Tomás explica: A verdade da razão natural não é contrária à verdade da fé cristã

Rembrandt (1606-1669), O Apóstolo Paulo

1. Embora a supracitada verdade da fé cristã exceda a capacidade da razão humana, os princípios que a razão tem postos em si pela natureza não podem ser contrários àquela verdade.

2. É certo que são veríssimos e que foram colocados na razão pela natureza, de modo que nem se pode cogitar que sejam falsos. Nem tampouco é permitido pensar ser falso o conteúdo da fé, já que com tanta evidência recebeu a confirmação divina. Ora, porque só o falso é contrário ao verdadeiro, o que se manifesta claramente ao se verificarem as definições de ambos, é impossível que a supracitada verdade da fé seja contrária aos princípios conhecidos naturalmente pela razão.

3. Além disso, na ciência do mestre está contido o que ele infunde na alma do discípulo, a não ser que o ensino seja fictício. Mas tal não se pode atribuir a Deus. Ora, o conhecimento dos princípios naturalmente evidentes é infundido em nós por Deus, pois Deus é o autor da natureza. Por conseguinte, esses princípios estão também contidos na sabedoria divina. Assim também, tudo que é contrário a eles contraria a sabedoria divina e não pode estar em Deus. Logo, as verdades recebidas pela revelação divina não podem ser contrárias ao conhecimento natural.

4. Além disso, o nosso intelecto fica impedido de conhecer quando está diante de razões contrárias e, então, não pode proceder para alcançar a verdade. Ora, se razões contrárias fossem em nós infundidas por Deus, o nosso intelecto ficaria impedido de conhecer a Leia mais deste post

Tomás explica: Qual o modo possível de se manifestar a verdade

Guido Reni (1575-1642), Arcanjo Miguel (cerca de 1636), Santa Maria della Concezione, Roma

1. Não há um só modo de se manifestar toda a verdade. Boécio cita-o, qualificando como muito bem dito, o seguinte texto do Filósofo: “É próprio daquele que tem a razão bem ordenada, tentar apreender a realidade de cada coisa, enquanto o permitir a natureza desta (I Ética 1, 1094b; Cmt 3, 36). Assim sendo, é necessário, em primeiro lugar, mostrar qual o modo possível de se manifestar a verdade proposta.

2. Há, com efeito, duas ordens de verdades que afirmamos de Deus. Algumas são verdades referentes a Deus e que excedem toda capacidade da razão humana, como, por exemplo, Deus ser trino e uno. Outras são aquelas as quais a razão pode admitir, como, por exemplo, Deus ser, Deus ser uno, e outras semelhantes. Estas os filósofos, conduzidos pela luz da razão natural, provaram, por via demonstrativa, poderem ser realmente atribuídas a Deus.

3. É evidentíssimo que existem verdades referentes a Deus e que excedem totalmente a capacidade da razão humana. Ora, o princípio de todo conhecimento que a razão apreende em alguma coisa é a intelecção da sua substância. Aliás, segundo ensinamento do Filósofo, o princípio da demonstração é o que a coisa é. Daí ser conveniente que, segundo o modo pelo qual a inteligência conhece a substância da coisa, seja também o modo de se conhecer tudo o que pertence a esta coisa. Por conseguinte, se o intelecto humano compreende a substância de uma coisa, seja de uma pedra ou de um triângulo, nenhuma das realidades inteligíveis desta coisa excede a capacidade da razão humana.

Porém, com relação a Deus, tal não acontece. Isto porque o intelecto humano não pode chegar a apreender a substância divina pela sua capacidade natural. Como o nosso intelecto, no estado da presente vida, tem o conhecimento iniciado nos sentidos, aquelas coisas que não caem nos sentidos não podem ser apreendidas por ele, a não ser enquanto o conhecimento delas tenha sido deduzido das coisas sensíveis. Ora, as coisas sensíveis não podem Leia mais deste post

Tomás explica: Qual é o ofício do sábio

Personificação da Sabedoria na biblioteca de Éfeso, atual Turquia

Com este artigo inauguro uma nova página no blog, chamada “Tomás explica”, com capítulos da Suma contra os gentios. Manterei a ordem original dos livros e capítulos na página, porém variando os assuntos abordados. Enjoy!

Minha boca publicará a verdade e meus lábios odeiam a impiedade (Pr 8,7)

1. A terminologia vulgar, que o Filósofo diz ser conveniente respeitar ao se dar nome às coisas (II Tópicos 1, 109ª), preferiu em geral julgar como sábios aqueles que diretamente ordenam as coisas e as governam com habilidade. Por isso, entre outras funções que os homens atribuem ao sábio, a de que pertence ao sábio ordenar é proposta pelo Filósofo (I Metafísica 2, 982ª; Cmt 2, 42-43). Ora, a regra do governo e da ordenação de todas as coisas que se dirigem para um fim deve ser assumida deste fim. Assim, cada coisa fica otimamente disposta enquanto se ordena convenientemente para o seu fim, visto ser o fim o bem de cada uma. Por esse motivo, vê-se também que, nas artes, tem o governo e como que o principado sobre as outras aquela à qual pertence o fim. Por exemplo: a arte médica governa e ordena a arte farmacêutica por que a saúde, que é objeto da medicina, é o fim de todos os medicamentos preparados na farmácia. Coisa semelhante acontece na arte da navegação com relação à arte da construção naval, bem como na arte militar com relação à arte equestre e a toda indústria bélica. Essas artes que têm o principado sobre as outras são denominadas arquitetônicas ou artes principais. Daí os seus artífices – que são chamados arquitetos – reclamarem para si o nome de sábios.

2. Como, porém, os supramencionados artistas que tratam dos fins de coisas singulares não atingem o fim universal de todas as coisas, são, por isso, chamados de sábios desta ou daquela coisa. E é neste sentido que São Paulo escreve: Como sábio arquiteto coloquei o fundamento (1 Cor 3,10).

O nome de sábio, porém, é simplesmente reservado só para quem se dedica à consideração do fim do universo, que é também o princípio. De onde afirmar o Filósofo que pertence ao sábio considerar as altíssimas causas (I Metafísica 1, 981ª – 2, 982ª; Cmt 1 e 2, 24-28 e 49).

3. O fim último de cada coisa é intencionado pelo seu primeiro autor ou motor. O primeiro autor e motor do universo é o intelecto, como mais além se verá. Convém, pois, que o fim último do universo seja o bem do intelecto, que é a verdade. Donde ser a verdade o fim último de todo o Leia mais deste post

A Lei Moral 3: O Esplendor da Verdade

Leia também:
A Lei Moral, ou “Como deixar um ateu em maus lençóis”
A Lei Moral 2: Lewis e a lei natural

40. O ensinamento do Concílio sublinha, por um lado, a actividade da razão humana na descoberta e na aplicação da lei moral: a vida moral exige a criatividade e o engenho próprios da pessoa, fonte e causa dos seus actos deliberados. Por outro lado, a razão obtém a sua verdade e autoridade da lei eterna, que não é senão a própria sabedoria divina. Na base da vida moral, está, pois, o princípio de uma «justa autonomia» do homem, sujeito pessoal dos seus actos. A lei moral provém de Deus e n’Ele encontra sempre a sua fonte: em virtude da razão natural, que deriva da sabedoria divina, ela é simultaneamente a lei própria do homem. De facto, a lei natural, como vimos, «não é mais do que a luz da inteligência infundida por Deus em nós. Graças a ela, conhecemos o que se deve cumprir e o que se deve evitar. Esta luz e esta lei, Deus a concedeu na criação». A justa autonomia da razão prática significa que o homem possui em si mesmo a própria lei, recebida do Criador. Mas, a autonomia da razão não pode significar a criação, por parte da mesma razão, dos valores e normas morais. Se esta autonomia implicasse Leia mais deste post

%d blogueiros gostam disto: