Agir em vista do fim é próprio da natureza racional?
20 abril, 2009 Deixe um comentário
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“Agir em vista do fim é próprio da natureza racional?”
A)
• É necessário que todo agente aja em vista do fim, pois:
– Das causas ordenadas entre si, se a primeira for supressa, as demais também o serão.
– A primeira de todas as causas é a causa final (o fim é o último na execução, mas primeiro na intenção daquele que age. Ver vocabulário: “Fins e Meios“).
• A razão disso é que a matéria não segue a forma senão movida pelo agente, pois nada passa por si mesmo de potência ao ato.
• E o agente não move senão pela intenção do fim:
– Se o agente não fosse determinado para um efeito, não faria isso em vez daquilo.
– Para que produza um efeito determinado, é necessário que esteja determinado a algo certo que tenha razão de fim.
• E esta determinação:
– Na natureza racional, faz-se pelo apetite racional, que se chama vontade;
– Nas outras, faz-se pela inclinação natural, que se chama apetite natural.
B)
Uma coisa tende para o fim, por sua ação ou por movimento, de duas maneiras:
1) Como o homem, que por si mesmo se move para o fim:
– Os que são dotados de razão movem-se para o fim porque tem o domínio de seus atos pelo livre-arbítrio, que é “faculdade da vontade e da razão” (ver Artigo 1, nº 1 do Resumo).
2) Sendo movido por outro para o fim (como a seta tende para determinado fim porque é movida pelo arqueiro):
– As coisas, carentes de razão, tendem para o fim por inclinação natural. São movidas por outras, e não por si mesmas, porque não conhecem a razão de fim.
– Assim, toda a natureza irracional está para Deus como instrumento para o agente principal.
Portanto:
• Como o bem e o fim são o objeto da vontade, é necessário que todas as coisas que carecem de razão sejam movidas para seus fins particulares por uma vontade racional que alcance o bem universal. E esta é a vontade divina.
QUANTO AO SEGUNDO, ASSIM SE PROCEDE: Parece que agir para um fim é próprio da natureza racional.
1. – Pois o homem, a quem é próprio agir para um fim, não age nunca para um fim desconhecido. Ora, há muitos seres que não conhecem o fim, ou porque carecem absolutamente de conhecimento, como as criaturas insensíveis, ou porque, como os brutos, não apreendem a noção de fim. Donde se conclui que é próprio da natureza racional agir para um fim.
2. – ALÉM DISSO, agir para um fim é ordenar para este a ação própria, o que é obra da razão, e portanto não convém aos seres que dela carecem.
3. – ADEMAIS, o bem e o fim são o objeto da vontade. Ora, a vontade está na razão, como diz Aristóteles. Logo, agir para um fim é próprio só da natureza racional.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Filosofo, no livro II da Física, prova que não só o intelecto, mas também a natureza, age para um fim.
RESPONDO – Todos os agentes agem necessariamente para um fim. Ora, eliminada a primeira, de várias causas ordenadas umas para as outras, necessário é sejam também essas outras eliminadas. Ora, a primeira de todas as causas é a final; pois, a matéria não busca a forma senão quando movida pelo agente, nada passando por si da potência para o ato. O agente porém só move visando um fim, pois se não fosse determinado a certo efeito não produziria antes um de preferência a outro. Ora, para produzir um determinado efeito, necessário é seja determinado a algo certo como natureza de fim. E esta determinação, operada em a natureza racional pelo apetite racional chamado vontade, o é, nos outros seres, pela inclinação natural denominada apetite natural.
Deve-se contudo considerar, que um ser tende para um fim pela sua ação ou pelo seu movimento, de duplo modo: movendo-se por si mesmo para o fim, como o homem; ou movido por outro, ao modo da seta tendendo para um fim determinado, movida pelo arqueiro, que dirige para ele a sua ação. Por onde, os seres dotados de razão a si mesmos se movem para o fim, por terem o domínio dos seus atos pelo livre arbítrio, faculdade da vontade e da razão. Ao passo que os privados dela tendem ao fim por inclinação natural, como que movidos por outro e não por si mesmos, por não conhecerem a noção de fim. E portanto, não podem ordenar nada para um fim, mas somente são para este ordenados por outro, pois toda a natureza está para Deus como o instrumento para o agente principal, conforme já se estabeleceu.
Por onde, é próprio da natureza racional tender para o fim, como conduzindo-se ou dirigindo-se para ele. Ao passo que a natureza irracional, como levada ou conduzida por outro; quer seja o fim apreendido, como pelos brutos dotados de conhecimento, quer não apreendido, como se dá com os seres totalmente dele privados.
QUANTO AO 1º. – O homem conhece o fim quando age para ele, por si mesmo; mas quando levado ou conduzido por outro. p.ex., quando age por império de outrem, ou quando movido por impulso de outrem, não é necessário conheça o fim. E isso se dá com as criaturas irracionais.
QUANTO AO 2º. – Ordenar para o fim é próprio de quem por si mesmo se dirige para ele. Ao passo que ser ordenado para o fim é próprio de ser, que para o mesmo é levado por outro; o que pode convir à natureza irracional, mas proveniente de um ser dotado de razão.
QUANTO AO 3º. – O objeto da vontade é o fim e o bem universais. Por onde, por não serem capazes de apreender o universal, os seres privados de razão e de intelecto não podem ter vontade, senão apenas o apetite natural ou sensitivo determinado a um bem particular. Ora, é claro que as causas particulares são movidas pela causa universal; assim, o governador da república, que visa o bem comum, move pelo seu império todas as funções particulares dela. Por onde e necessariamente, todos os seres privados de razão hão de ser movidos, para fins particulares, por alguma vontade racional, que alcance o bem universal e que é a vontade divina.
Introdução dos Tratados: A Bem-Aventurança
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