Tomás responde: Há obrigação de testemunhar?

Lourenço perante a corte do imperador ValerianoFra Angelico, Lourenço perante a corte do imperador Valeriano (1447-1450)

Parece que não há obrigação de testemunhar:

  1. Com efeito, Agostinho declara: Abraão afirmando de sua mulher: “é minha irmã”, quis ocultar a verdade e não proferir uma mentira. Ora, quem oculta a verdade abstém-se de testemunhar. Logo, não há obrigação de testemunhar.
  2. Além disso, ninguém está obrigado a agir de maneira fraudulenta. Ora, lê-se no livro dos Provérbios: “O fraudulento revela os segredos; mas o homem fiel guarda o que o amigo lhe confiou” (11, 13). Logo, não se está obrigado a testemunhar, sobretudo quando se trata de segredo confiado pelo amigo.
  3. Ademais, os clérigos e sacerdotes são mais que todos obrigados a observar o que é necessário à salvação. Ora, aos clérigos e sacerdotes é proibido testemunhar em causa capital. Logo, testemunhar não é de necessidade para a salvação.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, Agostinho escreve: “Quem oculta a verdade e quem profere mentira, são ambos culpados; o primeiro, porque não quer ser útil; o segundo, porque busca prejudicar”

tomas_respondoNo ato de testemunhar, é mister distinguir: às vezes, o testemunho é exigido, outras vezes, não. Quando o depoimento de um súdito é requerido pela autoridade de um superior, a quem deve obediência em matéria de justiça, não há dúvida que está obrigado a testemunhar dentro da ordem do direito. Por exemplo, sobre crimes manifestos ou já denunciados pela opinião pública. Se, porém, se requer o testemunho sobre outros fatos, por exemplo, sobre casos ocultos ou não divulgados pela opinião pública, não há obrigação de testemunhar.

Mas, quando o depoimento não é requerido pela autoridade à qual se deve obediência, cumpre ainda distinguir. Se o testemunho é pedido a fim de livrar alguém ameaçado injustamente de morte ou de qualquer castigo, de desonra imerecida ou de algum dano, então há obrigação de testemunhar. E mesmo que o depoimento não seja requerido, deve-se fazer o possível para manifestar a verdade a quem possa ser útil. Pois, lê-se no Salmo: “Salvai o pobre e libertai o desvalido da mão do pecador” (81, 4); e nos Provérbios: “Libertai aqueles que são levados à morte” (24, 11); e na Carta aos Romanos: “São dignos de morte não só os que agem assim, mas também quem os aprova” (1, 32). A Glosa ajunta esta precisão: “Aprovar é calar, quando se pode refutar o erro”.

No que toca à condenação de outrem, ninguém está obrigado a testemunhar, a não ser compelido pela autoridade segundo a ordem do direito. Porque, se sobre esse ponto se oculta a verdade, não se causa a ninguém um dano especial. Ou então, se houver perigo iminente para o acusador, não há razão de se intervir, porque ele mesmo a isso se expôs voluntariamente. Diferente é a razão do réu, pois corre perigo contra seu querer.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Agostinho se refere à ocultação da verdade, quando a autoridade legítima não exige sua divulgação e quando o silêncio sobre ela não é prejudicial a ninguém.

2. Do que é confiado sob sigilo de confissão, de modo algum é lícito testemunhar, pois não o sabe o sacerdote enquanto homem, mas como ministro de Deus; e o vínculo do segredo sacramental é mais estrito do que qualquer preceito humano.

Quanto aos outros gêneros de segredo, cumpre distinguir. Alguns são de tal natureza, que se está obrigado a revelá-los desde que deles se tem conhecimento. Os que dizem respeito, por exemplo, à ruína espiritual ou corporal da sociedade, comportam grave dano para outrem ou coisas semelhantes. Cada um está obrigado a divulgar esse segredo, pelo testemunho ou pela denúncia. Sobre esse dever não pode prevalecer um compromisso de segredo, pois viria de encontro à fidelidade que se deve a outrem. Outras vezes, porém, não há essa obrigação de revelar a verdade. Pode-se, nesse caso, assumir o compromisso de guardar o segredo que nos foi confiado; e, então, não se está obrigado a revelá-lo, mesmo por ordem da autoridade. Com efeito, a fidelidade é de direito natural, e nada pode ser mandado contra os preceitos do direito natural.

3. Dar a morte ou cooperar para ela não convém aos ministros do altar, como já se explicou acima. Eis por quê, segundo o direito, não se pode compeli-los a testemunhar em uma causa capital.

Suma Teológica II-II, q.70, a.1

2 Responses to Tomás responde: Há obrigação de testemunhar?

  1. Apóstolo São Paulo, Bispo Sto. Agostinho e o Monge João Calvino são Diferenciados na Retilínea da Verdade que a Igreja Apregoa de Cristo e Seu Evangelho. Algumas perguntas devem ser feitas precedentes ao Testemunhar, tais como: É a Verdade? qual o caráter para quem vou testemunhar? que ligações ele tem a quem vou testemunhar? o que representará de benéfico em função da Verdade? Testemunhar não é Delação premiada. Do contrário, é lancar pérolas aos porcos.

  2. Santo Agostinho é válido (lógico!) até hoje. Não posso acrescentar ou retirar qualquer palavra.

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