Chestertoninas: Caridade humana e caridade cristã

O general explodiu:

– Com todos os diabos! Se o senhor está pensando que vou me reconciliar com uma víbora como essa, quero lhe dizer que não sairia da minha boca uma única palavra que pudesse salvá-lo do inferno. Eu disse que poderia perdoar um duelo normal e leal, mas quanto a nojentos assassinos como esse…

O jornalista estava fora de si:

– Ele deveria ser linchado. Deveria ser queimado vivo como fazem com os negros nos Estados Unidos. E se existe mesmo essa história de queimar nos fogos eternos, é isso mesmo que…

Mallow também quis dar sua opinião:

– Por mim quero ficar o mais longe possível dele.

Lady Outram fora tomada de um acesso de tremor.

– Há um limite para a caridade humana…

O padre Brown acrescentou secamente:

– Há mesmo, e essa é a diferença real entre a caridade humana e a caridade cristã. Peço-lhes que me desculpem se não me deixei abater pelo desprezo de todos por minha falta de caridade hoje, ou pelas lições que pretenderam dar-me quanto ao perdão para todos os pecadores. E isso porque me parece que todo mundo só perdoa os pecados que não considera realmente pecados. O mundo só perdoa os criminosos quando eles cometem o que não é considerado um crime e sim apenas uma convenção. Então chegam a tolerar um duelo convencional da mesma forma que toleram um divórcio. Perdoam porque nada há para ser perdoado.

– Mas pelo amor de Deus, padre, o senhor não pode esperar que perdoemos uma coisa vil como essa.

– Não, mas nós devemos ter capacidade para perdoar.

O padre Brown levantou-se de repente e passou o olhar por todos em torno.

– Temos que ir ao encontro desses homens com a bênção e não com a repulsa. Temos que proferir a palavra que os salve do inferno. Somos os únicos que restamos para livrá-los do desespero, quando a caridade humana de todo mundo foge deles. Continuem nos seus caminhos cheios de flores, perdoando todos os seus vícios e sendo generosos para com todos os crimes, e deixem-nos na escuridão, como vampiros da noite, para consolar aqueles que realmente precisam de consolo, que fazem coisas realmente indefensáveis, coisas que não podem ser defendidas nem pelo mundo nem por eles mesmos, e que mais ninguém, a não ser um padre, pode perdoar. Deixem-nos com os homens que cometem os crimes mesquinhos, revoltantes e reais, mesquinhos como São Pedro quando o galo cantou e depois veio a alvorada.

Mallow parecia incrédulo.

– A alvorada, padre? Quer dizer esperança para ele?

– Isso mesmo. E quero ainda fazer-lhes uma outra pergunta. Vocês são todos pessoas honradas, que se sentem em segurança. Todos sentem a certeza de que jamais se rebaixariam por uma razão tão mesquinha como aquela, mas quero que me digam uma coisa. Se qualquer um de vocês tivesse feito qualquer coisa parecida, será que algum, depois de anos, quando já estiver velho, rico e em segurança, se deixará levar pela consciência ou pelo confessor, para contar toda a sua história? Todos dizem que jamais cometeriam crime tão vil. Mas teriam a coragem de confessar esse mesmo crime?

Os outros foram todos apanhando suas coisas e saindo da sala, em grupos de dois ou três, em completo silêncio. E então, o padre Brown, também em silêncio, voltou para o melancólico castelo de Marne.

G. K. Chesterton, O Segredo do Padre Brown

One Response to Chestertoninas: Caridade humana e caridade cristã

  1. Por caridade humana, ficamos com um pé atráz, com os que nos magoam;caridade cristã, devemos perdoar sempre, como o Mestre nos falou, perdoar sempre , de que adintaria rezer o Pai Nosso, que nos perdoe como perdoamos os irmãos.
    Paz e Bem!

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