14 janeiro, 2014
por David

Fonte: Reinaldo Azevedo
A imprensa mundial, a brasileira também, pôs na cabeça que Jorge Bergoglio se transformou no papa Francisco com o objetivo de destruir os valores da Igreja Católica e transformá-la, quem sabe?, numa dessas ONGs consideradas “progressistas”. E, como todos sabemos, as pessoas só são progressistas hoje em dia se defenderem o casamento gay, a descriminação das drogas e, acima de todas essas causas, o aborto. Por que é tão importante para as esquerdas de hoje transformar o feto num dente que se pode arrancar quando incomoda (para lembrar uma imagem a que recorreu Dilma Rousseff ainda antes de ser candidata)? Não sei. Essa obsessão desafia a minha capacidade de entendimento dos desvãos da alma humana. Só certo feminismo — que pretende que o feto seja uma mera extensão do corpo da mulher — parece-me insuficiente para explicar a determinação com que se faz a defesa desabrida da morte. Adiante.
Nesta segunda, na mensagem tradicional de início de ano aos embaixadores de seus respectivos países junto ao Vaticano, Francisco fez uma dura condenação do aborto, que chamou de parte da “cultura do descarte”. Afirmou ainda: “Causa horror o simples pensamento de que existam crianças que jamais poderão ver a luz do dia, vítimas do aborto”.
E, acreditem, a declaração está gerando barulho. Estão entendendo a sua fala como uma concessão aos “conservadores da Igreja Católica”, o que é, para dizer pouco, uma leitura boçal. O surpreendente, aí sim, seria se Francisco tivesse condescendido com o aborto. Nessa matéria, não existe “igreja progressista” e “igreja tradicionalista”. Existem o compromisso com a morte e o compromisso com a vida.
Por que essa leitura cretina da fala do papa? Porque, infelizmente, essa mesma imprensa, em matéria religiosa, tem mais compromisso com os seus erros e com os seus preconceitos do que com os fatos.
Em setembro, o papa concedeu uma longa entrevista à revista jesuíta “Civiltà Cattolica”. Trechos de sua fala, retirados do contexto, levaram alguns intérpretes mundo afora à suposição de que o papa estava condescendendo com o aborto e admitindo a possibilidade de a Igreja vir a flertar com tal prática. Escrevi a respeito. Apontei a distorção, sem deixar de apontar o que me desagradava na sua resposta. Chamei a atenção dos leitores para a distorção estúpida. Fui acusado de tentar negar o óbvio. Transcrevo, em português, a afirmação do Sumo Pontífice a respeito (em azul).
(…)
“Esta é também a grandeza da confissão: o facto de avaliar caso a caso e de poder discernir qual é a melhor coisa a fazer por uma pessoa que procura Deus e a sua graça. O confessionário não é uma sala de tortura, mas lugar de misericórdia, no qual o Senhor nos estimula a fazer o melhor que pudermos. Penso também na situação de uma mulher que carregou consigo um matrimónio fracassado, no qual chegou a abortar. Depois esta mulher voltou a casar e agora está serena, com cinco filhos. O aborto pesa-lhe muito e está sinceramente arrependida. Gostaria de avançar na vida cristã. O que faz o confessor?”
“Não podemos insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual e uso dos métodos contraceptivos. Isto não é possível. Eu não falei muito destas coisas e censuraram-me por isso. Mas quando se fala disto, é necessário falar num contexto. De resto, o parecer da Igreja é conhecido e eu sou filho da Igreja, mas não é necessário falar disso continuamente”.
(…)
Volto
Reproduzo aqui a crítica que fiz (em azul) e volto em seguida.
Acho, sim, que a fala do papa está transitando por terrenos perigosos, e minha crítica está mantida, mas considerar que o que vai acima significa condescender com o aborto é de uma falsidade escandalosa. A matéria de que se cuida acima é outra. O papa está a falar de arrependimento e de perdão. E, a rigor, não há novidade nenhuma nisso.
“Mas por que você mantém a crítica?” Porque ele não deve ignorar o ambiente em que faz considerações dessa natureza e porque as palavras não são duras o bastante em relação à questão em si. Espera-se do pastor por excelência da Igreja que seja mais preciso ao acolher a mulher que abortou e ao repudiar o aborto em si.
Assim, é fato que Francisco, em alguma medida, criou condições favoráveis à distorção intelectualmente dolosa do que disse. O lobby em favor da legalização do aborto é um dos mais organizados do mundo. E demonstra, uma vez mais, a sua força. Entender por que alguém se dedica a essa causa com tanto afinco, como se estivesse a propugnar por um novo iluminismo, é um dos grandes enigmas morais do nosso tempo.
Retomo
Ao deixar clara, de forma inequívoca, a condenação ao aborto, o papa não Leia mais deste post
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