema da reparação do equilíbrio perdido pelo pecado corre sempre o risco de favorecer uma visão antropocêntrica das coisas: o pecado parece impor a Deus uma finalidade não prevista por ele. Na busca de uma via nova, Tomás parece tê-la encontrado na Leia mais deste post

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