Algumas considerações sobre lei natural (resposta a Leonardo)
19 agosto, 2020 1 Comentário
No post abaixo, publiquei um questionamento que me foi enviado por um leitor do blog, relacionado à lei natural. Aproveito para fazer algumas considerações a respeito, já que a lei natural, ou lei moral, é um tema que considero fascinante e, em minha opinião, uma das pedras no sapato dos ateístas. Não é à toa que o livro do qual postei um capítulo que resultou na presente discussão tem como subtítulo “Um cientista apresenta evidências de que Ele existe”. Cientista e ex-ateu, ressalte-se. Na verdade, tenho recolhido material e pesquisado sobre o tema com o intuito de postar no blog uma análise melhor fundamentada do tema, porém é trabalho de longo prazo. Nesse artigo eu gostaria apenas de colocar alguns aspectos sobre o assunto em questão que podem ser úteis para ajudar a aprofundar o tema. Antes de mais nada, creio que existam três posturas que se pode tomar com relação à lei natural:
- Os que negam que exista uma lei natural.
- Os que aceitam a existência da lei natural, porém como uma espécie de mecanismo biológico ou social advindo da evolução humana.
- Os que aceitam a existência da lei natural como algo infundido por Deus.
Ademais, outras questões importantes se apresentam, qualquer que seja a postura adotada. Pode-se provar a sua existência ou sua não existência? Afinal, caso exista, pela sua própria definição trata-se necessariamente de verdade objetiva e universal. Ou trata-se de algo que não se pode provar mas que se impõe, ou não, pelas evidências a favor ou contra, como é o caso das discussões sobre a existência de Deus? Evidentemente, não é objetivo deste artigo responder a essas questões, mas apenas colocar alguns problemas relativos ao tema.
Um dos problemas quando se discute sobre a lei moral é quando esta é colocada no contexto da briga entre criacionistas e evolucionistas. E isso é de fato um grande problema, pois ambos podem aceitar sua existência, porém com origens totalmente diversas que resultariam em concepções da moral em si também diversas, e então o próprio conceito de moralidade é afetado. Não é a mesma coisa uma lei que, em si, é divina, e portanto imutável, e uma lei “gerada” pelo movimento da evolução através do tempo, mesmo que esta tenha assumido feições biológicas. Afinal, mudadas as condições, mudam-se a necessidades, e o que hoje é lei com o tempo pode se alterar e ter novas feições. Enquanto a primeira é uma lei eterna e imutável, a outra é uma lei com a qual podemos fazer uma analogia com as leis civis: mudado o contexto, muda-se a lei. Fica, pois, evidente que “lei natural” para esses dois pontos de vista não tem o mesmo significado e alcance.
Ainda no contexto da luta entre Criacionismo e Evolucionismo, existe ainda um outro problema, comum a ambos, e que deve ser elucidado para uma boa compreensão da lei natural que deles emanaria. Trata-se do empobrecimento e deturpação dos conceitos de Criação e Evolução.
Como católico, tenho certeza da Criação como fato (sobre a relação entre fé e razão recomendo a Carta Encíclica Fides et Ratio, de João Paulo II), porém de modo algum sou um criacionista no sentido mais comum do termo. Fazer uma interpretação literal e fundamentalista da Bíblia significa tirar-lhe toda a profundidade. Não apenas a profundidade do conhecimento de Deus e de sua ação para com o homem, mas também a profundidade do conhecimento de si mesmo, por parte do homem. É uma espécie de infantilidade da fé ou da religião. Nesse contexto, a própria palavra “fé” acaba perdendo seu significado mais profundo e torna-se, com toda razão, motivo de escárnio. A Bíblia não é um manual de ciências. Um conceito de lei natural que tivesse essa visão como premissa certamente ficaria deformado.
De outra parte, o evolucionismo segue caminho semelhante. Parece que na Teoria da Evolução a palavra “teoria” perdeu seu caráter hipotético e especulativo e passou a significar ”realidade”, “verdade absoluta e inquestionável”. É evidente que a teoria da evolução tem o seu valor, porém hoje é apresentada como um absoluto que se deve aceitar e não questionar sob pena de ser considerado um imbecil. Se alguém duvida, comece a assistir documentários nesses canais de tv que deveriam, supostamente, trazer matérias científicas. Frequentemente verá que a explicação para tudo é a evolução. Seja um documentário sobre animais, seja sobre a humanidade, tudo se explica falando a palavra mágica “evolução”. Assim como na piada, que quando o médico não sabe o que o paciente tem diz que é “virose”, não se preocupe quando for fazer o seu documentário ou escrever seu livro. O que você não souber explicar como aconteceu diga que é “a evolução” e pronto! Como escreveu Chesterton com ironia, basta jogar o fator tempo, alguns milhares ou milhões de anos, que tudo se explica. Não entrarei aqui no mérito das discussões entre os adeptos do design inteligente e os evolucionistas, na explosão cambriana ou nos exemplos de complexidade irredutível, muito embora a única resposta dos evolucionistas é a de que o acaso tudo pode, sem nunca demonstrar nada. O que interessa aqui é o fato de que a evolução, vista como um absoluto, acaba tornando-se ela própria matéria de fé, não de ciência. Como sugestão, CLIQUE AQUI para assistir a um divertido vídeo sobre isso.
Quanto aos questionamentos do leitor, a parte referente às formigas (“Em relação ao primeiro exemplo, não seria incoerente comparar um grupo de animais não racionais e bem menos complexos com a raça humana? Isto é, se as formigas não são de um jeito, não significa que humanos não podem ser desse jeito.”) penso tratar-se de uma interpretação equivocada. Na verdade, o autor do texto (para ver o artigo completo CLIQUE AQUI) usa esse exemplo contra a explicação evolutiva, e não a favor. Ou seja, o que para as formigas pode até ser um comportamento evolutivo, não se aplica aos seres humanos no que diz respeito ao comportamento altruísta. Para entender melhor, segue o trecho completo:
“Um terceiro argumento é o de que o comportamento altruísta entre membros de um grupo beneficia o grupo todo. Como exemplos temos os formigueiros, nos quais operárias estéreis trabalham de maneira árdua e incessante para criar um ambiente onde suas mães possam gerar mais filhos. Esse tipo de altruísmo das formigas, contudo, é prontamente explicado em termos evolucionários pelo fato de os genes que incentivam as formigas operárias estéreis serem exatamente os mesmos que serão transmitidos pela mãe aos irmãos e irmãs que aquelas estão ajudando a criar. Os evolucionistas agora concordam, quase unânimes, que essas conexões de DNA incomuns não se aplicam a populações mais complexas, nas quais a seleção trabalha no indivíduo, não na população. O comportamento limitado da formiga operária, portanto, apresenta uma diferença essencial com relação à voz interior que faz com que eu me sinta compelido a saltar no rio para tentar salvar um estranho que está se afogando, mesmo que eu não seja um bom nadador e possa morrer na tentativa. Além disso, para que o argumento evolucionário referente a benefícios grupais de altruísmo se mantivesse, seria necessário, aparentemente, uma reação oposta, ou seja, a hostilidade a indivíduos que não fizessem parte do grupo. O ágape de Oskar Schindler e Madre Teresa distorce esse tipo de raciocínio. Choca saber que a Lei Moral me pede que salve alguém que está se afogando, mesmo que seja um inimigo.”
O segundo questionamento é o seguinte:
“Em relação ao segundo exemplo, tal atitude não poderia ser explicada por uma falha ou uma imperfeição na evolução? Assim como possuímos falhas em nosso corpos, não poderíamos ter uma falha em uma moralidade originada pela evolução? Isto é, não seria possível que os nossos ancestrais que tinham algum tipo de comportamento altruísta que contribua para o desenvolvimento do grupo também fossem altruístas com pessoas fora do grupo, e mesmo ajudando inimigos, uma característica não benéfica a seus genes, continuassem sobrevivendo e se reproduzindo mais que outros que não tinham nenhum tipo de comportamento altruísta? Não sei se está claro o que quero dizer. É como se a Lei Moral fosse um pacote de características, algumas boas para os interesses evolucionistas, algumas ruins, porém que ainda tendo características ruins, valia a pena pelas características boas.”
Creio que sua hipótese é a de que a lei moral (no caso o altruísmo) é tão boa para a manutenção da espécie quando exercida dentro de seu grupo que uma falha da mesma (ser exercida também com os inimigos) não tiraria seus benefícios evolutivos. O problema é que isso já parte do pressuposto de que a lei natural é fruto da evolução, porém sem nenhuma demonstração real. Vai de encontro justamente à crítica que fiz acima à absolutização do evolucionismo sem base concreta. Com relação à analogia com os nossos corpos, as falhas são a exceção, não a regra. Mas no caso da lei natural, ela é a regra, e não consigo entender como uma falha tão grande teria ainda efeitos evolutivos. Porém, segue o debate…
Para finalizar, segue uma resposta que me enviou o amigo José Carlos, que se interessou pelos questionamentos que você fez.
“A lei moral não é algo inscrito nos genes de modo direto, não é um mero sentimento defeituoso ou não da evolução que possa ser contrário ou não a uma melhor ou pior sobrevivência da espécie.
A lei moral está profundamente ligada à consciência.
A consciência, de um modo muito simples e conciso, pode-se dizer que é: o animal sabe (coisas), mas não sabe que sabe.
Ora, se formos pelo caminho (errado, a meu ver) de um processo puramente biológico (natural no sentido biológico), dizer que a lei moral possa ser um erro da natureza é dizer que a consciência é um erro, mas foi a consciência que fez desta espécie a espécie totalmente dominante e sem rival no planeta, de tal modo que ela, a espécie, sabe disso e a discute (o que estão fazendo agora).
Na minha óptica a coisa está assim: A lei moral é uma descoberta, não é um instinto ou algo inscrito no ser humano, é uma descoberta semelhante à matemática. A matemática descobre-se, não se inventa, não é possível de inventar, não cabe qualquer coisa na matemática, é o que é, descobre-se as relações de operações possíveis, lógicas, entre os números e são essas, não outras arbitrárias. Numa certa linguagem, mais poética ou não, pode-se dizer que a matemática está no universo e o ser humano o que faz é descobri-la. A consciência, essa natural ao ser humano, vai descobrir a lei moral “inscrita” no Universo e adere (ou não) a ela. Há princípios dessa lei que são evidentes para todos, por isso tanto o aborígene como o esquimó descobrem essas evidências morais, daí a descoberta que certos princípios morais são universais em todos os grupos humanos, apesar das culturas distintas.”
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