Tomás explica: Qual é o ofício do sábio

Personificação da Sabedoria na biblioteca de Éfeso, atual Turquia

Com este artigo inauguro uma nova página no blog, chamada “Tomás explica”, com capítulos da Suma contra os gentios. Manterei a ordem original dos livros e capítulos na página, porém variando os assuntos abordados. Enjoy!

Minha boca publicará a verdade e meus lábios odeiam a impiedade (Pr 8,7)

1. A terminologia vulgar, que o Filósofo diz ser conveniente respeitar ao se dar nome às coisas (II Tópicos 1, 109ª), preferiu em geral julgar como sábios aqueles que diretamente ordenam as coisas e as governam com habilidade. Por isso, entre outras funções que os homens atribuem ao sábio, a de que pertence ao sábio ordenar é proposta pelo Filósofo (I Metafísica 2, 982ª; Cmt 2, 42-43). Ora, a regra do governo e da ordenação de todas as coisas que se dirigem para um fim deve ser assumida deste fim. Assim, cada coisa fica otimamente disposta enquanto se ordena convenientemente para o seu fim, visto ser o fim o bem de cada uma. Por esse motivo, vê-se também que, nas artes, tem o governo e como que o principado sobre as outras aquela à qual pertence o fim. Por exemplo: a arte médica governa e ordena a arte farmacêutica por que a saúde, que é objeto da medicina, é o fim de todos os medicamentos preparados na farmácia. Coisa semelhante acontece na arte da navegação com relação à arte da construção naval, bem como na arte militar com relação à arte equestre e a toda indústria bélica. Essas artes que têm o principado sobre as outras são denominadas arquitetônicas ou artes principais. Daí os seus artífices – que são chamados arquitetos – reclamarem para si o nome de sábios.

2. Como, porém, os supramencionados artistas que tratam dos fins de coisas singulares não atingem o fim universal de todas as coisas, são, por isso, chamados de sábios desta ou daquela coisa. E é neste sentido que São Paulo escreve: Como sábio arquiteto coloquei o fundamento (1 Cor 3,10).

O nome de sábio, porém, é simplesmente reservado só para quem se dedica à consideração do fim do universo, que é também o princípio. De onde afirmar o Filósofo que pertence ao sábio considerar as altíssimas causas (I Metafísica 1, 981ª – 2, 982ª; Cmt 1 e 2, 24-28 e 49).

3. O fim último de cada coisa é intencionado pelo seu primeiro autor ou motor. O primeiro autor e motor do universo é o intelecto, como mais além se verá. Convém, pois, que o fim último do universo seja o bem do intelecto, que é a verdade. Donde ser a verdade o fim último de todo o universo. Donde, também, convir à sabedoria entregar-se, acima de tudo, à sua consideração.

Justamente para a manifestação da verdade é que a sabedoria divina encarnada veio ao mundo, como bem o afirma São João: Eu aqui nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade (Jo 18,37).

Esclarece também o Filósofo que a Filosofia Primeira é a ciência da verdade (II Metafísica 1, 993b; Cmt 2, 298). Não porém de qualquer verdade, mas daquela verdade que é a origem de toda verdade, isto é, a que pertence ao primeiro princípio do ser e de todas as coisas. Donde também ser a verdade o princípio de toda verdade, já que as coisas estão dispostas na verdade como no ser.

4. Pertence, com efeito, ao que aceita um dos termos contrários refutar o outro, como, por exemplo, acontece na medicina: esta trata da saúde e afasta a doença. Portanto, como pertence ao sábio considerar principalmente o primeiro princípio e discorrer sobre os outros, pertence-lhe impugnar também o erro contrário.

5. É, pois, mui convenientemente declarado pela boca da Sabedoria o duplo oficio do sábio, no texto supra colocado. Refere-se ele à verdade divina meditada, que por antonomásia é a verdade, quando diz: Minha boca publicará a verdade. Refere-se à impugnação do erro contrário à verdade, quando diz: Os meus lábios odeiam a impiedade. Está aqui designada a falsidade contrária à religião, pois esta também se chama de piedade. Daí a falsidade, que lhe é contrária, assumir para si o nome de impiedade.

SCG, Livro1, Cap.1

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